Código Penal

Quatro mudanças na legislação podem reduzir prisões

Autor

  • Andre Luis Alves de Melo

    é promotor em Minas Gerais doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP mestre em Direito pela Unifran e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

16 de outubro de 2012, 11h37

A discussão sobre o novo Código Penal é oportuna, pois a legislação atual é arcaica. O estranho é que o meio jurídico nunca fez movimento para criticar o atual Código, mas critica o novo Projeto com rigor excessivo, e parecem desconsiderar que os legisladores podem até mesmo apresentar novo texto.

A academia jurídica penalista é muito erudita, mas normalmente distante do cotidiano diário de setores da justiça Criminal como Polícia Militar, delegacias, Promotorias, Varas e presídios.

Particularmente destaco a minha experiência recebendo mais de 200 processos e inquéritos policiais mensalmente e tendo como acervo mais de 3.000 processos penais, dezenas de audiências criminais por mês, o que permite constatar o colapso total do sistema de Justiça Criminal e prisional. Não temos investigação, logo apenas prendemos por crimes de atavismo (crimes sem inteligência), muitas vezes dependentes químicos que cometem pequenos delitos.

Tenho no presídio que atuo mais de 150 presos por tráfico e se somar toda a droga apreendida não chega a três quilos. Em geral são presos em flagrante pela PM e sem investigação alguma. Excluo desta estatística apenas o caso de um ex-policial militar preso pela polícia federal com 25 quilos de pasta base, a qual pode virar 250 quilos de entorpecente, mas neste caso teve investigação por vários meses.

Além disso, no ano de 2011 na minha Comarca não se conseguiu apurar nenhum caso de assalto em ônibus nas rodovias, foram dezenas. Nem se apurou autorias de furtos de veículos. Raramente investiga-se estelionato, exceto se preso em flagrante. Em regra, apenas recebo inquéritos com autoria conhecida no caso de furto de bicicleta e doce, roubo de celular e tráficos de drogas em quantidades inferiores a 20 gramas, tudo com prisão em flagrante pela PM, normalmente criminosos com pouquíssima inteligência. Em alguns casos consegue-se prender quadrilhas, mas a polícia civil tem pouca estrutura para investigação e acaba atuando de forma mais burocrática, além de termos um processo penal arcaico que dificulta a tramitação judicial.

A colocação do interrogatório em último lugar na instrução, a partir de 2008, gerou o colapso nas pautas de audiência, e somos o único país do mundo que o interrogatório em todos os crimes é o último ato da audiência de instrução, mesmo que queira confessar e os benefícios para quem confessa praticamente inexistem na lei brasileira.

Urge seguirmos a linha já adotada até mesmo na Europa, que é o princípio da oportunidade da Ação Penal em vez da obrigatoriedade da Ação Penal, pois o Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda adota a obrigatoriedade. E isso nem depende de lei nova, basta mudar a cultura jurídica, e também ampliar a possibilidade de transação penal quando couber pena alternativa.

Embora não seja membro do Poder Legislativo, nem presidente da República para vetar, ou apresentar Projeto de Lei, mas conhecendo o sistema criminal em toda a sua seletividade que foca na pobreza e se esquece dos crimes de colarinho branco, propõe-se, em linhas gerais, o seguinte (cuja redação e proporcionalidade da pena será aperfeiçoada no curso dos debates):

a) Furto privilegiado:

Art. 155-A: subtrair objetos de até um salário mínimo:

Pena — de 6 meses a dois anos, com ação penal condicionada à representação da vítima.

Objetivo: O furto privilegiado deixaria de ser uma causa de diminuição de pena e passaria a ser um tipo penal autônomo, com pena definida mais claramente, o que facilita definir o limite e a competência do Juizado Especial. Além disso, permitiria a participação da vítima com a representação, o que já é comum na Europa. No Brasil, se a vítima sofre lesão pode retirar a representação, mas se é vítima de furto de uma calça, não pode retirar a representação. Além disso, a proposta define um valor, o que é de suma importância para a segurança jurídica e para evitar tratamentos desiguais.

b) Roubo Privilegiado

Art. 157-A: Subtrair mediante violência física ou grave ameaça objetos no valor de até um salário mínimo, desde que seja primário:

Pena de 02 a 04 anos, caso não haja lesões graves e uso de arma de fogo, podendo aplicar pena alternativa.

Objetivo: Neste caso, não há previsão no atual Código Penal, para a diminuição de pena. A proposta exige a primariedade para evitar abusos, bem como permite punir por lesões graves. Em geral, a forma mais comum de cometer esse delito é com grave ameaça. Logo, vai se permitir punir pequenos roubos, sem gravidade, cometidos por criminosos menos periculosos.

c) Tráfico privilegiado

Art. 33-A da Lei 11343-06: Tráfico de drogas em pequenas quantidades, sem comprovado envolvimento em crime organizado e criminoso tecnicamente primário em crime de tráfico de entorpecentes.

Pena de 06 meses a 02 anos.

Ojetivo: Hoje mais de 60% das prisões provisórias é por tráfico privilegiado. Não raro são dependentes químicos que vendem para subsidiar o vício, pois não há uma política pública de tratamento. A proposta não despenaliza, mas propõe uma pena menor. E o delito de tráfico privilegiado deixa de ser uma causa de diminuição do artigo 33 da lei 11343-06, para ser um delito autônomo. Normalmente são presos com menos de 20 g de entorpecente e não se investiga para descobrir o médio e grande traficante.

c) Confissão Premiada

Permitir a confissão premiada em juízo, com assistência de advogado, como causa de diminuição de pena, isso evita prisões provisórias, pois agiliza os processos. E para quem quer ressocializar, o melhor caminho é começar confessando e reconhecendo o erro e nesse caso haveria redução da pena em um terço, por exemplo.

Essas quatro mudanças seriam uma revolução na área penal, pois agilizarão os processos penais e permitirão que os órgãos de Justiça Criminal atuem nos casos mais complexos. Certamente muitos criticarão. Alguns ainda veem o processo penal com um meio de ganhar dinheiro, logo, menos processo, menos mercado de trabalho, menos dinheiro.

Outros alegarão que as proposta geram “insegurança pública” e impunidade, mas nunca foram visitar um presídio. De fato, o que gera insegurança pública e impunidade é o fato de não se saber quais os critérios a polícia tem para definir as suas prioridades e para isso é necessário legislação para monitorar a seletividade penal. Outro aspecto que gera impunidade são os crimes tributários não apurados ou “arquivados” mediante acordos na Receita Federal (tudo previsto em lei), ou os crimes de corrupção não apurados, os grandes furtos e roubos que não se apura a autoria por falta de investigação.

Se o bandido raramente não for preso em flagrante raramente será descoberto no Brasil, pois não temos investigação, não temos banco de dados integrados, o que acaba estimulando a criminalidade, pois apenas os delitos cometidos com menos inteligência têm a autoria identificada.

As propostas acima visam adequar a pena à lesividade e proporcionalidade processual e das penas, não são critérios fechados, pois cabe ao Legislativo a decisão.

As medidas propostas dimuniriam a quantidade de presos de 500 mil para menos de 300 mil em menos de um ano, e as polícias, Ministério Público e Judiciário teriam tempo para cuidar dos casos mais graves, os quais atualmente estão prescrevendo frequentemente ou ficando sem autoria apurada.

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