Princípio da capacidade contributiva

A proteção ao meio ambiente e a extrafiscalidade

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9 de outubro de 2012, 7h15

O presente artigo tem como objetivo a análise da utilização da extrafiscalidade para preservação do meio ambiente, todavia, sem afrontar o princípio da capacidade contributiva.

O meio ambiente saudável está diretamente relacionado com a efetivação da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Para que se desenvolva a dignidade da pessoa humana é necessário que o Estado propicie a dignidade formal (igualdade de direitos perante as leis) e material (fornecimento de bens materiais mínimos para a sobrevivência do indivíduo). Dentre o amparo material, destacam-se residência, trabalho, lazer, previdência e o desenvolvimento de uma vida num meio ambiente saudável.

Numa visão clássica, para atingir tais objetivos, o Estado precisaria apenas arrecadar recursos e aplica-los na implementação dessas políticas. Contudo, a concepção moderna de Estado prevê outros meios.

Por essa visão moderna, não apenas o Estado deve contribuir para os objetivos sociais descritos na Constituição Federal, mas também toda a sociedade. A atuação da sociedade, por sua vez, deve ser orientada pelos instrumentos estatais.

Um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana. Tal princípio foi trazido ao Estado Democrático de Direito como um postulado, ou seja, um guia de orientação e interpretação para todas as ações do Estado e sociedade. Com o objetivo de se obter a dignidade da pessoa humana, são elaboradas políticas públicas, orientadas as elaborações das leis, interpretadas as normas e pautadas as relações privadas.

A obtenção da dignidade não se concretiza apenas com a garantia de direitos constitucionais, tais como, a isonomia, devido processo legal, propriedade, direito de associação, direitos sociais entre outros. A verdadeira dignidade é alcançada com a concessão de direitos sociais, garantindo-se o piso vital mínimo, ou seja, direitos básicos a serem efetivamente utilizados.

Além desse piso vital mínimo, que diz respeito ao indivíduo isoladamente, a dignidade da pessoa humana também é obtida com a garantia de direitos difusos e coletivos, que proporcionam a efetiva construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, inciso I, Constituição Federal). O desenvolvimento do indivíduo dotado de garantias materiais mínimas aliadas à existência de uma sociedade que valoriza direitos difusos e coletivos, garante a construção da efetiva dignidade, pois desenvolverá verdadeiros cidadãos, que têm atendidas suas necessidades individuais e convivem num ambiente que respeita o coletivo.

O respeito ao coletivo ocorre, também, com a proteção dos direitos difusos, especialmente, com a preservação do meio ambiente (artigo 225 da Constituição Federal). A proteção constitucional do meio ambiente não se circunscreve somente ao seu aspecto natural, abrangendo também o cultural, artificial e do trabalho. Compete, em primeiro lugar, ao Estado proporcionar aos seus indivíduos a vida em um ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Em segundo lugar, compete à sociedade colaborar com a preservação e recuperação do meio ambiente, a fim de que todos possam utiliza-lo.

A efetiva preservação do meio ambiente auxiliará a concretização da garantia da dignidade da pessoa humana em seus dois parâmetros — individual e coletivo. Para tanto, o Estado precisará de recursos. Estes serão obtidos, em sua maioria, por meio dos tributos recolhidos dos próprios cidadãos. Por meio deles, o Estado fará investimentos em saúde, educação, segurança, construção de moradias, incentivo à geração de novos empregos, entre outros.

Contudo, como mencionado acima, todas as ações estatais devem ser direcionadas à preservação da dignidade da pessoa humana. Com isso, até mesmo a atividade tributária do Estado deve respeitar limites que protejam os cidadãos de abusos e ingerências desproporcionais em seu patrimônio. Assim, o sistema constitucional tributário brasileiro prevê limitações ao poder de tributar, representadas pela necessária observância de princípios tributários, tais como: isonomia, capacidade contributiva, legalidade, irretroatividade, anterioridade, proibição de confisco, entre outros.

Com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, o Estado aumentou consideravelmente sua função com a arrecadação dos tributos. Estes não servem apenas para garantir serviços genéricos, tais como, segurança pública. Servem, também, para repartir recursos disponíveis, a fim de que se concretize a efetiva dignidade da pessoa humana.

Todavia, a prestação de serviços públicos não é suficiente para a efetiva garantia da dignidade da pessoa humana. O Estado precisará, além das prestações públicas, garantir a preservação de direitos difusos, em especial o meio ambiente, que proporcionem usufruir o mínimo vital aliado à sadia qualidade de vida.

A obtenção desses dois resultados — mínimo vital e meio ambiente propício à sadia qualidade de vida — não poderá ser feita apenas com a atuação estatal calcada na arrecadação e aplicação dos tributos, mas sim com a participação efetiva de toda a sociedade. Caso isso não fosse aplicável, ter-se-ia uma carga tributária demasiadamente excessiva que afrontaria outros princípios tributários, como por exemplo, do não-confisco. Contudo, o Estado deve estimular essa participação da sociedade, uma vez que o ser humano ainda não atingiu elevado grau de solidariedade capaz de tomar iniciativas destinadas a promover benefícios em favor do outro.

O estímulo social poderá ser feito, mais uma vez, no campo tributário. O Estado, detentor da competência para instituir tributos, tem o poder de direcionar a atividade para fins estritamente fiscais ou não. Nesta segunda hipótese, quando instituído tributo que não visa arrecadar, mas sim controlar o sistema político-econômico, ocorre a denominada extrafiscalidade. Esta é importante forma de atuação do Estado no sistema econômico e social.

A política econômica poderá ser controlada com a incidência de maiores ou menores alíquotas, reduções ou aumento de base de cálculo de determinados tributos. A atuação social poderá se materializar pela imunidade, isenção, “alíquotas-zero” e alterações da forma de pagamento de determinados tributos, a fim de que estes influenciem diretamente em produtos e serviços consumidos ou prestados por determinado segmento da sociedade.

Assim, o tributo instituído com finalidade extrafiscal pode incentivar a preservação de diversos bens jurídicos previstos na Constituição. Pode-se citar como exemplos a proteção da função social da propriedade, por meio do IPTU e ITR progressivos; o desenvolvimento das exportações dos produtos nacionais, com isenções e imunidades concedidas aos tributos incidentes sobre a exportação; fomento à cultura, benemerência, pluralidade dos partidos políticos, por meio das imunidades previstas no artigo 150, inciso VI da Constituição Federal, entre outros.

No que tange ao meio ambiente, este pode ser preservado por meio de isenções concedidas às empresas que diminuírem ou eliminarem a poluição produzida em decorrência de suas atividades. A concessão de incentivos tributários para a redução da poluição sem a diminuição da produção é uma forma de se obter um meio ambiente menos degradado e efetivar a garantia da sadia qualidade de vida, prevista no Texto Constitucional.

O Estado não precisará investir recursos financeiros ou humanos na consecução das políticas de preservação, uma vez que a sociedade estará fazendo esse papel, por meio de incentivos no campo tributário.

Contudo, tal política extrafiscal não pode deixar de lado a observância do princípio da capacidade contributiva, pois se trata de garantia do cidadão contribuinte.

A doutrina clássica afirmava ser incompatível a aplicação do princípio da capacidade contributiva aos tributos extrafiscais, sustentando a possibilidade de instituição de tributos progressivos ou regressivos que não guardam pertinência com a riqueza do contribuinte.

A doutrina moderna, contudo, afasta tal incompatibilidade e defende a aplicação da capacidade contributiva aos tributos extrafiscais. Podem ser citados como doutrinadores que defendem essa compatibilidade, Regina Helena Costa, Roque Antônio Carrazza, Sampaio Dória e Geraldo Ataliba.

Tais autores afirmam que, diante da extrafiscalidade, não haverá supressão do princípio da capacidade contributiva, mas apenas uma mitigação dos seus efeitos, uma vez que não será tomada como critério predominante na estruturação e aplicação do tributo (ao contrário do tributo fiscal que traz a capacidade contributiva como pressuposto legitimador do tributo e como seu critério de aplicação e estruturação). Na tributação extrafiscal, a incidência do princípio é atenuada tendo em vista a busca de outros objetivos, tais como, o interesse público de natureza social ou econômica.

O Estado não pode, em busca da extrafiscalidade, suprimir garantias básicas do contribuinte, transformando o tributo em verdadeira afronta aos direitos fundamentais. Caso isso ocorra, o objetivo perseguido pela extrafiscalidade — provavelmente algum interesse público previsto na Constituição — não seria almejado, pois concomitantemente haveria o desrespeito a um outro direito previsto constitucionalmente.

Diante disso, o mínimo vital que deve ser resguardado num Estado Social Democrático está acima do poder estatal de instituição de tributos, ainda que estes persigam interesses de natureza social. Ao cidadão sempre será resguardado o mínimo necessário à satisfação de seus direitos básicos, consagrados no artigo 6º da Constituição Federal.

Pode-se exemplificar a utilização da extrafiscalidade com os tributos que favorecem o meio ambiente. Suponha-se que uma empresa receba incentivos fiscais do Estado, por meio de isenções progressivas de determinado tributo. Para tanto, precisará comprovar medidas que diminuam progressivamente o lançamento de rejeitos na rede de esgoto. Implantadas as medidas de redução da poluição, a empresa contribui para que o esgoto recebido pela estação de tratamento necessite de menores medidas para sua despoluição. Com isso, o Estado tem uma redução dos custos com tratamento — já que este será feito em menos etapas, com menores gastos —, podendo fazer investimentos em outros projetos, tais como, construção de rede de esgoto em locais ainda não beneficiados por tal infraestrutura. Os moradores dessa região terão acesso ao mínimo vital, bem como a uma melhor qualidade de vida.

No exemplo acima, o Estado deixou de arrecadar tributos por meio da medida extrafiscal, mas também deixou de gastar com a menor dificuldade no tratamento do esgoto. Além disso, investiu o dinheiro em outras obras públicas que beneficiaram outros cidadãos.

O Estado pode utilizar a extrafiscalidade para conseguir os mais diversos objetivos previstos na Constituição. Estando a qualidade de vida diretamente relacionada com a dignidade da pessoa humana, o Estado também poderá incentivar a proteção do meio ambiente por meio de medidas tributárias.

O desenvolvimento sustentável é feito por meio do crescimento econômico, qualidade de vida e justiça social. O crescimento econômico deve ser sempre estimulado, mas a qualidade de vida e a justiça social somente serão alcançadas com a garantia do direito a cidades sustentáveis.

A sustentabilidade é conseguida com o desenvolvimento da economia, por meio da produção industrial, prestação de serviços, geração de empregos, bem como com a preservação e recuperação do meio ambiente, que proporciona a sadia qualidade de vida ao ser humano.

O incentivo à iniciativa privada por meio de redução ou supressão de tributos diminui a atuação estatal direta, mas ainda assim faz com que sejam atingidos os resultados almejados pelo Estado.

Portanto, os impostos extrafiscais para a proteção ambiental adotam a criação de uma norma de incidência ambiental, caracterizada pela indução de comportamentos dos sujeitos passivos que visem à proteção do meio ambiente. Buscam-se corrigir as denominadas externalidades negativas, ou seja, agregar os danos da atividade produtiva ao custo da atividade econômica, bem como induzir comportamentos aos sujeitos passivo que sejam menos prejudiciais ao meio ambiente. Com os incentivos fiscais, o sujeito passivo busca formas ecologicamente mais adequadas para o desenvolvimento de suas atividades.

No Brasil, a utilização dos impostos extrafiscais ambientais ainda não é muito aplicada. Podem-se citar como exemplos, a Lei 5106/66 que estabeleceu a possibilidade de abatimento ou desconto nas declarações de rendimento de pessoas físicas ou jurídicas, dos recursos empregados em florestamento e reflorestamento, denotando a característica extrafiscal do imposto.

Outro exemplo pode ser retirado do Imposto Territorial Rural (ITR), que é utilizado para a preservação da função social da propriedade. Tal imposto, além de sua função fiscal, tem o intuito de fomentar uma melhor utilização dos imóveis rurais, desestimulando a manutenção de propriedades improdutivas, por meio das alíquotas progressivas. Estas, por sua vez, também devem observar o princípio da capacidade contributiva, evitando-se o confisco.

Além desses dois impostos, outros também podem ser utilizados com a função extrafiscal do meio ambiente. Pode-se mencionar o Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

O Brasil ainda pode desenvolver um vasto campo de utilização dos impostos ecológicos, bastando, para tanto, a implantação de políticas que incentivem os entes federados a conceder incentivos e fiscalizar empresas que potencialmente podem contribuir com a redução de emissão de poluentes, sem prejuízo da produtividade econômica. Esta será preservada com a observância do princípio da capacidade contributiva.

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