Lei de Falências

Juiz ignora trava bancária em recuperação empresarial

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13 de outubro de 2012, 6h11

Já é motivo de polêmica a decisão do juiz Mauro Pereira Martins, titular da 4ª Vara Empresarial da cidade do Rio de Janeiro, que, na última segunda-feira (8/10), deferiu o pedido de recuperação judicial da marca Maria Bonita, desconsiderando o mecanismo conhecido por trava bancária, adotado pelas instituições financeiras credoras das empresas detentoras da grife. 

Trava bancária é uma cessão fiduciária na qual o comerciante entrega os recebíveis de cartão de crédito como garantia ao banco para receber recursos. Assim, o empresário transfere a propriedade do crédito para o banco, que bloqueia estes recebíveis até que o valor dos recursos recebidos pelo comerciante sejam quitados.

Em sua decisão, o juiz destacou que o mecanismo vem inviabilizando por completo a continuidade da atividade empresarial desenvolvida e deferiu medida liminar para que as instituições financeiras detentoras da denominada trava bancária se abstenham de praticar qualquer ato destinado ao bloqueio ou apropriação de qualquer valor depositado em conta corrente.

No caso, as autoras da ação, empresas controladas pelos mesmos sócios e que atuam de maneira conjunta no mercado, alegam que a adoção pelas instituições financeiras do mecanismo denominado trava bancária constitui o maior óbice para o soerguimento delas, noticiando que cerca de 85% do faturamento fica retido para pagamento de juros e amortizações.

Ao analisar o caso, o juiz observou que o histórico das empresas evidencia o potencial econômico das mesmas. “Verificando o juízo efetiva possibilidade de soerguimento, deve adotar todas as medidas que lhe são municiadas pelo sistema jurídico, evitando-se, de tal modo, a falência da empresa”, afirmou.

Segundo o juiz Mauro Pereira Martins, “afigura-se inequívoco que, para se propiciar reais e efetivas condições de superação da crise econômico-financeira experimentada pelas requerentes, deve ser vedada a prática da trava bancária. O princípio jurídico a ser observado, na presente circunstância, é o da preservação da empresa, restando patente que a manutenção do mecanismo citado tornará esvaziado de interesse o prosseguimento do presente processo de recuperação judicial”, concluiu.

O advogado Sergio Tostes, sócio do Tostes e Associados Advogados, avalia que o juiz Mauro Martins reconheceu uma situação, de fato, existente há muito tempo e que é um dos principais fatores de dificuldade para a operação das empresas. Ele observa que a trava bancária dá um privilégio aos créditos bancários em relação à própria empresa em recuperação e aos seus demais credores. “Isso faz com que o capital de giro necessário para a continuidade das atividades operacionais fique congelado nas instituições financeiras. O crescimento do país depende de que as atividades comerciais tenham prevalência sobre as atividades financeiras. Nesse aspecto, a decisão do juiz Martins é de grande relevância por demonstrar essa circunstância”, destaca.

Com trava, juro mais baixo
Já o advogado Bruno Boris, especialista em Direito Empresarial e sócio do Fragata e Antunes Advogados, afirma que o debate referente à trava bancária ainda não está pacificado nos tribunais e o Superior Tribunal de Justiça ainda não analisou o tema. Ele destaca, contudo, que “o parágrafo 3º do artigo 49 da Lei de Recuperação de Empresas e Falências é claro ao excluir do plano de recuperação judicial os créditos dos proprietários fiduciários de bens móveis (como os direitos de crédito) ou imóveis, de arrendador mercantil, dentre outros especificados no texto legal”.

Para Bruno Boris, embora seja relevante a intenção da decisão da Justiça fluminense em dar condições efetivas de superação à empresa em crise econômico-financeira, “o objetivo da Lei de Recuperação de Empresas e Falências é proteger os bens dos credores fiduciários e, por consequência, o crédito das instituições financeiras, com reflexo numa eventual redução do spread bancário. Só assim, respeitando-se essa garantia legal, será possível aos bancos praticarem taxas de juros mais baixas e concederem maior volume de crédito, estimulando assim o desenvolvimento econômico”.

Para o advogado Ernesto Antunes de Carvalho, a decisão não parece justa. No entendimento dele, não é justo o banco deixar de receber um dinheiro que é de sua propriedade, uma vez que a negociação foi feita com base legal. “O comerciante já recebeu esse dinheiro antecipadamente, agora apenas está devolvendo”, esclarece. Para ele “o princípio da preservação da empresa, deve ser norteado por motivos justos. Decisões como esta, se desviam da própria lei e do conceito de segurança e certeza que a justiça tem que propiciar”, conclui.

Processo 0380326-46.2012.8.19.0001

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