Carreiras jurídicas

Prova oral é dispensável em concursos públicos

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2 de outubro de 2012, 8h00

A recente decisão do Conselho Nacional de Justiça, que julgou ilegais as entrevistas secretas, com perguntas subjetivas e pessoais, feitas por desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo aos candidatos no último concurso para juiz, o 183° concurso de ingresso para a magistratura paulista, expõe a necessidade de reflexão acerca de diversos temas, como será visto em seguida.

As provas orais, entrevistas, sindicâncias de vida pregressa e “indicações” de autoridades têm subsistido em concursos públicos, sem que quase ninguém as conteste. Pergunta-se, são indispensáveis? São conformes à Constituição?

A ordem das fases dos concursos
A Resolução 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça dispõe, no seu artigo 5º, sobre as fases dos concursos para ingresso na magistratura, em todos os ramos do Poder Judiciário Nacional:
“Art. 5º O concurso desenvolver-se-á sucessivamente de acordo com as seguintes etapas:
I — primeira etapa — uma prova objetiva seletiva, de caráter eliminatório e classificatório;
II — segunda etapa — duas provas escritas, de caráter eliminatório e classificatório;
III — terceira etapa — de caráter eliminatório, com as seguintes fases:
a) sindicância da vida pregressa e investigação social;
b) exame de sanidade física e mental;
c) exame psicotécnico;
IV — quarta etapa — uma prova oral, de caráter eliminatório e classificatório;
V — quinta etapa — avaliação de títulos, de caráter classificatório.”

Não se pode conceber, num concurso de provas e títulos, que haja uma etapa, antecedente à derradeira etapa de provas, que não se constitua nem de provas, nem de títulos, estes, os únicos meios legítimos, à luz da Constituição, para aferir o requisito primeiro de ingresso na magistratura: saber jurídico, aptidão técnica. Tal etapa, no caso, a terceira, constitui-se de perquirições de per se dotadas de altíssimo grau de subjetivismo, como o são a “sindicância da vida pregressa e investigação social” (o que é isto, exatamente?), o exame psicotécnico e o exame de sanidade física e mental. Em todos os demais concursos públicos que se conhece, os exames de saúde e psicológico são aplicados apenas aos candidatos já aprovados no certame e para tais avaliações convocados, já com vistas à sua nomeação. Logo, a inversão de fases, cuja ocorrência já era tradição nos concursos de ingresso na magistratura e veio a ser positivada na Resolução 75/2009 do CNJ, é incompatível com o princípio da impessoalidade e merece ser revertida.

Exame oral: mito ou necessidade?
A manutenção ou implantação dos exames orais nos concursos é justificada pelos seguintes argumentos: a) os exames orais permitem à banca examinadora conhecer pessoalmente o candidato e verificar se ele é adequado ou desejável no cargo; b) há carreiras em que a fluência verbal é necessária; c) necessidade de aferir se o candidato mantém o raciocínio e a coerência sob pressão; d) avaliação da capacidade técnica do candidato, partindo-se do pressuposto de que os melhores seriam capazes de responder prontamente às questões propostas; e) verificação da higidez mental e a aptidão psicológica do candidato.

Quanto à aferição da higidez mental e da aptidão psicológica, há exames que se prestam à finalidade, aplicados por profissionais habilitados. Sob esse aspecto, pois, o exame oral é não só desnecessário como também não recomendável.

A reação a situações de pressão, por seu turno, não pode ser dada como satisfatória ou insatisfatória, tendo em vista o comportamento apresentado pelo candidato na entrevista com a banca examinadora ou na prova oral. As situações críticas variam enormemente, surpreendendo na vida cotidiana, portanto, nunca se repetirão. A diversidade humana demonstra que todos, sem exceção, reagirão “mal” a algumas situações e “bem” a outras. Reagir “mal” a uma situação artificial, provocada por um examinador, não pode ter o condão de assinalar o candidato como “despreparado”, “desequilibrado” ou quejandos, para situações de pressão em geral.

Além disso, não deveríamos criticar, na vida cotidiana, quem sofre pressões e a elas reage, mas sim quem pressiona o semelhante. Pressionar o candidato e julgar sua reação, portanto, corresponde a uma inversão de valores, na qual tornamo-nos coniventes com a “lei do mais forte” ou do mais abusado, com a vitória no grito, em detrimento do respeito que deveria nortear as relações interpessoais. Com isso, preferimos dar razão ao detentor de poder de fato ou de direito, que se vale da pressão para obter o que pretende, em detrimento daquele que, ferido no seu senso de justiça, muitas vezes em sua dignidade, reage. Portanto, condenar quem reage revela uma cosmovisão autoritária, segundo a qual as pessoas teriam que respeitar quem as desrespeita, curvar-se a quem abusa, somente porque quem abusa exerce algum tipo de poder.

Cabe a pergunta: O que é reagir “mal” ou “bem”?

Cada examinador certamente alcançará suas conclusões com base nos seus valores pessoais, que não constam de lei ou de edital algum. E, o que é pior: Valores que podem revelar apego a preconceitos e estereótipos sociais que o nosso ordenamento jurídico democrático combate.

A assertiva de que os melhores candidatos são capazes de responder verbal e prontamente às questões propostas merece sérias ponderações. Ela só seria verdadeira se as questões propostas fossem objetivas, formuladas com clareza, de modo que o candidato pudesse imediatamente identificar o que o examinador quisesse saber. Além disso, seria imperioso que, quanto a questões que porventura comportassem mais de uma solução, o examinador considerasse todas como corretas, sem que impusesse como certa aquela que correspondesse à sua opção doutrinária. E mais: Deveria ser vedado ao examinador pedir do candidato a posição de um autor determinado (a menos que o edital do concurso contivesse bibliografia e a obra dela constasse), tendo em vista a extrema diversidade de autores que abordam um mesmo tema ou ramo do Direito. Se o examinador, com seu presumível saber jurídico maior, pensa que não é obrigado a conhecê-los todos, muito menos o será o candidato.

Não poderia o examinador, em hipótese alguma, exigir respostas que só ele imagina e raciocina; respostas que não se encontram nas obras de referência, nas mais consultadas da matéria que ele argui, e, muito menos, posicionamento doutrinário não uniforme.

Perguntas tiradas de notas de rodapé, preciosismos que só revelassem erudição ou curiosidade excepcional, teriam que ser vedadas.

É com base nesses parâmetros que têm se comportado os examinadores nas provas orais, com objetividade e clareza, ao formular e avaliar suas questões? Com finura e respeito ao dirigirem-se ao candidato?

Além disso, o examinador não poderia impor ao candidato um padrão de expressão verbal ou linguística, repreendendo ou reprovando o candidato pelo uso de galicismos, anglicismos, latinismos, regionalismos, sotaque ou de linguajar coloquial. Os candidatos têm o direito de manter seus traços de personalidade, incluindo o seu estilo, o seu linguajar. Por que não seria assim, num Estado em que o pluralismo é princípio fundamental? O candidato deve ser uma máquina obediente, um soldado raso uniformizado ou um ser pensante?

Em outras palavras: O juiz, o promotor, o procurador deve ser uma máquina pré-programada, um soldado raso ou um ser pensante?

Lembre-se, ademais, que o candidato ainda não ocupa o cargo almejado, não faz parte da respectiva instituição, destarte, não tem a mais remota obrigação de se comportar e de se expressar como se já estivesse no exercício do cargo, conhecesse de perto a instituição respectiva e tivesse recebido treinamento prévio. Conclusão contrária, de que o candidato deva se comportar exatamente como se juiz, promotor ou procurador já fosse, por exemplo, só viria a acarretar discriminação entre os candidatos. Isso porque servidores da Justiça ou do Ministério Público, parentes de juízes, promotores ou procuradores, enfim, qualquer candidato que tivesse vivência na respectiva instituição ou contato próximo com os seus membros apresentaria inequívoca vantagem sobre os demais.

Certa vez, comentou-se o caso de uma candidata que, num exame oral, foi repreendida (e reprovada) por uma examinadora, por ter utilizado a palavra “chance”. A examinadora repreendeu a candidata, afirmando que “chance” era um galicismo, que nunca poderia ter sido dito, e outros argumentos mais. Cabe a pergunta: Ao invés de “futebol”, deveríamos dizer “ludopédio”? Ao invés de “trem”, temos a obrigação de falar “comboio”? Lembremos que “trem” é expressão que se consagrou tendo em vista a história da implantação das ferrovias no Brasil. Espera-se a aparição de alguém que esclareça qual palavra autóctone da Língua Portuguesa deve substituir o galicismo “sutiã”.

Quanto à fluência verbal, ela é desejável em todas as carreiras. Porém, as carreiras que mais a exigem, no serviço público, são as que envolvem atendimento ao público, como professor, oficial de justiça, policial, guarda civil, fiscal de tributos, leiloeiro, pregoeiro, entre muitas outras. Detenhamo-nos nos exemplos de carreiras que fazem parte dos quadros do serviço público, como oficial de justiça, professor, inspetor de alunos, diretor de escola, pregoeiro, policial e fiscal de tributos: Alguém tem notícia de concurso público para o provimento desses cargos que tenha incluído provas orais? Alguém ousaria doravante impor tais provas nos concursos para o provimento desses cargos?

No entanto, não se ouvem reclamações de oficiais de Justiça que cumprem seus mandados sem mover os lábios, de professores que emudecem diante da classe, de fiscais de tributos que deixam de fazer auditorias e lavrar autos de infração por não conseguirem falar, de policiais que não conseguem dar voz de prisão. Será a prova oral realmente tão imprescindível para a admissão às carreiras que exijam fluência verbal?

Em primeiro lugar, cabe um contraponto prático. Há muitas carreiras estratégicas que não têm incluído a prova oral em seus concursos, mas que têm apresentado profissionais de excelente nível técnico e ético.

Até 2009, os concursos de ingresso às carreiras da Procuradoria da Fazenda Nacional e da Advocacia-Geral da União não contemplavam provas orais, até 2009, e tais carreiras sempre gozaram de excelente reputação. Da mesma forma, procuradores municipais, procuradores legislativos, auditores fiscais. Se o exame oral é tão indispensável, como explicar que as carreiras supramencionadas, que não o exigem ou não o exigiam, gozem de excelente reputação e seja insignificante o número de profissionais que as desonrem? E como explicar que é justamente nas carreiras que adotam o exame oral que temos tido tantas notícias de membros corruptos ou criminosos, alguns dos quais já foram inclusive presos ou condenados? Ou de membros autoritários e preconceituosos?

Destarte, a prova oral certamente não é um imperativo ditado pela eficiência do serviço público, pelos motivos expostos. E de modo algum alguém pode dizer, com absoluta certeza, que são indispensáveis. Pelo contrário. Se carreiras jurídicas que não as adotam apresentam profissionais de excelente nível técnico e ético, as provas orais não são indispensáveis.

A administração pública deve obedecer ao princípio da legalidade. Porém, numa prova oral, os examinadores avaliam o candidato segundo critérios estritamente objetivos e exclusivamente previstos em lei?

Sob o fundamento de conhecer pessoalmente o candidato e verificar se ele é adequado ou desejável para o cargo, as instituições que adotam as provas orais costumam adotar, também, a chamada entrevista, realizada por membros da própria banca examinadora ou, como alguns a denominam, a entrevista psicológica, realizada por psicólogos, o que será melhor analisado no tópico seguinte.

Entrevista com a banca e “entrevista psicológica”
“Conhecer melhor o candidato.” Muito bem. A prática demonstra, porém, que isto significa avaliar, apenas, se ele, ou ela, pertence ao círculo de boas ou más relações de membros da banca examinadora ou de outros integrantes da carreira; se ele, ou ela, não parece “indesejável” a este ou àquele membro da banca ou da carreira, segundo suas idiossincrasias. Será mera coincidência que filhos, sobrinhos e netos frequentem as listas de aprovação dos concursos de admissão às carreiras de seus pais, tios ou avós?

Na avaliação do candidato que se apresenta à entrevista ou à prova oral, pesam quase sempre os preconceitos e idiossincrasias dos examinadores: Querem ver se a aparência do candidato é “adequada”; se não parece homossexual ou lésbica; se a candidata é uma “boa moça de família”; se o candidato não parece jovem demais, se não é o “baladeiro de plantão”, e assim por diante.

A entrevista e a prova oral, em razão da sua pessoalidade e subjetividade, já infringem, de plano, um princípio constitucional da administração pública. Portanto, em razão disso, já não poderiam subsistir desde 5.10.1988! Porém, não fizemos nada, e assim continuamos sofrendo os abusos de examinadores e examinadoras, que odeiam a democracia e fogem da objetividade e da impessoalidade como os mais vis dos desertores covardes.

E nas entrevistas com a banca, então?

Se as provas orais, as entrevistas e as indicações de autoridades fossem tão perfeitas, muitas situações vergonhosas para as carreiras que as adotam não ocorreriam.

Atende à moralidade administrativa avaliar o candidato segundo critérios pessoais do examinador, que não se encontram previstos em lei alguma, e que muitas vezes agridem a Lei Maior, que é a Constituição? É moral deixar de admitir um candidato só porque os examinadores acham-no muito jovem ou muito maduro, quando sua idade está em conformidade com o edital do concurso? É moral barrar o candidato porque ele tem personalidade questionadora e combativa? Por que apresenta cosmovisão progressista? É moral barrar o candidato porque suas “indicações são fracas”? É moral barrar o candidato “desconhecido” em prol dos “conhecidos e garantidos”? É moral barrar o candidato por ser “muito simples” ou “muito sofisticado”? Sobretudo, é moral barrar um mesmo candidato, sucessivas vezes, anos a fio, prejudicando sua vida, sem dar-lhe nenhuma satisfação, desconsiderando o investimento financeiro e pessoal em prol do seu sonho? E, o que é pior: Barra-se o candidato com base em critérios subjetivos, contingentes, previstos em lei nenhuma, secretos e sem a menor possibilidade de controle.

Sindicância da Vida Pregressa e “Indicações”
A própria Resolução 75/2009, do CNJ, contém passagens que suscitam sérios questionamentos, sobretudo as alíneas h e i do parágrafo 1º do artigo 58, verbis:
“Art. 58. Requerer-se-á a inscrição definitiva ao presidente da Comissão de Concurso, mediante preenchimento de formulário próprio, entregue na secretaria do concurso.
§ 1º O pedido de inscrição, assinado pelo candidato, será instruído com:

h) declaração firmada pelo candidato, com firma reconhecida, da qual conste nunca haver sido indiciado em inquérito policial ou processado criminalmente ou, em caso contrário, notícia específica da ocorrência, acompanhada dos esclarecimentos pertinentes;
i) formulário fornecido pela Comissão de Concurso, em que o candidato especificará as atividades jurídicas desempenhadas, com exata indicação dos períodos e locais de sua prestação bem como as principais autoridades com quem haja atuado em cada um dos períodos de prática profissional, discriminados em ordem cronológica;
(…)” (grifamos)

O mero indiciamento em inquérito policial não infirma a presunção de inocência, logo, não pode ser tratado como fundamento razoável para excluir alguém de concurso público. Quanto ao processo criminal, somente a condenação transitada em julgado afasta a presunção de inocência; logo, a exigência de dar notícia específica da ocorrência somente pode ser exigida em caso de condenação ou de tramitação presente do processo. Se absolvido tiver sido o candidato, não pode ser tratado como se criminoso, suspeito ou maculado fosse.

Quanto à exigência da alínea i acima reproduzida, pergunta-se: Qual a sua razão de ser, senão tentar saber qual a impressão (subjetiva) causada pelo candidato em autoridades, ou quiçá, o relacionamento que com elas construiu.

Outra pergunta: Por que há concursos em que se impõe ao candidato o dever de apresentar uma lista de autoridades que possa fornecer à banca examinadora “informações sigilosas” sobre a sua pessoa? Informações essas que nunca são apresentadas ao candidato, numa aberrante e estarrecedora violação de seu fundamental direito à intimidade, vida privada, honra, imagem e informação sobre si mesmo (Constituição da República, art. 5º, X e LXXII). Anote-se que nem mesmo o indiciado em inquérito policial sofre tamanha supressão de direitos.

Se o candidato não oferece o nome de nenhum “padrinho” ou “madrinha”, o que acontece com ele? É um plebeu sem eira nem beira, que não foi devidamente apresentado à Corte por nenhum membro da nobreza, pois com esta não mantém relações? Fica impossibilitado de aspirar ao Primeiro Estado?

A Constituição da República determina que a investidura em qualquer cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (artigo 37, inciso II). E, quanto ao ingresso na Magistratura (artigo 93, I) e no Ministério Público (artigo 129, parágrafo 3º), a Constituição faz a mesma exigência, agregada a apenas duas outras: Participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases do concurso e exigência, do bacharel em direito, de, no mínimo, três anos de atividade jurídica.

Informações prestadas sobre o candidato, por autoridades ou professores universitários (“indicações”) não são provas e nem títulos. Ao grafar a palavra “provas”, o texto constitucional refere-se a exame de conhecimentos. As “indicações” não provam conhecimentos, mas conhecidos: relações interpessoais. Como justificá-las à luz do princípio da impessoalidade (artigo 37, caput), aplicável a toda a administração pública, em todos os concursos públicos, nos Três Poderes? E como fundamentá-las diante do teste da isonomia, irmã siamesa do princípio republicano?

É suficiente a certeza de que as indicações não são provas, nem títulos, para expurgá-las dos certames que as adotam. Porém, como se não bastasse, ofendem o princípio republicano, que veda privilégios de nascimento, classe e de relações.

Quando foi mesmo que eclodiu a Revolução Francesa? Não faz mais de 200 anos que o Antigo Regime foi derrubado no Velho Mundo, tendo o ideário iluminista alcançado o resto do Ocidente? Isso não aconteceu em 1.789? E quanto ao nosso Brasil? A República, ao que parece, foi aqui proclamada em 1.889…

Que alguém explique e faça entender como, num Estado Democrático de Direito, cuja Constituição enuncia, como princípios da administração pública, a legalidade, a impessoalidade, a eficiência, a publicidade, a moralidade, mantenha uma forma tão monarco-oligárquica de recrutamento de agentes públicos. Pois o exame oral e as “indicações” perpetuam a aversão à democracia, à impessoalidade, à igualdade e sim, ousemos dizer, à moralidade. E há fundamentos para o que se acaba de dizer, como a concreção dada, pelo Supremo Tribunal Federal, aos princípios constitucionais da Administração Pública, notadamente os da impessoalidade e da moralidade, no julgamento da ADC 12, que resultou no reconhecimento da proibição do nepotismo no ordenamento constitucional.[1]

Para que serve o princípio da publicidade da administração pública? Para que os atos administrativos possam ser objeto de controle. De nada adianta que o público possa assistir às provas orais; o público o faz, e não raro sai indignado com o que assistiu: Candidatos  “bons” ou “razoáveis”, estranhamente reprovados; candidatos “ruins”, que “ficaram mudos”, aprovados; uns candidatos são “massacrados”; outros, tratados com “deferência”. O público vê, mas fica impotente. O que fazer? Não há recurso previsto contra a prova oral. No mais das vezes, sequer são publicadas as notas obtidas nas provas orais. Qual publicidade? Certamente, não é a prevista e querida pela Constituição.

Não podemos ficar à mercê de pessoas que desprezam a razoabilidade, a ética elementar, para fazer valer suas preferências ou aversões muito pessoais, fazendo com que sobressaiam à legalidade, à impessoalidade e à moralidade administrativas. Para isso, tais pessoas contam com o sigilo das “indicações” e com a publicidade apenas formal das provas orais, que não ensejam a menor possibilidade de controle.

Conclusões
Quem tem medo do fim das provas orais, das entrevistas e das indicações? A quem interessa sua continuidade? Aos candidatos, não. Ao interesse público? Ora, aos administrados também não interessa tal perpetuidade, pois desejam um serviço público democrático, eficiente e transparente. Como se pode falar em interesse público numa prova oral, se o que nela prevalece é a subjetividade, em oposição à objetividade das questões e dos critérios de avaliação? Se a prova oral tem apresentado vícios que a tornam contrária aos princípios constitucionais da administração pública? Se de modo algum a prova oral tem preservado as carreiras que a adotam nos seus concursos de ingresso da presença de indivíduos que acabam na Imprensa, da pior maneira possível?

Se algumas instituições têm uma “caixa preta”, com certeza a prova oral e as “indicações” nela estão contidas. Mais do que caixa preta, a prova oral e as “indicações” são as catacumbas (ou seriam os cemitérios clandestinos mesmo?) das carreiras que as adotam. Pois tratam-se dos expedientes utilizados por tais carreiras para impedir o ingresso dos candidatos “indesejáveis”. E quem seriam esses? Certamente, os que não fazem parte da rede de boas relações dos membros das cúpulas das instituições. Enfim, os náufragos e exilados do exame oral, das entrevistas e “indicações” serão sempre os plebeus sem eira nem beira, que não fazem parte da nobreza nem com ela mantêm relações, ou aqueles espíritos críticos que se recusam a atender a outro interesse que não o interesse público: Em última análise, os desaparecidos do exame oral serão sempre os subversivos que lutam por essas desgraças que são a República e o pluralismo, os baderneiros obcecados por essa utopia incômoda que é o Estado Democrático de Direito, os plebeus indesejáveis, todos os candidatos que representem esses perigos terríveis que são a mudança, a evolução, a efetivação do direito de igualdade e o respeito à Constituição.


[1] A Ação Direta de Constitucionalidade nº 12 foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, para o fim de ver declarada a constitucionalidade da Resolução 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça, que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes de magistrados, no âmbito do Poder Judiciário, arrolando as práticas que constituem nepotismo.

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