Precatórios paulista

"Emenda Constitucional do Calote" denuncia situação

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26 de março de 2012, 16h17

Em um pequeno e árido vilarejo do oeste americano dominado pela colonização espanhola, um elegante cavaleiro de vestes, máscara, capa e chapéu pretos, empunhando espada e portando chicote, da montaria de seu cavalo em disparada, salta acrobaticamente para resgatar uma donzela e sua mãe – indefesas – dos braços de quatro bêbados e malfeitores algozes, enquanto os obesos e trapalhões membros da guarda oficial colonizadora, sem condição de reação suficiente para salvar as cidadãs ou prender o insurgente revolucionário de capa e espada, expressando secreta admiração pelo herói mascarado, assistem à cena atordoadamente.

Em setembro de 2011 o lendário personagem de ficção foi usado como figura de linguagem pela Ilustre Ministra Eliana Calmon, Corregedora Geral da Justiça do CNJ, para expressar a dificuldade que encontrava na análise das questões relacionadas ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

Um dos temas afeito ao CNJ e especialmente sensível à Corregedoria é o Precatório. São Paulo, maior devedor nacional de precatórios, não poderia permanecer esquecido. Só aqui, estado e municípios devem mais de R$ 40 bilhões em decisões judiciais a cerca de cinco milhões de pessoas.

Há muito que a OAB vem denunciando a absurda situação dos precatórios paulistas. Com o advento da ‘Emenda Constitucional do Calote’, a Emenda Constitucional 62/09, concebida e aprovada para atender aos interesses destes devedores, o Tribunal de Justiça do Estado, passou a ser diretamente responsável pelo recebimento dos recursos dos devedores e pela efetivação dos pagamentos aos credores.

Passados mais de 2 anos da vigência da EC/62, os devedores disponibilizaram ao Tribunal cerca de R$ 4 bilhões e menos de 15% destes valores chegaram nas mãos dos cidadãos. São cerca de 40 mil idosos e portadores de doença grave que, seguindo determinação do TJ, comprovaram sua condição, requereram o pagamento de uma parcela de seu crédito e continuam esperando sem expectativa concreta de recebimento.

Apenas um setor do Departamento de Precatórios do TJ é responsável pelo controle de pagamento aos 225 mil processos, movidos contra mais de 820 municípios, autarquias e fundações devedoras. Faltam funcionários, espaço físico, equipamentos, etc. Depois de superada esta maratona, os valores ainda são remetidos para as varas. Outra loucura! Com problemas até piores, inviabiliza o levantamento do dinheiro pelos milhares de credores.

Na Grécia, epicentro de crise financeira sem precedentes, que pode levar à bancarrota outras economias européias, os credores firmaram acordos esta semana, concedendo descontos de 50% de seus direitos. Com idêntico deságio do drama grego, ano passado, quatro mil credores da Prefeitura de São Paulo abriram mão de seus créditos e ainda não viram a cor do dinheiro, que repousa nos cofres do Tribunal de Justiça, assim como os outros Bilhões de Reais dos credores dos precatórios que estão lá depositados, rendendo ‘spread’ de 0,22% ao mês para o TJ pagar suas contas.

O Governo do estado de São Paulo também quer o mesmo desconto da República Helênica, mas prefere obtê-lo pelo leilão, que se mostrou absolutamente impossível de ser realizado, uma vez que faltam as informações básicas como: nomes dos credores; valor do precatório; penhoras; herdeiros; procurações; contratos honorários; cessões, etc.

Por falar nas cessões, a demora nos pagamentos dos precatórios é diretamente responsável pela criação desse mercado, onde credores moribundos e miseráveis são induzidos, muitas vezes por argumentos mentirosos ou falaciosos, a cederem seus créditos àqueles urubus que estão sempre à procura de carniça.

Nestes dois anos, os magistrados responsáveis pela Diretoria de Precatórios e pelo Setor das Execuções, exerceram papel importantíssimo, mas, infelizmente, não conseguiram vencer o oceano de dificuldades.

Agora o TJ está sob a nova gestão do presidente Ivan Sartori. Aparentemente ele compreendeu a difícil missão que lhe compete. Tem sido receptivo às reivindicações da advocacia e junto com a OAB foi até o CNJ solicitar apoio, e abriu suas trincheiras à Corregedoria Nacional de Justiça.

Só boa vontade não é suficiente. Precisamos de efetivas e rápidas respostas, as quais acredito constarem do relatório que a Corregedora Nacional apresentará à sociedade em breve. Artigo publicado originalmente no jornal Estado de S. Paulo.

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