Desafio ao intérprete

Uso do MS requer conhecimento das funções do Estado

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12 de novembro de 2012, 13h08

As ilegalidades e abusos vindos de atos do Poder Público são o objeto do Mandado de Segurança. Se assim é, o seu manejo eficaz passa pela compreensão de quais são estes atos e, de acordo com a Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), em que casos cabe a impetração ampla (contra qualquer ato) e a impetração restrita (só contra alguns atos). O ato de autoridade é um pressuposto de conhecimento do Mandado de Segurança e, a depender de qual a autoridade, poderá o impetrante saber se sua impetração é cabível e se é ampla ou restrita. Este é o exercício de interpretação e a classificação que proponho no meu Mandado de Segurança — Teoria e Prática[1].

Agente público é a expressão de gênero, da qual é espécie o servidor público, que é uma categoria de autoridade. A Lei do Mandado de Segurança traz ainda as expressões administradores de entidades autárquicas e dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, expressões todas compreendidas na definição autoridade pública. E esta é a mais precisa nomenclatura para se qualificar o praticante ou ordenador do ato que é objeto da impetração do Mandado de Segurança: autoridade pública.

As pessoas que estão no exercício de atribuições do Poder Público são autoridades públicas e podem sofrer impetração ao cometerem ilegalidades ou abuso nas suas funções. Além destas, há uma real autoridade equiparada por força de lei que envolve os representantes e os órgãos de partidos políticos. A lei faz uma qualificação especial destas figuras por equiparação e não por natureza, uma vez que os partidos políticos são organizações civis, de criação privada.

Podem então ser assim classificadas as autoridades públicas do Mandado de Segurança: (i) autoridade, que se divide em (i.i) servidores públicos e (i.ii) outros agentes públicos no exercício de atribuições do Poder Público, que poderão ser (i.ii.i) administradores de entidades autárquicas, (i.ii.ii) dirigentes de pessoas jurídicas e (i.ii.iii) pessoas naturais; e(ii) autoridade equiparada, assim entendidos os órgãos e representantes dos partidos políticos.

Desta classificação decorre outra grande divisão entre os atos do Poder Público, também muito útil para a definição do objeto do mandado de segurança. O exercício das atribuições do Poder Público pode ser então direto (por atos praticados pelos servidores públicos) ou indireto (por atos praticados por agentes em exercício específico). Aí se alocam as autarquias e as fundações públicas, que atuam por extensão do Poder Público, as empresas públicas, privadas e de economia mista, que atuam por concessão, permissão e autorização do Estado ou que exercem atribuições de exercício livre, como é o caso dos hospitais e das universidades que estão sujeitos a licenciamento e controle, mas que têm a liberdade de organizar suas atividades por previsão constitucional.

Todos os atos dos servidores públicos, enquanto tais, serão passíveis de impetração. Já as autoridades caracterizadas como “outros agentes públicos no exercício das funções do Poder Público”, por definição legal, só produzirão atos sujeitos ao Mandado de Segurança se estes atos configurarem atribuições do Poder Público. Estão excluídos da impetração, para estas autoridades, portanto, os atos chamados de gestão comercial, expressão que, na sua acepção moderna, significa o conceito amplo de atividade empresarial.

Surgem então estes dois tipos de impetração: a impetração ampla (contra quaisquer atos da autoridade) e a impetração restrita (contra atos da autoridade, no exercício das atribuições do Poder Público). A classificação a que se pode chegar, com base neste critério de abrangência da impetração é, portanto:

Atos de autoridade no exercício direto das atribuições do Poder Público: impetração ampla para quaisquer atos ilegais ou abusivos;

Atos de autoridade de pessoa jurídica de direito público no exercício indireto das atribuições do Poder Público por extensão: impetração ampla para quaisquer atos ilegais ou abusivos;

Atos de autoridade de pessoa jurídica de direito privado no exercício indireto das atribuições do Poder Público por extensão: impetração restrita aos atos ilegais ou abusivos praticados no contexto de exercício das atribuições do Poder Público;

Atos de autoridade de pessoa física ou jurídica de direito privado no exercício indireto das atribuições do Poder Público por delegação, concessão, permissão ou exercício livre: impetração restrita aos atos ilegais ou abusivos praticados no contexto de exercício das atribuições do Poder Público.

Atos de dirigentes e órgãos de partidos políticos: impetração restrita por equiparação da lei.

Definidas as impetrações amplas e restritas, compreendida a classificação de autoridades públicas admitidas pela lei para o atendimento deste pressuposto do Mandado de Segurança (ato de autoridade), caberá outro desafio ao intérprete: identificar quais são as atribuições do Poder Público.

A doutrina tem ensaiado, ainda timidamente, uma sistematização destas atribuições, mas fato é que dificilmente se encontra nos livros ou nos julgados sobre o tema uma identificação objetiva e exaustiva que possa dar uma indicação real ao intérprete sobre quais são as atribuições do Estado (Poder Público).

Uma explicação possível para esta dificuldade de encontrar objetivamente as atribuições do Poder Público é de que elas estão espalhadas pelo texto da Constituição Federal que não é, por essência e por forma, um texto técnico ou tecnicamente sistematizado. As atribuições do Poder Público, de fundamento imperioso para a identificação da autoridade pública de exercício indireto, são decorrência imediata da constituição do Estado brasileiro.

É preciso assim, passar pelo texto da Constituição Federal, artigo por artigo, com a leitura criteriosa do que faz a lei maior para atribuir ao Poder Público determinado objetivo, tarefa específica, funções, fundamentos, deveres, direitos e todas as atribuições que o caracterizam.

É este percurso pelo texto constitucional que faço na obra referida (Mandado de Segurança — Teoria e Prática, item 4.1.2.2.1, pg. 159). O fundamento das atribuições do Poder Público é a Constituição Federal. A legislação inferior traz inúmeras atribuições, as especifica, lhes dá os contornos e os termos de seu exercício, direto e indireto, pelo Estado. Mas não inova na estrutura fundamental do poder estatal. Não atribui o que não é autorizado pela Constituição Federal. Não pode contrariá-la e deve obedecer e dar regulamentação aos seus fundamentos e preceitos. O estudo destes fundamentos constitucionais é a base para toda a compreensão sobre as atribuições do Poder Público e, portanto, para a impetração correta do Mandado de Segurança.


[1] Mandado de Segurança – Teoria e Prática, Ed. Saraiva, São Paulo, v. item 4.1.2, pg. 137 e segs.

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