Segunda Leitura

Há dificuldades na aplicação do Código Florestal

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

11 de novembro de 2012, 7h00

Spacca
A Lei 4.771, de 1965, mais conhecida como Código Florestal, dispôs por décadas sobre as florestas e demais formas de vegetação. Proprietários rurais, descontentes com seus dispositivos, que passaram a ter maior efetividade a partir de decisões judiciais, procuraram alterá-lo.

No dia 19 de outubro de 1989, o deputado Sérgio Carvalho (PSDB-RO) apresentou o Projeto de Lei 1.876, propondo uma nova Lei Florestal. Somente 13 anos mais tarde, após intensas discussões, emendas, vetos, Medidas Provisórias, acabou o PL sendo aprovado, convertendo-se na Lei 12.651/2012.

Para que possa ser entendido o novo Código Florestal, é preciso lembrar que a Lei 9.605/98, que trata dos crimes e infrações administrativas ambientais, foi regulamentada pelo Decreto 6.514, de 22 de julho de 1998. Neste decreto, impôs-se no artigo 55 que os proprietários de área de Reserva Legal (RL), destinada à proteção da fauna e da biodiversidade e que variava conforme a região do país (20% no sul/sudeste), estavam obrigados a averbá-la no Registro de Imóveis, sob pena de multa. Brasil afora, a maioria dos proprietários não respeitavam a área de RL, utilizavam-na para a agricultura ou outras atividades. Não se conformavam com a imposição e por isso conseguiram adiar a aplicação de multas.

Além disto, muitas propriedades com Áreas de Preservação Permanente (APPs), que são as situadas em locais mais sensíveis (p. ex., nas encostas das montanhas), também tinham situações consolidadas pela intervenção do homem. Por exemplo, plantações de milho, café ou banana em encostas de morros.

O que se procurou com a nova lei florestal foi regularizar a situação desses proprietários ou possuidores. Porém, forte oposição afirmava, ao meu ver com razão, que isto seria premiar os infratores em prejuízo daqueles que cumpriram a lei. Mas, a lei foi aprovada. Registre-se que ela é para imóveis rurais, não há previsão para urbanos.

O texto legal peca pela falta de clareza. Chega a ter até expressão em latim (art. 62, cota máxima maximorum), afrontando o princípio de que as leis devem ser claras e acessíveis a todos. Vejamos alguns aspectos de maior relevância.

No artigo 3º dá-se definição para diversos termos técnicos de interesse. Por exemplo, o inciso IV define área rural consolidada como “a área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio.”

Assim, ocupação antrópica é a que foi feita com a intervenção do homem. A menção a 22 de julho de 2008 é motivada pelo fato de que, naquela data, entrou em vigor o Decreto 6.514, criando diversas obrigações aos proprietários rurais, inclusive a averbação das áreas de reserva legal. Atividades agrossilvipastoris significa usar a mesma área para a pecuária, agricultura e silvicultura, de forma alternada. Regime de pousio quer dizer utilizar parte da área para a agricultura, deixando outra parte sem uso por determinado tempo, para que o solo se recupere.

As APPs, previstas no artigo 4º, continuam a ser quase as mesmas previstas no Código Florestal de 1965. E aqui surge a primeira questão a ser esclarecida. A nova lei florestal só dá tratamento diferente para as áreas consolidadas, ou seja, as que já eram utilizadas pelo homem antes de 22 de julho de 2008. Por exemplo, um imóvel construído à beira de um rio (rancho) antes de 22 de julho de 2008 poderá ser regularizado perante o órgão ambiental. Após aquela data a construção poderá ser embargada, imposta multa e outras sanções.

Para poder controlar todas as propriedades e posses na área rural, o novo Código tem um projeto ambicioso, ou seja, criar um Cadastro Ambiental Rural (CRA). Elas deverão ser identificadas em um registro público eletrônico de âmbito nacional, que é obrigatório para todos os imóveis rurais. Pretende-se que as informações ambientais sejam integradas, criando-se uma base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento. O dono ou possuidor terá o prazo de 1 ano para cadastrar-se.

Não é pouca coisa, considerando que um enorme contingente de proprietários e possuidores são pessoas simples e vivem em regiões distantes, muitas vezes sem contato com a internet (p. ex., no interior do Amazonas).

É no artigo 59 do novo Código que está o caminho para aqueles que descumpriram a lei antes de 22 de julho de 2008. Eles poderão regularizar as áreas consolidadas dentro de APPs através dos Planos de Recuperação Ambiental (PRAs). O primeiro passo será inscrever o imóvel no CRA e depois apresentar ao órgão ambiental estadual um Plano de Recuperação de Área. Cumpridas todas as formalidades, será assinado um Termo de Compromisso e, a partir daí, o antigo infrator iniciará a recuperação prometida e terá suspensos eventuais processos administrativos. As multas impostas poderão ser convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente.

Mas as consequências não ficam na esfera administrativa. Há centenas de ações penais Brasil afora, por conta de desmatamentos em APPs. O artigo 60 permite que, se aprovado um plano de recuperação junto ao órgão ambiental, também as infrações penais previstas na Lei 9.605/98, artigos 38, 39 e 48, sejam suspensas até que termine o prazo de cumprimento das obrigações. Se o infrator cumpri-las a ação penal será extinta. Se não cumprir, ela terá andamento e não incidirá a prescrição no prazo em que ficou suspensa.

Aspecto importante é que a recuperação das áreas de APPs degradadas deverá ser realizada conforme a área do imóvel. O cálculo será feito com base no módulo fiscal. Cada município é autônomo para fixar o tamanho de seu módulo. Por exemplo, em Rio Branco (AC) ele tem 70 hectares, mas em Vassouras (RJ) ele tem 16.

Pois bem, a área de APP agora varia de acordo com o tamanho da propriedade rural e do módulo fiscal do município onde ela se encontre. É estranha esta forma de proteção ambiental, porque a mata ciliar de um rio poderá ter apenas 5 metros de proteção em uma propriedade que medir até 1 módulo fiscal e ter 15 metros na propriedade vizinha, se ela tiver de 2 a 4 módulos fiscais.

Imagine-se a dificuldade dos agentes dos órgãos e dos policiais ambientais na fiscalização das APPs consolidadas. Terão que analisar o tamanho da área, o módulo fiscal, concluir qual a metragem, para depois ver se está sendo cumprida. E na propriedade ao lado tudo poderá ser diferente, dependendo do tamanho da área.

A nova lei procura dar incentivos à preservação e recuperação do meio ambiente. Por exemplo, autoriza no artigo 41, inciso I, o pagamento por serviços ambientais e no inciso II, “f”, a isenção de impostos para os principais insumos. Estes são aspectos que deverão implementar-se em futuro próximo.

Nesta altura dos acontecimentos, as divergências radicais perdem o interesse. Como vivemos em um Estado democrático de Direito, resta cumprir da melhor forma a Lei 12.651/2012, sem prejuízo de que alguns de seus dispositivos possam ter discutida sua constitucionalidade perante o Poder Judiciário.

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