Assistência judiciária

Nos EUA, pro bono garante igualdade perante a lei

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4 de novembro de 2012, 14h50

Nos Estados Unidos, não há qualquer garantia constitucional de assistência judiciária gratuita ao cidadão em procedimentos civis. Apesar disso, recursos públicos são canalizados a organizações que provêem assistência judiciárias na área civil, através da Legal Services Corporation (LSC). Entretanto, o volume de recursos públicos e privados destinados à LSC está muito abaixo da necessidade da população de baixa renda. Por isso, a assistência judiciária gratuita no país depende em grande medida do serviço pro bono (do latim, pro bono publico ou para o bem do público) dos advogados e das firmas de advocacia – mais na área civil, mas também na criminal. 

Em outras palavras, a assistência judiciária pro bono se tornou um serviço público essencial para a garantia aos cidadãos do direito ao devido processo e do princípio de igualdade perante a lei. Tanto que juízes e ministros de Supremas Cortes estaduais entraram para valer nas campanhas da ABA (American Bar Association, a OAB americana) e de outras instituições para estimular advogados e firmas de advocacia a participar ativamente da assistência judiciária pro bono no país. Em algumas jurisdições, juízes estão determinando que a parte perdedora em uma ação judicial compense financeiramente o advogado que trabalhou pro bono para a parte ganhadora. 

Os magistrados participaram ativamente – e realmente fizeram um trabalho de peso – na última campanha da ABA, a "National Celebration of Pro Bono", de 21 a 27 de outubro de 2012, para promover a assistência judiciária pro bono no país. Por exemplo, ministros de Supremas Cortes estaduais e juízes gravaram mensagem em vídeos no YouTube, com chamadas no site da Probono.net, explicando a importância, para o acesso dos cidadãos de baixa renda à Justiça, do trabalho pro bono dos advogados. Com o mesmo fim, juízes de todo o país encaminharam centenas de cartas aos advogados, que foram apresentadas no evento e divulgadas no site da ProBono.net, uma organização que, com a ABA, se dedica exclusivamente a esse serviço.

Muitas das mensagens, como a do presidente da Suprema Corte da Pensilvânia, Ronald Castille, trazem um recado "subliminar" a quem consegue ler nas entrelinhas: os juízes sentem uma enorme simpatia por advogados que prestam serviços pro bono às pessoas que não podem contratar um profissional. O ministro conta com admiração, em seu vídeo, o caso de uma mulher que enviou uma carta ao tribunal, relatando que o serviço pro bono de um advogado (cujo nome não mencionou) "salvou a sua vida". O presidente da Suprema Corte do Alabama, Charles Malone, encorajou os advogados a fazerem o que mudou a sua vida quando era advogado: a assistência judiciária pro bono.

Dezenas de advogados e representantes de instituições jurídicas também fizeram vídeos, com chamadas no site da Probono.net, para promover o serviço pro bono no país. Também escreveram centenas de blogs e dezenas de artigos em sites, para chamar a atenção sobre a importância do serviço pro bono e do evento, que foi realizado em 48 estados (dos 50 estados dos EUA), no Distrito de Columbia, em Porto Rico e no Canadá (ver mapa dos eventos), com a colaboração das seccionais da ABA, de tribunais locais e de organizações como a Probono.net e a International Bar Association (IBA). Sessões foram realizadas todos os dias na semana do evento, com "um comparecimento sem precedentes de advogados", segundo a ABA.

A "National Celebration of Pro Bono" é realizada todos os anos, desde 2009. O evento é explicado como um "esforço substancial" para estimular a assistência judiciária pro bono não só entre os advogados autônomos e as firmas de advocacia, mas também entre os assistentes jurídicos governamentais e corporativos. 

Discussão sobre a obrigatoriedade 
"O serviço pro bono não é uma obrigação. É uma aspiração", diz a ABA. Pelo menos até agora. Mas existe um movimento, ainda controvertido, para tornar o serviço obrigatório a todos os advogados e firmas de advocacia. A seccional da ABA de Nova Jersey já anunciou que pode tornar o serviço obrigatório em breve. A seccional de Nova York anunciou que está se preparando para fazer a mesma coisa. Por enquanto, apenas a cidade de Orlando, na Flórida, adotou a obrigatoriedade de todos os advogados inscritos na seccional da cidade doarem 50 horas de seus serviços, por ano, à assistência judiciária. Se não tiverem tempo disponível, podem contribuir para um fundo de assistência judiciária do estado em dinheiro. 

A ABA recomenda expressamente, mas sem estabelecer obrigatoriedade, que todos os advogados doem 50 horas por ano à assistência judiciária pro bono. E que todo serviço prestado em assistência judiciária gratuita seja relatado à seccional do estado. Por enquanto, seis estados tornaram obrigatório o relato do tempo empregado em serviços pro bono, enquanto onze estados estabeleceram que esse relatório é voluntário. Sete estados permitem que o tempo empregado em serviços pro bono seja creditado como horário empregado em curso de educação continuada, que é obrigatório nos EUA para a renovação da licença do advogado em sua seccional. 

Tribunais superiores em diversos estados têm se envolvido na promoção do pro bono. Os tribunais vêm usando sua autoridade judicial para criar sistemas formais de assistência judiciária pro bono em todo o estado. Outra discussão no país, que envolve os magistrados e os advogados, é o possível estabelecimento de uma obrigatoriedade de bacharéis cumprirem 50 horas de serviço pro bono, antes de obterem a licença da ABA. Nos EUA, a "inscrição na ordem" é processada e solicitada pelas seccionais estaduais da ABA, mas é concedida pelas Supremas Cortes dos estados. 

Áreas de atuação
Na Justiça Civil, as áreas que os advogados mais atuam, na assistência judiciária pro bono, são as de família, aluguel (disputas entre inquilino e proprietário são frequentes), problemas relacionados a crédito e cartões de crédito, questões de consumidores e, mais frequente nos últimos tempos, falência e execução de hipoteca pelos bancos. 

Há também programas especiais, aos quais os advogados se dedicam com muita frequência. O "Testamento para Heróis" (Wills for Heroes) é um programa que coordena o trabalho pro bono dos advogados para elaborar testamentos para trabalhadores que colocam suas vidas em risco, em prol da comunidade, tais como bombeiros, policiais e paramédicos, entre outros. O "Projeto Inocência" (The Innocence Project) é um dos que têm mais prestígio entre os advogados, porque ele se dedica a tirar inocentes da prisão, especialmente do corredor da morte, com base em exames de DNA. A ACLU (American Civil Liberties Union) defende, com a ajuda entusiasmada de muitos advogados, as liberdades civis e os direitos constitucionais dos cidadãos. 

Organizações
O National Center for Pro Bono, criado pela ABA, é uma fonte substancial de informações, recursos e assistência para a promoção e facilitação da assistência judiciária pro bono. O centro patrocina algumas iniciativas como o Projeto Pro Bono Empresarial, o Projeto Pro Bono Rural, o Projeto Pro Bono para a Custódia e Adoção de Crianças e o Projeto Pro bono de Parceria entre Médicos e Advogados.

O ProBono.net, uma organização sem fins lucrativos com sedes em Nova York e São Francisco, trabalha em estreita parceria com organizações de assistência judiciária em todo o país (e também no Canadá), para melhorar o acesso à Justiça de milhões de pessoas de baixa renda. A ProBono.net usa os recursos tecnológicos da Internet para facilitar o trabalho dos advogados, dos professores e estudantes de Direito e de organizações que operam a assistência judiciária gratuita, conectando-os com oportunidades de serviço pro bono, cursos de treinamento, mentores e bibliotecas. 

O ProBono.net, que foi criado em 1998 graças a verbas que lhe foram destinadas pelo Instituto Sociedade Aberta (Open Society Institute) e é financiada essencialmente por instituições privadas, trabalha em parceira com outras organizações virtuais, como LawHelp.org, LawHelp Interactive e Pro Bono Manager, todas dedicados, basicamente, a conectar advogados e firmas de advocacia com as pessoas que precisam de assistência judiciária gratuita e disponibilizar recursos técnicos que facilitam o trabalho dos profissionais. 

A International Bar Association (IBA – InternationalProBono.com) é um "ponto de encontro" dos advogados e firmas de advocacia que prestam assistência judiciária pro bono em todo o mundo. A organização promove o serviço mundialmente e os advogados que se destacam nessa área, anualmente. O "advogado pro bono" de 2012 foi o chinês Tong Lihua, de Pequim. Em 2011, o prêmio coube à advogada brasileira Flávia Regina de Souza Oliveira, da Mattos Filhos, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga advogados, de São Paulo. Ela é cofundadora do Instituto Pro Bono do Brasil. 

Novos advogados
As organizações que se dedicam a promover a assistência judiciária pro bono convocam advogados, juízes e promotores aposentados, inscritos na ABA, a prestar serviços à população carente. Mas o maior esforço de convencimento se dirige a novos advogados. Argumentam que a prestação de assistência judiciária pro bono é a melhor escola para os novos advogados desenvolverem suas carreiras. Advogados novos também são encorajados a trabalhar na Defensoria Pública, no início de sua carreira, quando querem atuar na área criminal. 

Ao prestar assistência judiciária pro bono, os novos advogados podem fazer seus currículos se destacarem na multidão. "Além de ser uma ótima ferramenta para o desenvolvimento da carreira, a assistência jurídica pro bono proporciona uma vantagem considerável aos novos advogados, quando estão concorrendo com seus colegas de profissão para obter um emprego ou uma promoção", diz o dirigente do Comitê Pro Bono e de Acesso à Justiça da International Bar Association, Tim Soutar. 

Para os novos advogados, há muito o que ganhar com o serviço pro bono, dizem as organizações. Eles desenvolvem suas habilidades jurídicas, seu desempenho técnico, sua capacidade de argumentação, ampliam sua rede de relacionamentos, expandem seus conhecimentos jurídicos para outras áreas, aprendem a fazer reuniões e entrevistas, aperfeiçoam a redação, desenvolvem sua capacidade de liderança, atuam no mundo real (em vez de passar o tempo no escritório), tudo de uma maneira prática. "Além disso, aumentam a autoestima ou o nível de satisfação pessoal, por fazer uma diferença na vida de pessoas que se sairiam mal na Justiça, não fosse por eles – o que não pode ser medido em termos monetários", diz Soutar.

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