Confusão conceitual

AGU representa contra a própria AGU em ação cível

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27 de março de 2012, 12h19

Irresignado com a “simetria” entre Ministério Público e Magistratura inscrita, bem ou mal, no sistema jurídico pela Resolução nº 133/11, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Advogado-geral da União (AGU) impetra uma Ação Cível Originária perante o Supremo Tribunal Federal (ACO n° 1.924), sugerindo a inconstitucionalidade remota daquela Resolução e a imediata de outras Resoluções no mesmo sentido que foram editadas pelo Conselho da Justiça Federal, pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Superior Tribunal Militar, aos quais chama a compor o pólo passivo da respectiva actio.

Pois bem. No mínimo a inicial terá de ser emendada do ponto de vista processual, mesmo desde a sua admissibilidade. É que, tratando-se de ação comum, embora vertida na jurisdição privativa do STF, deixou a parte autora de indicar, adequadamente, o pólo passivo dessa mesma relação em que deverá contender. De fato, nenhuma das entidades públicas precitadas na exordial detém capacidade processual para figurar em juízo (legitimação passiva para a causa), nos termos do Código de Processo Civil (art. 7º: Toda pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo). Tanto o CJF, quanto o TST e, ainda, o STM, convolados a figurar na causa como demandados, não são dotados de personalidade jurídica própria, tratando-se de meros setores internos (entidades despersonalizadas) da Administração Pública Direta da União.

Ademais, a União/AGU se esforça por dissimular a verdadeira destinação da propositura, que é o CNJ (Resolução nº 133/11), também ilegítimo para o tipo de propositura empreendida. Com efeito, sobre o CNJ, há de se observar, é também desprovido de capacidade processual para figurar em Juízo, ativa ou passivamente. Todos os entes administrativos despersonalizados cravados pela União como parte ré, na realidade, são ela mesma, a própria União. Logo se vê uma clara disparissonância na polarização da causa, hipótese que é inteiramente inadmissível em Direito Processual, enquanto categoria científica, e na dinâmica do exercício do direito subjetivo público de ação.

Se o AGU quisesse realmente resolver o problema, tendo em vista que a tal Resolução é mesmo inconstitucional, porque institui benefícios e vantagens ao arrepio da Lei (embora se baseie em outras tantas ilegalidades – não há “simetria” entre termos igualmente ilícitos, aspectos que, evidentemente, deverão ser tratados, em definitivo, pela Suprema Corte), deveria proceder da seguinte forma: 1) Demandar na relação AGU X União; 2) Estabelecer, antes da demanda, uma diretriz administrativa (interna) para fixar os operadores que haveriam de assumir os respectivos papeis, responsabilidades ontologicamente distintas no processo a propor, ainda que no âmbito da mesma entidade (juridicamente personalizada), porque não parece fazer o menor sentido que o AGU, em pessoa, subscreva a petição inicial para, logo em seguida, receber a citação em nome da União que representa no feito por ele mesmo deduzido. Stanislaw Ponte Preta chamaria isso de “Samba do Crioulo Doido”.

Considero esses fundamentos inteiramente destrutivos dos movimentos institucionais e corporativos em curso, desde a propositura em exame à ruidosa resistência que da parte dos Juízes já se vem observando em larga escala. Constata-se, no entanto, que essa reação está associada assim à pressão pelo quadro de compressão vencimental de anos da Magistratura Nacional quanto à constatação das distorções do tipo que se seguem ativadas na República sem solução de continuidade.

A confusão conceitual e jurídica da parte passiva na propositura do AGU perante o STF tem de ser varrida do processo desde a sua admissibilidade, pena de restarem precarizados os fundamentos da ação e o desenvolvimento válido e regular do processo, haja vista que o Direito não tolera antinomias, no sentido de Norberto Bobbio.

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