Jeitinho brasileiro

O discurso que tem valor sobre violência é o populista

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  • Luiz Flávio Gomes

    é doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri. Mestre em Direito Penal pela USP. Jurista e cientista criminal. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi promotor de Justiça juiz de Direito e advogado.

13 de novembro de 2012, 7h00

O recrudescimento da violência em São Paulo — média de 10 assassinatos por dia nas duas últimas semanas — está fazendo com que se retirem do baú uma multiplicidade impressionante de ideias. Estaríamos diante de um movimento terrorista? Não creio, porque ninguém está querendo derrubar o governo eleito democraticamente. De outro lado, não temos o conceito jurídico de terrorismo no Brasil. Seria o caso de se aplicar a provecta Lei de Segurança Nacional? Penso que não, porque ela se destina aos crimes políticos. Não consta estar havendo qualquer pretensão política em toda a estapafúrdia e grotesca violência paulista e paulistana. Seria o caso de se admitir a invasão do Exército? A violência é grande, mas não se trata de uma guerra, no sentido estrito da palavra. Logo, sua presença tenderia a migrar o crime ou até agravar a situação — com mais mortes.

É certo que aumentaram sensivelmente as mortes em São Paulo, nas últimas semanas, mas isso já vem ocorrendo há anos em todo Brasil. A cobertura espetacularizada midiática, que incrementa o pânico e o medo, deixa os ânimos mais exaltados, a população mais apreensiva, mas é preciso contextualizar o momento que estamos vivendo.

Não é de hoje que vivemos um massacre generalizado e a mídia nunca se escandalizou com isso sistematicamente. A cada nove minutos uma pessoa é assassinada no Brasil, o equivalente a seis mortes por hora, 147 vidas por dia e 4.485 homicídios por mês — veja nosso delitômetro. Não concordamos com nenhuma morte ilegal. Não apoiamos a violência. Ao contrário, sempre nos posicionamos criticamente em relação a ela. Mas convenhamos: se as dez mortes diárias em São Paulo estão merecendo toda a escandalização que estamos vendo, por que não dramatizar efusivamente dos outros 137 óbitos diários no país?

Nunca houve uma escandalização generalizada da mídia em relação aos números globais citados, que é fruto dos cálculos feitos pelo Instituto Avante Brasil (IAB) com o intuito de projetar quantas vidas são dizimadas diariamente no país.

Em 2010, último ano disponibilizado pelo DATASUS, 52.260 pessoas foram assassinadas no nosso território, um montante tão exorbitante que coloca o Brasil na condição de país mais violento do mundo — em números absolutos — e o 20º, considerando a taxa de 27,3 homicídios para cada 100 mil habitantes. Quando a mídia brasileira deu atenção sistemática para isso? Verifiquem se a população tem consciência disso? E se não tem é porque a mídia não passou isso para ela.

O Brasil — com uma taxa de 50 mil assassinatos por ano — mata mais do que qualquer outro país do mundo. Seu número descomunal de homicídios ultrapassa até mesmo a soma de todas as mortes dos dez países mais ricos do ranking mundial (PIB).

Pior: os dados históricos demonstram que o Brasil de 2010 (últimos números do Datasus) é, sim, muito mais truculento e violento que o de 1980. Em 1980, o número de homicídios era de 13.910, com uma taxa de 11,7 mortes para cada 100 mil habitantes, saltando, em 2010, para 52.260 e para uma taxa de 27,3 homicídios por 100 mil habitantes. Ou seja, tanto no que diz respeito aos números absolutos, como nas taxas por 100 mil habitantes, houve um crescimento expressivo na violência do país, qual seja, aumento de 276% no número absoluto e 133% na taxa de assassinatos por 100 mil habitantes. Quando que a mídia brasileira chamou atenção para tudo isso — de forma consistente?

Esses dramáticos resultados não poderiam ser diferentes. Ao contrário do verificado nos demais países que possuem destaque no PIB mundial, não houve no Brasil nenhuma política grandiosa, de destaque nacional, com enfoque nos assassinatos. Não estamos escutando as palavras dos mortos (diria Zaffaroni). Vivenciamos, sim, políticas públicas pontuais, imediatistas, de pouco impacto e durabilidade. E ainda continuamos acreditando apenas na prevenção dissuasória do castigo, que é muito controvertida e pouco eficaz.

O discurso que tem valor é o populista — mais leis, mais crimes, mais prisões, mais endurecimento penal; é o discurso que “pega”, sobretudo em períodos eleitorais. Esse sempre foi o jeitinho brasileiro encontrado para fazer frente à violência, que só agrava (ano a ano). Caberia ao Brasil desenvolver um verdadeiro plano de impacto nacional de prevenção dos homicídios? Esse seria o caminho correto. Mas é custoso, demora e não vale a pena eleitoralmente. Por tudo isso é que o massacre nacional, muito provavelmente, vai continuar, sem o devido destaque na grande mídia (o que significa deixar o povo na ignorância).

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