Redução de custos

Fartura da assistência judiciária inglesa acaba em abril

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2 de novembro de 2012, 7h18

A Inglaterra é um dos países mais generosos da Europa quando se trata de assistência judiciária. Além de permitir que uma boa parte das disputas cíveis e criminais desfrute do benefício, os ingleses abrem os bolsos para ajudar. De acordo com relatório divulgado pelo Conselho da Europa, o governo inglês gasta 3,5 mil euros (mais de R$ 9 mil) para cada caso que requer assistência judiciária. É disparado o valor mais alto da Europa. O gasto médio no continente é de 625 euros (R$ 1,6 mil). A Irlanda, a segunda que mais gasta com a assistência, paga 1,3 mil euros (R$ 3,4 mil) para cada caso.

A fartura, no entanto, tem data para acabar. Deve entrar em vigor em 1º de abril do próximo ano lei que corta drasticamente o orçamento destinado à assistência judiciária. Com o corte, o equilíbrio de verba para os casos cíveis e criminais, elogiado pelo Conselho da Europa, será quebrado. Enquanto a redução dos gastos não vai afetar os processos criminais, os cíveis vão sofrer um impacto grande.

A assistência vai passar a valer só para os casos em que a vida ou liberdade da pessoa ou de outras estiver em jogo, quando há risco de dano físico grave, perda imediata da moradia ou quando os filhos puderem ser retirados dos pais e entregues aos cuidados da assistência social. Ficam sem o amparo do governo brigas de família como divórcio e custódia de filhos, danos causados por erro médico, problemas trabalhistas e casos de imigrantes buscando permissão para morar na Inglaterra, entre outros.

O que o governo quer é economizar. Atualmente, são gastos mais de 2 bilhões de libras (R$ 6,5 bilhões) com a assistência judiciária. Em média, são gastos 39 libras (quase R$ 130) por pessoa. Com os cortes, a economia anual deve ser de 350 milhões de libras (mais de R$ 1,1 milhão) por ano.

Como é e como fica
O sistema de assistência judiciária na Inglaterra é gerido por uma comissão independente, a Legal Services Commission. Todo o dinheiro do orçamento público destinado para assistência judiciária é encaminhado para essa comissão. É ela a responsável por decidir quais casos se encaixam nas previsões legais e têm direito ao auxílio, que pode variar desde uma orientação até a contratação de um advogado para representar o carente na Justiça. Quem fica fora do benefício tem ainda a opção de procurar pelos escritórios que fazem trabalho pro bono, bastante popular na Inglaterra.

A Legal Services Commission trabalha em parceria com escritórios particulares espalhados pelo país, como não existe a figura do defensor público na Inglaterra — e nem há qualquer plano para criar o cargo. São esses advogados que, quando é necessário, orientam e defendem os carentes nos tribunais e são pagos pela comissão. Instituições sem fins lucrativos dispostas a oferecer serviços jurídicos também são aliadas da comissão na assistência judiciária. Essas instituições recebem um repasse da verba pública e sobrevivem também de doações.

Na Inglaterra, ninguém precisa de um advogado para ir a um tribunal, tanto em matéria cível como criminal. O acusado de um crime, por exemplo, pode escolher fazer sua defesa sozinho diante de um juiz ou de um corpo de jurados. A assistência judiciária, portanto, não implica necessariamente na contratação de um advogado, embora a Convenção Europeia de Direitos Humanos garanta esse direito para os cidadãos europeus.

Muitas pessoas recorrem à Legal Services Commission apenas para se livrar do pagamento das custas processuais. Como não há Justiça gratuita na Inglaterra, quem não tem dinheiro precisa pedir que a comissão pague essas taxas. A principal crítica da advocacia inglesa, contrária aos cortes na assistência judiciária, é que muitas pessoas não vão poder resolver seus conflitos na Justiça porque não poderão pagar do próprio bolso as custas processuais. Terão de apostar apenas em medidas alternativas, como a conciliação.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico em fevereiro deste ano, o então presidente da Law Society of England and Wales (a OAB inglesa) John Wotton lamentou as propostas do governo de reduzir a assistência. “É inevitável que as pessoas mais vulneráveis serão privadas do acesso à Justiça e não serão capazes de efetivamente fazer valer seus direitos. E, sem poder fazer valer seu direito, o chamado Estado de Direito fica sem sentido”, disse.

A partir de abril, com a entrada em vigor das novas regras para a assistência judiciária, a Legal Services Commission deixa de existir. Ela vai ser substituída por outra agência ligada diretamente ao Ministério da Justiça, nomeada de Legal Aid Agency. Para garantir a independência das decisões sobre quem tem direito ao auxílio, deve ser nomeado um diretor independente responsável pela tarefa.

Ao longo do ano, os impactos das mudanças vêm sendo especulados por analistas, professores de Direitos, jornalistas, políticos e associações de caridade. Mas ainda ninguém sabe o que vai acontecer. Em agosto do ano passado, a Law for All, a maior associação sem fins lucrativos do país que oferecia serviços jurídicos para os carentes, anunciou o encerramento das suas atividades. A entidade culpou o excesso de burocracia para conseguir financiar seu trabalho e os cortes na assistência legal. A ONG existia desde 1994 e atendia uma média de 15 mil pessoas por ano.

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