Tipos de piratas

Para cada tipo de pirataria, uma pena específica

Autor

  • Helder Galvão

    é advogado sócio do escritório Candido de Oliveira Advogados e secretário-geral da Comissão de Direitos Autorais da OAB-RJ.

2 de novembro de 2012, 7h00

A recente publicação da foto de Steve Wozniak, cofundador da Apple, ao lado de Kim Dotcom, criador do site Megaupload, é a mais perfeita tradução do paradoxo envolvendo a contrafação, a popular pirataria.

O negócio à margem da lei, a pilhagem e a busca do lucro com base na propriedade intelectual alheia são, a primeira vista, os mandamentos de um pirata tradicional. Basta ver a prisão de Dotcom, que morava numa mansão na Nova Zelândia e, segundo dizem, um aficionado colecionador de Cadillacs. Esse tipo de pirata, evidentemente, não pode imperar e, contra esse crime, o castigo, seja na forma de indenização, busca e apreensão ou na restrição da liberdade.

Porém, de outro lado, existe o pirata ideológico ou rebelde, filho feio do próprio modelo tradicional dos direitos intelectuais, construído com base excessivamente proprietarista e, por consequência, excludente. A regra é negar o acesso, seja ele inofensivo ou não, e permitindo, apenas, o meio pago. Nesse modelo, por exemplo, se justifica o sistema Apple, criado por Steve Jobs, baseado numa rígida plataforma fechada, na qual apenas os seus produtos interagem entre si. Frisa-se que Wozniak não admirava esse modelo, pois era favorável ao sistema aberto, onde o usuário poderia promover mudanças no hardware e no software.

Coube também a esse pirata quebrar as chamadas “travas tecnológicas” contra o acesso não pago, vide a derrocada do Digital Rights Management nos fonogramas ou da obsoleta fita VHS para cada tipo de região, os PALM’s, NTSC’s e tantas outras siglas e números que existiam na década de 80 nas obras audiovisuais. Trata-se de autêntico especialista, prolifera-se por toda a parte, e cuja repressão judicial é lenta ao ponto de não acompanhá-lo. Basta ver que a partir do Napster surgiram outros sites como o Morpheus, Mozilla, Grokster, Kazaa, E-Mule, BitTorrent e o Pirate Bay.

O movimento chega a ser tão organizado que já existem diversos partidos que se proclamam “piratas” e, em alguns países, considerados legítimos e com assento no Parlamento. Contesta-se, assim, de forma escusa ou não, o que é imposto, transparecendo a ineficácia do sistema vigente de propriedade intelectual.

Tem, também, o pirata inusual, de final de semana, curioso para assistir o último episódio de um seriado qualquer, para conhecer o recente lançamento de sua banda favorita ou obter uma cópia de um livro ou parte dele para pesquisa. Esse tipo de pirata, de bagatela, pode ser até mesmo você, leitor, ou vai negar que nunca acessou um desses sites?

Ainda não surgiu contra esse usuário um sistema capaz de detê-lo. França, Japão e Estados Unidos estão na vanguarda da edição de leis ou julgados visando enquadrá-los como criminosos. Não chega a tanto e tudo leva a crer que em pouco tempo restarão inócuas, já que estabelecidas na visão de que todo o acesso dever ser pago e sem levar em conta as formas de usos livres, sem representar prejuízo ao autor ou titular. Muito pelo contrário: regular os usos livres legitima o acesso e, por consequência, a curiosidade e o consumo.

Como se vê, existe todo o tipo de pirata e, para cada um deles, o enquadramento específico. O erro, então, está na generalização afinal, e se assim caminhar, pirata é pirata e ponto final. Haja cadeia para todo mundo.

E sobre a foto dita lá em cima, veja que curioso: ela circulou na internet através de um pirata inusual, retrata um pirata tradicional ao lado de um pirata rebelde.

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