Pensamento jurídico

Wald é homenageado por contribuição para o Direito

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17 de novembro de 2012, 7h53

O professor Arnoldo Wald foi homenageado durante o Fórum do Direito do Desenvolvimento Sustentável, promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) no último dia 9 de novembro. O evento reuniu um seleto grupo de juristas brasileiros, como o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, os ministros aposentados do Supremo, Sydney Sanches e Ellen Gracie, e os ministros do Superior Tribunal de Justiça, Ricardo Villas Bôas Cuevas e Eliana Calmon.

Ao parabenizar o professor Arnoldo Wald por sua valiosa contribuição à história do Direito no Brasil, Gilmar Mendes mencionou as inúmeras vezes em que ele colaborou com o próprio Supremo, em especial nos trabalhos dos diversos instrumentos da sistemática recursal vigente hoje na corte.

Também ressaltou o missionário trabalho que há anos ambos cumprem, como autores-atualizadores da obra “Mandado de Segurança e Ações Constitucionais”, de Hely Lopes Meirelles. Este livro, originalmente lançado em 1967, já está na 34ª edição e vem sendo atualizado pelos professores Wald e Gilmar Mendes desde a 14ª edição.

O presidente da OAB de São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso, considerou obrigatória a homenagem a Wald por toda a contribuição do jurista para a história jurídica. “Sem dúvida, esta homenagem ao professor Arnoldo Wald é justa, merecida e, na verdade, obrigatória, porque toda a classe jurídica deste país tem que reverenciar aqueles que deram tanto pra construir a história jurídica do Brasil. Esta história gloriosa tem que ser cultuada. E é o que estamos fazendo aqui. Até para que as futuras gerações possam ter o querido professor Arnoldo Wald como exemplo, como um ícone que ele realmente é”.

A presidente do Iasp, Ivette Senise Ferreira, destacou o trabalho de Wald na Europa e na América Latina e o definiu como um “homem do mundo”. “Em dois continentes, ele tem exercido sua atividade, sua competência, e demonstrado sua contribuição para o aperfeiçoamento do direito e da ordem jurídica”, afirmou.

Ao final de todas as homenagens, Arnoldo Wald agradeceu a todos. "Fiquei muito sensibilizado com esta manifestação. Na verdade, muito menos por ser uma homenagem que as instituições fizeram a mim, mas para toda uma geração de advogados que militaram profissionalmente e que também tiveram um certo papel no desenvolvimento cultural do Direito”, disse.

Sem esconder a alegria pela recompensa de seu trabalho, avaliou que o progresso do sistema jurídico do Brasil que observamos em algumas décadas deve-se graças e “em grande parte aos esforços dos tribunais e também pelas iniciativas de profissionais, seja colaborando no ensino, em projetos de leis ou pelo envolvimento em discussões da OAB, Iasp e outras entidades”.

Ainda sobre a homenagem, Wald comentou: “Minha satisfação maior foi a oportunidade de reunir amigos de longo tempo, do Rio, de Brasília e de São Paulo, com os quais comecei a minha vida, reconhecendo que o esforço de todos nós não foi inútil e serviu aos interesses do país e ao desenvolvimento do Direito”. Ele ressaltou a sua visão de que o Direito deixou de ser uma matéria estática, tornando-se cada vez mais dinâmico e necessitando de reciclagens. Segundo ele, a nova geração de advogados e juristas está enfrentando tal desafio com coragem.

Os 25 anos da Constituição
Convidado a participar como palestrante, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes falou da linha da sustentabilidade do Direito. Fez uma análise dos 25 anos da instituição da Constituição. Ressaltou que o modelo da Constituição Federal, tão bem defendido pelo jurista Raimundo Faoro, tem funcionado perfeitamente e tem sido constantemente elogiado por estudiosos do mundo inteiro. “Acolhemos no Supremo semanas atrás visitantes de uma escola americana, interessada em pesquisar profundamente nosso modelo de carta constituinte”, revelou o ministro.

“Fico preocupado e condeno a imprensa por criticar a atuação de hoje dos tribunais e o que chamam, de forma muito pejorativa, do processo de ‘judicialização’ do sistema judiciário. Precisamos combater isso sendo realistas quando mostramos em números a evolução de nosso Judiciário. Hoje temos, por exemplo, Juizados Especiais espalhados no país e funcionando muito bem, com um volume surpreendente de processos”, afirmou. “A atitude dos juízes brasileiros passou a ser pró-ativa, seguindo a tendência de democratização e socialização do sistema e as pessoas hoje buscam mais e a cada dia mais o seu direito. Não é por acaso que temos na Justiça brasileira mais de 90 milhões de processos”.

Leia abaixo o discurso de Arnoldo Wald:

"É com grande emoção que recebo a homenagem tão amável e generosa do Iasp, da OAB, da RT, do Ciee, da Aasp, do IAB, do Cesa e da Escola Paulista de Direito e do Consultor Jurídico, com a colaboração de outros órgãos relevantes para nossa profissão e de vários escritórios.

Quero agradecer não só às entidades que organizaram o evento, como também e especialmente, a presença e as palavras carinhosas dos oradores, que representam todo o nosso meio jurídico e aqui liderados pelo ministro Gilmar Mendes e pela ministra Eliana Calmon, ambos simbolizando um novo poder judiciário brasileiro. Também sou muito grato aos eminentes colegas, que integraram as diversas mesas redondas, como presidentes, mediadores e debatedores, ou participaram da organização do evento, e especialmente, à Professora Ivete Senise Ferreira, Professores José Horácio e Jairo Saddi e ao doutor Oswaldo Chade.

Se há um momento na vida em que cabe reorganizar o passado, sem prejuízo de enfrentar o presente e projetar o futuro, não posso deixar de lembrar que o Instituto e a Ordem constituíram duas vertentes importantes de minha vida profissional.

Permita-me, senhora Presidente e cara Amiga, de invocar o parentesco entre o IAB e o Iasp, para somar meu tempo em ambas as instituições e rever, numa visão caleidoscópica, o jovem advogado recém-formado que se tornou sócio do Instituto dos Advogados Brasileiros, há 57 anos, numa sessão memorável presidida por João de Oliveira Filho, ilustre advogado paulista, que a política e a profissão levaram para o Rio, então capital da República. Três décadas depois, ao implantar o meu escritório em São Paulo, tornei-me sócio do Iasp. Nas duas instituições, participei de numerosos trabalhos, integrando-me na vida de ambos.

Com a presença nesta sala das várias instituições que representam nossa classe do ponto de vista profissional e cultural, quero aproveitar a oportunidade para agradecer todo o apoio e a recepção calorosa, que tive dos colegas e do Poder Judiciário, ao reiniciar uma nova fase da minha vida em São Paulo.

Devo salientar que me comove, sobremaneira, a presença, na mesa e na sala, de autoridades e de amigos de longa data, que conheci alguns como jovens advogados ou magistrados em início de carreira e hoje integram os tribunais superiores, outros, alunos de ontem, que se tornaram mestres, e colegas, cujo crescimento pude acompanhar por várias décadas.

Tive a honra e o prazer de trabalhar com alguns dos presentes, de lutar ao seu lado, e funcionei nos tribunais aqui tão bem representados. Convivi e aprendi as lições da vida com todos. Por outro lado, também estão aqui a minha mulher, que compartilhou de todos os meus anos de trabalho, os meus quatro filhos e a maioria dos meus colegas de escritório. Quase diria que esta solenidade é uma festa de cultura, uma festa do Iasp.

Gostaria de considerar esta homenagem como não sendo individual em relação a um advogado, como tantos outros, mas institucional, considerando a importância de uma geração de profissionais que enfrentou a maior evolução e até revolução do direito da nossa história e que soube responder aos desafios, na advocacia, na magistratura, nas Faculdades.

Geração que passou a viver numa era da incerteza e da descontinuidade, de aceleração contínua e de inovações tecnológicas.

Geração que viveu num mundo que mudou, e num Brasil diferente daquele que conheceram, logo após o fim do Estado Novo. De uma geração que decidiu construir o Estado de Direito, consolidar as instituições e criar e utilizar com eficiência, os instrumentos da sociedade industrial, dando ao nosso país um novo papel na história mundial.

Em menos de meio século, reestruturamos, na sua forma e no seu espírito, o Poder Judiciário e a Advocacia, renovamos nossa legislação, atualizamos todos os nossos conhecimentos.

Tivemos que conciliar a eficiência, que o século XXI exige, com a ética, sem a qual não há advocacia. Tivemos que modernizar a profissão sem permitir que seja mercantilizada. Trilhamos novos caminhos para que a justiça atendesse as necessidades atuais do país. Talvez tenhamos conseguido implantar a “Justiça de olhos abertos”, que Rafael pintou nas Stanzas do Vaticano.

Durante muito tempo, o direito foi conservador e misoneísta, mas teve que inovar para não cair no que Alvin Toffler chamou a “armadilha da obsolescência”, referindo-se às verdades do passado que não mais se coadunam com a realidade atual.

Tudo isso devia ser feito, mantendo-se a segurança jurídica, já agora transformada em princípio constitucional, e garantindo-se soluções eficazes e economicamente viáveis, admitindo-se até o chamado “direito do possível”, desde que mantidos os postulados éticos.

Tentei, desde o início de minha carreira, conciliar a vida profissional e cultural, a militância do advogado e a luta do jurista, o estudo teórico e o ensino prático. Pretendi exercer, simultaneamente, a função econômica e a função social do advogado, o atendimento da iniciativa privada e a defesa dos interesses públicos, numa simbiose que nem sempre é fácil, mas, muitas vezes, é necessária e até indispensável.

Quando estudante, aprendi que o advogado devia estar no “front do direito”, nas lutas básicas do momento, em vez de se dedicar a “manipulações técnicas processadas na retaguarda”. Ou seja, devemos dar soluções práticas e eficientes, mesmo que novas e jamais usadas no passado, sem perder de vista a justiça e a equidade.

Esta luta tem sido continuada e desenvolvida atualmente pelas novas gerações, às quais passamos o bastão de comando, sem prejuízo de continuar partilhando, com elas, a nossa experiência e, algumas vezes, nossa ousadia e nossos sonhos.

As várias entidades aqui representadas têm, especialmente nos últimos anos, cada uma no seu setor de atividade, comprovado a importância que o direito pode e deve ter como instrumento e ingrediente do desenvolvimento sustentável. É um novo papel do direito e é uma nova missão para o jurista, magistrado e advogado.

Algumas revoluções pacíficas são necessárias e elas têm sido feitas recentemente pelos tribunais. O Iasp tem feito a sua revolução construtiva ampliando progressivamente o seu campo de atividade. São exemplos que devemos seguir.

Um jurista adotou um lema revolucionário ao afirmar: “Sejamos realistas: peçamos o impossível”.

O impossível está acontecendo, em diversos setores da vida nacional. E, para mim, a presente festa representa algo que jamais tive nem a ousadia, nem a imaginação de conceber.

Caros amigos, muito obrigado."

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