Facilidade para adotar

Como quase tudo, nem sempre uma adoção é programada

Autor

  • Ivone Zeger

    é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão e autora das obras "Família: Perguntas e Respostas" "Herança: Perguntas e Respostas" e "Direito LGBTI: Perguntas e Respostas".

8 de novembro de 2012, 7h00

Mergulhador profissional, aficionado por esportes radicais e apaixonado por viagens, Fernando viu sua vida mudar um tanto de rumo quando seus pais adoeceram. Ele tinha 40 anos, e decidiu que diminuiria o ritmo das viagens para cuidar deles. Filho único, voltou para a residência onde tinha nascido e crescido e passou a tomar conta da casa. Também tomou contato com as questões da empresa de médio porte do pai e aprendeu a administra-la.

Quando me procurou foi justamente para tratar de assuntos da empresa que herdaria, uma vez que tanto o pai quanto a mãe já não estavam em condições físicas e emocionais para tocar o negócio, tampouco para elaborar testamentos. Acompanhei, assim, a vida de Fernando, que se revezou por três anos entre os cuidados com os pais e a empresa. Após esses três anos, em um prazo de seis meses, ambos faleceram.

A partir daí, Fernando já havia assumido muitas responsabilidades na empresa e não pôde retomar sua vida anterior. Para não perder totalmente o “traquejo”, descobriu uma ONG de meninos e meninas interessados em esportes radicais. Assim, três vezes por semana, Fernando dava aulas no final da tarde. Entusiasmado, dizia que montaria sua própria escola quando aposentasse.

Passaram-se alguns meses e voltamos a nos falar. Ele me ligou e, emocionado, disse: “Preciso falar com você, vou adotar uma criança”. Mal pude crer. Não que Fernando não tivesse todas as características para ser um excelente pai, mas sempre o imaginei às voltas com a empresa e eu ainda tinha em mente que ele voltaria a correr mundo.

Mas aconteceu o inesperado. Conheceu Mariana, uma garotinha de 10 anos, que frequentava a ONG onde ele ministrava aulas. Diferentemente da maioria dos alunos de Fernando, Mariana não tinha um lar, mas morava em um abrigo para menores. Mariana conquistou Fernando.

Estivéssemos vivendo a uma década atrás e certamente Fernando teria dificuldades em adotar. Mas ao longo dos últimos anos, a legislação tem facilitado enormemente a adoção. Na atualidade, os abrigos para crianças são entendidos como lugares de exceção, e tudo tem sido feito para que as crianças encontrem um lar de verdade. A princípio se tenta a reintegração na família biológica, seja com os pais ou um deles, ou ainda, a adoção por parentes próximos. Na impossibilidade disso ocorrer, a adoção por alguém com quem se cria um laço de afinidade é também uma solução maravilhosa para as crianças, principalmente quando o processo tem início assim, de forma tão espontânea.

Além disso, a lei tem facilitado, desde 2009, a adoção por pessoas solteiras e até casais já divorciados podem adotar. Para uma pessoa solteira, a adoção é consentida quando esta for 16 anos mais velha que a criança ou jovem a ser adotado, e se propuser a passar por uma avaliação da justiça para comprovar a capacidade de educar e oferecer a assistência necessária. Também é preciso ter mais de 18 anos. Já para um casal divorciado adotar, será necessário a concordância dos dois e se deve estipular o regime de guarda e pensão alimentícia.

Eventualmente, pode-se adotar mais de uma criança ao mesmo tempo, o que é até bastante desejável no caso de irmãos que definitivamente não tenham possibilidades de conviver com os pais ou parentes. Com a adoção simultânea, eles podem crescer juntos.

Atualmente, a mãe que adota tem direito à licença maternidade de 120 dias, no caso da criança ter até um ano de idade. Se a criança tiver entre 1 e 4 anos, a licença é de 60 dias e, para crianças entre 4 e 8 anos, o período é de apenas 30 dias. Porém, tramita na Câmara Federal a proposta de ampliar o benefício de 120 dias de licença maternidade para mãe que adotar crianças até 12 anos. E – surpresa – também se entende que é necessário — e realmente é — os 120 dias para o pai solteiro.

Assim, a adoção de Mariana não foi um “bicho-de-sete-cabeças”, como o seria há uma década. Ela já é a filha do Fernando; seu primeiro presente foi uma pequena mesa de estudos, em um recinto acoplado à sala de trabalho do pai, na empresa, onde faz seus deveres escolares, à tarde, quando volta da escola. Eles já fizeram o primeiro mergulho juntos. A última notícia que eu tive foi que os dois estavam de malas prontas para conhecer o Pantanal e o rio Amazonas. “Nas férias do ano que vem, iremos para os Andes”, disse Fernando.

Autores

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    é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, integrante da Comissão de Direito de Família da OAB-SP e autora dos livros Herança: Perguntas e Respostas e Família: Perguntas e Respostas.

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