Justiça Tributária

Não precisamos de dúzias de ministérios do país

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

26 de novembro de 2012, 8h34

Spacca
Caricatura: Raul Haidar - Colunista [Spacca]A perda mais escandalosa é a que sofremos devido à nossa negligência”.(Sêneca)

São muitos os abusos praticados pelas autoridades fazendárias neste país, de tal forma que a justiça tributária ainda é um sonho que parece bem distante. Nas matérias já publicadas no ConJur por nós e por inúmeros outros colaboradores diferentes atos ilegais praticados por agentes fiscais foram examinados.

Em muitos casos aqui noticiados o contribuinte foi prejudicado apenas porque um servidor público ignorou a Constituição ou deixou de interpretar a norma legal com observância da legislação em vigor.

Exemplo recente de um desses abusos é a notícia publicada aqui em 3/11/2012, (Clique aqui para ler) onde vem transcrita liminar concedida para cancelar um arrolamento de bens em caso de contribuinte que sofreu auto de infração de menos de um milhão de reais, face ao aumento do valor mínimo para 2 milhões. A autoridade se recusava a cumprir a lei que aumentou o valor de base, interpretando o CTN de forma errada. A justiça foi acionada apenas para obrigar o fisco a fazer sua obrigação: cumprir a lei. Para isso o contribuinte contratou advogado, arcando com o prejuízo, pois não há condenação em honorários no caso de mandado de segurança. A vítima do abuso é que paga para corrigi-lo!

O cometimento de erros elementares por parte de agentes fiscais tem se tornado comum. Cobra-se imposto pela alíquota errada; exigem-se documentos ou formulários não criados por lei; intima-se o contribuinte para prestar “depoimento” a que não está obrigado como se o fisco fosse polícia; impede-se o inadimplente de emitir nota eletrônica, em desacordo com várias súmulas do STF; enfim, ignoram-se os direitos do contribuinte assegurados pelo CTN e por diversas outras normas, especialmente a constituição federal.

Diante disso, fica o contribuinte com uma enorme dúvida: ou os servidores públicos são totalmente ignorantes, a ponto de nunca terem lido sequer os primeiros cinco artigos da constituição, ou então estão deliberadamente ignorando a lei apenas para lavrar autos de infração de valores elevados, talvez para preencher “meta” de autuação fixada por um alguma tresloucada autoridade superior, interessada em produzir números volumosos para suas magníficas estatísticas, destinadas a impressionar pessoas que acreditam em bruxarias.

Não há, pelo menos a curto prazo, qualquer possibilidade de termos um novo sistema tributário, com alíquotas compatíveis com nossa realidade econômica e burocracia em nível mínimo, que não sirva para atrapalhar nossa vida e viabilizar multas absurdas que servem apenas para incentivar corrupção.

A União, que hoje arrecada mais de 60% de todos os tributos recolhidos no país, já demonstrou que não tem interesse real nessa reforma. Prefere incentivos temporários para atender interesses localizados de determinados segmentos (bancos, automóveis, etc.), faz uma concessão aqui, outra acolá e a isso denomina de reforma “fatiada”, como se fosse uma peça de picanha.

Recentemente, falaram autoridades federais em promover grandes investimentos em educação. Bravo! Viva! É isso aí! Consta que se pretende destinar todos os resultados obtidos com o petróleo da bacia do pré-sal para financiar esse programa. Mas isso ainda vai ter que passar pelo congresso e enfrentar as pressões dos governadores. Ademais, ainda vai demorar um pouco.

Um ambicioso programa educacional vai esbarrar em contas que ainda não foram pagas, como as da Copa e das Olimpíadas. Haja dinheiro! Nem vai dar para atender ao pedido do rei da Espanha…

O Brasil não apenas pretende investir, mas precisa fazê-lo com muita urgência. A Receita Federal anunciou recentemente que a arrecadação vem caindo e que o crescimento do PIB neste ano ficará abaixo da previsão. Também informa o fisco que já houve neste ano uma renuncia fiscal de mais de 10 bilhões. Portanto, não há dinheiro para tudo, com o que já se cortam despesas no PAC.

Qualquer dona de casa sabe como a coisa funciona: se o dinheiro da família não dá para as despesas, ou aumenta-se a receita ou reduzem-se as despesas. Simples assim.

Aumentar as receitas do governo não parece viável. Fazer novas dívidas está fora de cogitação, pois ninguém empresta a ninguém, a não ser a juros estratosféricos. Não podemos correr o risco de virar uma grande Argentina. Aumentar impostos seria um suicídio coletivo, pois estamos todos com a corda no pescoço, com uma das maiores cargas tributárias do planeta, sem termos os serviços existentes nos 3 ou 4 países que cobram mais que este.

Então, só tem uma saída: reduzir despesas. Não podemos mais suportar uma estrutura administrativa arcaica, megalômana e egoísta, onde servidores públicos muitas vezes são nomeados por critérios políticos, sem concurso, apenas para satisfazer interesses mesquinhos de politiqueiros medíocres. Aliás, já está na hora de reduzir cargos até mesmo dos concursados, pois no mundo todo a máquina estatal está sendo enxugada.

Sob o ponto de vista prático, parece-nos chegada a hora de adequar o funcionalismo à nossa realidade. Reduzir os órgãos cujas funções sejam coincidentes com as de outros também é necessário. Não precisamos de dúzias de ministérios. Nos estados, há muitas secretarias que não servem para nada. Nas prefeituras também. Há um município neste estado, por exemplo, que tem um secretário de assuntos internacionais! Há por aí secretários estaduais e municipais que não servem para nada e nada fazem. Servidor que não tem o que fazer não serve para nada!

Não podemos negligenciar em nossas exigências de natureza cívica e democrática. Somos cidadãos, não escravos. Muitos governantes pensam que somos idiotas. Mas eles estão enganados. Não vamos nos omitir. Já perdemos muito, não podemos perder mais. Quando vier a multa injusta, vamos contestá-la. Quando o fiscal for arbitrário, vamos reagir na forma da lei. Vamos nos defender sempre. E também atacar quando for preciso. Como disse Sêneca: “A perda mais escandalosa é a que sofremos devido à nossa negligência”. 

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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