Indagações Pungentes

As controvérsias da participação nos lucros e resultados

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14 de março de 2012, 10h14

Presenciamos hoje, no mundo do trabalho, uma redescoberta da retribuição pelo resultado, como decorrência do fenômeno mais geral de individualização crescente das condições de trabalho e da procura por adaptar a retribuição a tais características. Em muitos casos, uma fragmentação ou multiplicação dos componentes retributivos, com uma “fantasia de nomes” e uma “selva retributiva”, a qual é explicada, em muitos casos, por duas ordens de fatores: a) tentativa de disfarçar genuínos elementos retributivos, seja para fugir de encargos fiscais, seja para permitir supressão futura quando as circunstâncias o exijam, e b) esforço para individualizar e especificar a prestação a que o trabalhador tem direito, retribuindo ao máximo apenas o resultado útil do trabalho. Daí a importância crescente da remuneração por resultado, que permite reduzir custos em épocas de crise e, simultaneamente, desempenha uma nítida função incentivante. [1]

Em nosso país, a disciplina minuciosa do instituto é relativamente recente e, por esse motivo, ainda existem controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, as quais se pretende apontar no presente estudo. Com efeito, a elaboração de um plano de PLR não pode negligenciar aspectos trabalhistas, fiscais e previdenciários e se distanciar dos parâmetros interpretativos que vêm sendo delineados pelos Tribunais nacionais, valendo ressaltar, desde logo, que a PLR é tema multidisciplinar, pois envolve profissionais de Recursos Humanos, da administração de empresas, advogados da área trabalhista e fiscal-previdenciária. Apontar os principais pontos de divergência e sensíveis do tema é o objetivo maior deste estudo.

A Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452, de 1943) já mencionava a figura da participação nos lucros no artigo 63, ao dispor que “não haverá distinção entre empregados e interessados, e a participação em lucros e comissões, salvo em lucros de caráter social, não exclui o participante do regime deste capítulo” e, mais incisivamente, no artigo 621, quando remeteu a possibilidade de regulação do tema pela via da negociação coletiva: “As Convenções e os Acordos poderão incluir entre suas cláusulas disposições sobre a constituição e funcionamento de comissões mistas de consulta e colaboração, no plano da empresa e sobre participação nos lucros. Estas disposições mencionarão a forma de constituição, o modo de funcionamento e as atribuições das comissões, assim como o plano de participação, quando for o caso”.

A Constituição de 1946 seguiu a mesma trilha, dispensando ao tema um tratamento meramente programático, prevendo a “participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar”. O tema voltou a ser contemplado pela Constituição de 1967, artigo 158, ao lado da participação dos trabalhadores na gestão da empresa, mas igualmente dependente de lei reguladora.[2]

Evidentemente, não havia interesse político na regulação da participação dos trabalhadores nos lucros da empresa e, muito menos, da participação dos mesmos na gestão da empresa, sobretudo diante da estrutura sindical autoritária que, regra geral, não concedia qualquer espaço para uma autentica negociação coletiva e concebia as entidades sindicais como órgãos de mera colaboração com o Estado, não-conflituais e cuja ação não lograria o menor êxito de se enraizar no local de trabalho. Estas são as razões pelas o instituto, entre nós, apenas ganhou alguma virtualidade com a transição democrática de 1985 e o novo sindicalismo, culminando com a CF/88.

No texto da Constituição Federal de 1988, a inovação foi a desvinculação da parcela do salário. Dispõe o artigo 7º, XI:

“Art. 7º. “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XI: participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.”

Após um período de inércia legislativa inicial, o tema voltou à pauta por meio de sucessivas Medidas Provisórias, sendo a primeira delas a de 860/95, de 27 de janeiro de 1995, segundo a qual a PLR seria estipulada por negociação direta entre empresa e empregados, mediante comissão escolhida dentre os empregados da empresa. Não havia a participação da entidade sindical, senão apenas para fins de mero arquivamento do documento. Sob a égide do regime jurídico das Medidas Provisórias anterior à Emenda Constitucional n 32 havia instabilidade na regulação do tema, sempre dependente das MPs que se sucediam vertiginosamente no tempo (cerca de 77 MPs). A título de exemplo, mencionem-se: a) Medida Provisória 955, de 24 de março de 1995, que admitiu a possibilidade de PLR em empresas estatais; b) Medida Provisória 1.276, de 12 de janeiro de 1996, pela qual a PLR deveria objeto de negociação entre comissão escolhida pelas partes, integrada por representante sindical da categoria c) Medida Provisória 1.698-46, de 30 de junho de 1998 estabeleceu, como vias de negociação tanto a comissão de empresa (integrada por representante do sindicato), quanto os já conhecidos acordos coletivos de trabalho e convenções coletivas de trabalho. Inovou, ainda, ao declarar que a parcela não sofreria incidência trabalhista ou fiscal e proibiu a antecipação ou distribuição em período menor a um semestre.

Em 19 de dezembro de 2000 finalmente foi publicada a lei de regência da matéria em nosso país: Lei 10.101/00. Se objetivo maior, seu espírito, é declarado no artigo 1º do diploma, ao estabelecer que “a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa como instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade.”

Passemos a examinar os principais aspectos desta lei.

No plano ideológico há entidades sindicais que não apóiam o sistema de remuneração de participação nos lucros e resultados. Para esta corrente, seria uma forma de rebaixamento de salários e de ganhos reais e de precarização de condições de trabalho.

Pessoalmente, entendemos que tudo dependerá da caracterização do plano e das circunstâncias econômicas do momento, sobretudo se se considerar que, ao admitir a possibilidade de redução de salários por meio de negociação coletiva, nossa CF/88 encara esta última como eficaz instrumento de gerenciar crises empresariais.

O plano de PLR deve ser objeto de negociação entre empresa e empregados mediante uma comissão escolhida pelas partes, com a participação de um representante do sindicato, ou mediante acordo ou convenção coletiva. É o que dispõe o artigo 2º da lei:

“Art 2º A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:

I – comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria;

II – convenção ou acordo coletivo.”

A lei da PLR, ao tratar da comissão, apesar de dar liberdade para as partes escolherem seus membros, determina que a comissão deve ser integrada por um representante do sindicato da “respectiva categoria”.

É imprescindível a participação de um representante indicado pelo sindicato da categoria (art. 2º, I), regra esta que, não sendo observada, pode acarretar a descaracterização da natureza jurídica conferida a PLR, comprometendo sua desvinculação do salário, inclusive para efeitos de INSS, pois conforme a Lei 8.212/91 (Plano de Custeio da Seguridade Social), artigo 28, §9º, alínea “j”, não integra o salário-de-contribuição “a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica”. Nesse sentido, a decisão abaixo:


“PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS DO ANO DE 1998 – A Medida Provisória 1.878-62, de 24 de setembro de 1999 (DOU 25.9.99), citada no acordo colacionado aos autos, assevera em seu artigo 2o., que "a participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo: I comissão escolhida pelas partes, integrada, também por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria; II convenção ou acordo coletivo". No caso sub lite, as partes, celebraram o acordo, sem contudo observarem a exigência de que a comissão deveria ser integrada também por um representante do sindicato da categoria profissional. Por conseguinte, foram violados os artigos 8o., incisos III, e VI, e 7o., inciso XI, da Lei Maior, uma vez que a negociação há de ser realizada com o sindicato e não com a comissão. Não foi por outra razão que o Colendo STF, suspendeu liminarmente o artigo 2o., da MP 1.136, através da ADI 1.13161-1, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU. 17-02- 96, p. 1711), que autorizava a feitura de acordo, no particular, de maneira direta, entre os empregados e as empresas, sem a presença dos sindicatos. Destarte, ante a não observância do estipulado na medida provisória, a empresa ao instituir o programa, visou a instituição de uma vantagem em prol de seus empregados e, como tal, em face do estipulado no art. 1.090 do Código Civil, o acordo há de ser interpretado restritivamente.

Portanto, não tendo o laborista cumprido o item 1.3 do Programa, ainda que se considerasse a projeção do aviso prévio, não faz jus à PLR/99, máxime por não provada que a dispensa se deu com fraude à legislação laboral, ou com o fim único de lesar o empregado.” (TRIBUNAL 3ª Região- DECISÃO: 14 03 2001- RO n. 767 – Ano: 2001- Quarta Turma- DJMG DATA: 31-03-2001 , p. 24 – Relator Juiz Júlio Bernardo do Carmo)

Alguns sustentam ser dispensável a presença de representante indicado pela entidade sindical sob o fundamento de que não se tratariam de interesse coletivo a justificar a presença sindical, mas sim de interesse individual plúrimo. Essa discussão ficou superada pelos termos da própria lei, da literalidade de seu texto.

Pode ocorrer, todavia, uma inércia da entidade sindical, apesar da vontade do empregador e dos trabalhadores da empresa na criação do plano. Em tais casos, é possível que se faça um acordo coletivo com grupo de trabalhadores, sem a participação do sindicato na forma descrita no artigo 617 da CLT, declarado recepcionado pela CF/88 segundo jurisprudência majoritária. Note-se: neste caso deve haver uma típica inércia da entidade sindical de base e da respectiva federação, um silêncio, um descaso que autorizaria ao empregador, na forma do rito do art. 617 celebrar acordo intraempresarial, diretamente com grupo de empregados, com status de acordo coletivo de trabalho (CLT, art. 611).[3] Inércia é recusa injustificada, situação diversa daquela em que o sindicato se recusa à criar um plano de PLR por questões de políticas sindicais.

O membro da entidade sindical a compor a comissão de negociação, caso seja a via eleita, deve ser da respectiva categoria profissional dos trabalhadores aos quais se destinará o plano; esta correspondência é essencial para a validade do ajuste.

Por fim, registre-se interessante decisão que considerou inválida a exigência do sindicato de receber valores para que participasse das negociações em nome dos trabalhadores. O Judiciário Trabalhista em certas oportunidades já declarou inválidas cláusulas nesse sentido:

“Dissídio Coletivo – Acordo Firmado – Participação nos Lucros ou Resultados – Remuneração Negocial do Sindicato – Ilegalidade – Contribuição Assistencial Exagerada – Confisco. 1- Participação nos lucros ou resultados é um direito deferido aos trabalhadores em decorrência de negociação coletiva. O acordo coletivo firmado, resulta em direito social de índole personalíssima que só pode beneficiar o obreiro "(intuitu personae)". Este é o comando que se extrai da letra do artigo 7º, inciso XI, da Lei Suprema. Assim sendo, viola a lei e a Constituição Federal cláusula que tem por escopo estabelecer remuneração pela participação do sindicato profissional na negociação coletiva. Com efeito, a entidade sindical negocia por imposição de um dever constitucional, verdadeiro "munus" público, visando o interesse da coletividade dos trabalhadores pertencentes à categoria profissional, mesmo quando locados em uma única empresa. Entidade sindical, portanto, não se confunde com sociedade mercantil que visa resultados lucrativos. 2- Contribuição assistencial estabelecida em parcelas mensais e sucessivas de 1,5% do salário normativo configura confisco, inquinando a cláusula que não poderá ser homologada.” (TRT 2ª Região- Acórdão n.: 2000000531 DECISÃO: 14 02 2000- NUM: 1999001306 ANO: 1999 – ÓRGÃO JULGADOR – Secretaria de Dissídios Coletivos – DOE SP, PJ, TRT 2ª Data: 21/03/2000 – RELATOR NELSON NAZAR).

1. Metas claras e objetivas

O programa de metas tem por finalidade objetivar as condições que devem ser alcançadas para o direito à participação, o que deixa clara a sua natureza de obrigação sob condição.

Ao se referir a metas, a lei permite interpretação em dois níveis, as metas gerais da empresa, parciais de determinados setores específicos, e, também, em cada setor ou empresa, as individuais, a serem obtidas pelos empregados, quanto aos índices de produtividade ou de qualidade de serviço que serão considerados para a distribuição.

O programa de metas é uma técnica de administração, de contabilidade e de economia, de modo que pode ser variável de acordo com o tipo de atividade de uma instituição empregadora, não sendo possível um plano padrão e único que sirva para o comércio, para a indústria ou para outros setores de atividade econômica, uma vez que são diferentes as formas pelas quais se desenvolve o processo produtivo ou de prestação de serviços.

Declara o artigo 2º, §1º da Lei de PLR que: “dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições: I – índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa; II – programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente” (destaque nosso).

Da leitura desse dispositivo legal, dois aspectos devem ser sublinhados.

O primeiro é o de que lei recomenda a adoção de regras e critérios objetivos, desaconselhando a inserção de critérios subjetivos de produtividade, com o que se evitariam discussões desnecessárias acerca do preenchimento ou não da condição. São critérios objetivos aqueles que podem quantificar o direito dos empregados, por exemplo, a assiduidade, o acréscimo de vendas, a inexistência de atraso, a redução de gastos e custos etc.

O segundo aspecto é o de que a lei não contempla hipótese exaustiva, mas apenas exemplificativa, o que, aliás, outorga maior flexibilidade para melhor viabilizar a integração entre o capital e o trabalho. A própria lei deixa claro que os critérios sugeridos (índice de produtividade, qualidade, metas) não são os únicos ao dispor que “outros” além destes poderão ser considerados, resguardadas a clareza e a objetividade.

A exigência da lei é no sentido de que os objetivos de desempenho sejam mensuráveis, como por exemplo, a redução dos gastos fixos administrativos e de matéria-prima na produção, atuação como coordenação de equipes, implementação de novos programas de gerenciamento de compras.

De acordo com a jurisprudência, cabe sempre à empresa concedente comprovar o não atingimento das metas:

“Participação nos lucros. Quando estiver condicionada ao cumprimento de metas, compete ao empregador provar o motivo do não pagamento a determinados empregados, sob pena de se presumir a discriminação e a ofensa ao art. 7º, inc. XXXII, da CF, e artigo 5º da CLT (TRIBUNAL: 2ª Região, 9ª Turma, DECISÃO: 01 10 2001, RO n. 20000479378, ANO: 2000, DOE SP: 19/10/2001, Relator LUIZ EDGAR FERRAZ DE OLIVEIRA).


A periodicidade de pagamento da PLR não poderá ser inferior a um semestre civil ou a mais de duas vezes no mesmo ano civil. A Lei 10.101/00, em seu artigo 3º, §2º, permite a antecipação de PLR, desde que respeitada a periodicidade semestral, in verbis:

“§2º é vedado o pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores a título de participação nos lucros ou resultados da empresa em periodicidade inferior a um semestre civil, ou mais de duas vezes no mesmo ano civil”.

A finalidade da norma foi evitar que fosse pago, sob o título de PLR, um complemento ao salário mensal, visando incentivos legais. E isso geraria o risco de tais ganhos substituírem a remuneração, o que é vedado pelo artigo 3º da lei: Artigo 3º “A participação de que trata o artigo 2º, não substitui ou complementa a remuneração devida a qualquer empregado.”

O Tribunal Superior do Trabalho, em março de 2009, em votação acirrada por meio da Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) reconheceu a validade de cláusula de acordo coletivo firmado em 1998 entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a Volkswagen do Brasil que permitiu o parcelamento em 12 meses de parte da participação nos resultados, ainda que a lei não autorize o pagamento parcelado em periodicidade inferior a seis meses.

Entretanto, o Tribunal Superior do Trabalho validou esse acordo considerando as circunstâncias em que o acordo foi firmado. Consta do voto vencedor, cujo redator foi o Ministro Vantuil Abdala, que um dos focos das dificuldades da empresa era a restrição do crédito, com a elevação da taxa de juros, que a levou projetar queda na produção, em 1998, equivalente a 10 mil postos de trabalho. As montadoras nacionais sofreram retração de 40%, e milhares de trabalhadores perderam o emprego. Na fábrica da Volkswagen de Anchieta, 7.500 dos 19.500 operários estavam ameaçados de demissão. Depois de uma greve em que não se chegou a acordo com a direção nacional, os metalúrgicos foram à Alemanha e negociaram diretamente com a direção mundial, preocupados com a possibilidade de fechamento da fábrica e com os impactos negativos que isso traria do ponto de vista econômico e social. Finalmente, foi firmado o acordo, que revogava 3.075 demissões, garantia o emprego por cinco anos, criava planos de demissões voluntárias, permitia a flexibilização da jornada e dos salários, reduzindo-os em até 15%, e previa o parcelamento em 12 meses de parte da PLR, equivalente a R$ 1.800,00, como forma de amenizar o impacto salarial. Assim, segundo o Ministro Vantuil Abdala, como o acordo coletivo foi assinado por “um sindicato que mudou a história desse País”, e tem um caráter histórico, não se trata de dar validade a uma cláusula que desrespeite condições de segurança ou higiene do trabalhador, mas de reconhecer que os efeitos econômicos da nulidade dessa cláusula (reflexo de R$ 150,00, ou seja, de 1/12 de R$ 1.800, sobre a remuneração das férias e do 13º salário) são “pequenos diante da grandeza de uma situação e de um sindicato que ninguém pode pôr em dúvida”.

Seguindo o mesmo entendimento, o ministro João Oreste Dalazen, ainda asseverou que: “O acordo diz textualmente que se trata de participação nos resultados, e a periodicidade não retira ou desfigura a natureza da parcela”, logo, segundo este Ministro,. “não é a forma mensal de pagamento que, apenas por si, desnatura a parcela como PLR, porque, se for assim, a forma é que ditaria a natureza, e não seu conteúdo”. O ministro ressaltou que a negociação não pode flexibilizar direitos amplos trabalhistas, como os relativos à integridade do trabalhador, mas, fora desses casos de normas de ordem pública, “pode haver alguma flexibilização, desde que haja a necessária contrapartida” – o que, no seu entendimento, ocorreu no caso, com a garantia do emprego por cinco anos. “Entre a validade da negociação coletiva para efeito do PLR, ou a preservação do emprego, e a invalidade do instrumento, que pode sinalizar em contrário, abrindo ensejo às nefastas e dramáticas consequencias da falta de trabalho, não há dúvida de que a primeira alternativa se impõe”, concluiu.

O entendimento, por sua abrangência, culminou na edição da Orientação Jurisprudencial Transitória n. 73 da Volkswagen:

“73. VOLKSWAGEN DO BRASIL LTDA. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. PAGAMENTO MENSAL EM DECORRÊNCIA DE NORMA COLETIVA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. (DEJT divulgado em 09, 10 e 11.06.2010). A despeito da vedação de pagamento em periodicidade inferior a um semestre civil ou mais de duas vezes no ano cível, disposta no art. 3º, § 2º, da Lei n.º 10.101, de 19.12.2000, o parcelamento mensal da verba participação nos lucros e resultados de janeiro de 1999 a abril de 2000, fixado no acordo coletivo celebrado entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a Volkswagen do Brasil Ltda., não retira a natureza indenizatória da referida verba (art. 7º, XI, da CF), devendo prevalecer a diretriz constitucional que prestigia a autonomia privada coletiva (art. 7º, XXVI, da CF)”. 

Orientações Jurisprudenciais transitórias referem-se a temas referentes a matérias transitórias e/ou de aplicação restrita no TST ou a determinado Tribunal Regional.

Não há segurança para se concluir pela extensão analógica desta OJ a outras empresas e situações, diante da vedação legal, ainda que corrente minoritária dos Tribunais admitam o parcelamento desde que assim disposto na fonte instituidora, no caso, um acordo coletivo, uma convenção coletiva ou um ajuste intraempresarial com comissão de empregados.

A lei não faz restrições para a concessão diferenciada da PLR em setores ou unidades da mesma empresa. Diante dessa lacuna, no nosso entender, a participação nos lucros ou resultados poderá ser realizada de forma geral, por setores, ou equipes, podendo alcançar apenas alguns empregados da empresa, deixando outros de fora, a depender do juízo de conveniência das partes envolvidas e desde que haja fundamento para realizar a diferenciação e incentivar a produtividade somente de alguns e não de todos.

E qual a posição da doutrina brasileira?

Sérgio Pinto Martins concebe diversas formas pelas quais pode ser estabelecida a participação nos lucros, dentre elas a geral, que é devida a todos os trabalhadores da empresa, e a parcial, em que apenas alguns trabalhadores têm direito. Sublinha o autor que “a participação nos lucros poderá ser feita mediante participação geral dos trabalhadores nos lucros, relativa à toda a empresa, ou parcial, em que se verificam os lucros por setores ou seções”. Também é possível diferenciar os critérios de distribuição: “Nada impediria a fixação de critérios mistos no sentido de que seriam feitas distinções entre os cargos dos empregados, como de gerentes e chefes e os demais funcionários, desde que houvesse uma forma de assim proceder, (…) podendo existir porcentuais diferenciados em função do salário de cada empregado, de acordo com a folha de pagamento”[4]

No mesmo sentido são as ponderações de Ciro P. da Silva, ao criticar o estabelecimento de um valor fixo a todos os empregados. Pondera que desconhecer as diferenças entre os diversos níveis de empregados é absurdo, pois em cada caso a capacidade de contribuição para o sucesso do plano são diferentes. O pagamento, diz, deve ser proporcional à capacidade de contribuir. É a regra que dita a diferenciação salarial na estrutura da empresa. [5]

 

Esse autor indica 4 (quatro) tipos de metas possíveis para fins da fixação da PLR: as corporativas, as coletivas, as setoriais e as individuais. As primeiras refletem os objetivos traçados pela empresa em geral, como um desafio para o exercício fiscal seguinte e têm como característica inerente o pouco ou o nenhum acesso dos empregados para impulsionar o seu atingimento, uma vez que sempre dependem de decisões gerenciais à revelia dos empregados. Metas coletivas são uma espécie de detalhamento das metas corporativas, podendo atender às peculiaridades de cada unidade. Por dizerem respeito a uma única unidade produtiva, podem abrir espaço para certas discussões com os empregados. As metas setoriais, por sua vez, são as grandes responsáveis pelo sucesso do plano. São amplamente discutidas com os empregados que, na medida em que participam da estruturação das metas, mais se empenharão para o seu atingimento. Caso se pretenda a redução de custos, eles saberão onde se perde matéria-prima. Caso se pretenda maior produtividade, eles mostrarão os entraves da produção, e assim por diante. Metas individuais, por último, são pouco usadas pois, sendo direcionadas para o desempenho individual, podem propiciar subjetivismos de chefes, o que nem sempre é desejável, embora possível.[6]


Também Arion Sayão Romita salienta que a participação nos lucros atrai muito mais os altos empregados do que o restante do pessoal, pois aos empregados comuns mais importa a segurança do salário regular e constante do que uma aleatória e remota participação nos lucros e resultados. E justifica que não necessariamente o plano deve ser geral, porque estão em jogo interesses individuais plúrimos e não um interesse coletivo abstratamente considerado. Em suas palavras: “O processo convencional, no caso, não se caracteriza como negociação coletiva, precisamente porque não está em jogo a criação de normas abstratas, aplicáveis indistintamente a todos os trabalhadores interessados: a participação de cada um, considerado individualmente, deverá ser levada em conta. Poderão ser adotados critérios diversificados, relativamente aos diferentes grupos de trabalhadores que participarão dos lucros: dirigentes, oficiais, serventes, auxiliares, aprendizes, empregados do escritório, da fábrica etc”[7]

Eduardo de Azevedo Silva critica a fixação em percentual idêntico a todos os empregados, sem distinção. Aparentemente, pondera, a forma mais simples de contornar dificuldades de fixação de metas seria estabelecer quota igual para todos e não excluir nenhum empregado do processo de participação. Mas tal forma, se de um lado prima pela simplicidade, de outro lado peca por encerrar injustiça. Coloca em pé de igualdade o trabalhador dedicado, produtivo, com muito tempo na empresa, e aquele que, ao contrário, tem faltas ao serviço, foi recentemente admitido e que não produz a contento.[8]

No mesmo sentido opina Sólon de Almeida Cunha, ao sustentar que salutar é a meta que atende à solicitação de diferenças individuais, mas desde que trate de forma desigual o desiguais. Pode haver a divisão do plano de metas por equipes, por exemplo, de escritório, de produção fabril etc (…) Assim, cada um receberia uma parcela proporcional ao seu nível salarial, o tratamento seria isonômico quanto ao critério, e o benefício, proporcional, obedecendo à estrutura piramidal da empresa”.[9]

De acordo com Paulo Sérgio João, desde a regulamentação do instituto por medidas provisórias não se estabeleciam restrições para que os Programas de Participação nos Resultados das Empresas fossem implantados por setor da empresa ou por estabelecimento. Caso a negociação contemple apenas setores da atividade empresarial, com regras substantivas claras, os demais trabalhadores excluídos não poderão pleitear a extensão do benefício porquanto não se trata de verba de natureza salarial, não caracterizando, portanto, ato discriminatório do empregador e da comissão de negociação.[10]

Registrem-se, por oportuno, as conclusões do Seminário coordenado em 1991 pelo então Ministério do Trabalho e da Previdência Social (MTPS), em Brasília, em janeiro de 1991, intitulado “Participação dos trabalhadores nos lucros/resultados das empresas”. A opinião unânime entre todos os participantes foi a de que, “na regulamentação da matéria através do Congresso Nacional, exigida por força de determinação constitucional, deve-se permitir a maior flexibilidade possível na aplicação deste mecanismo. A diversidade das situações que a lei irá abranger elimina qualquer possibilidade de estabelecimento de normas rígidas a nível operacional, tornando imperativa a preservação de espaço legal para que realidades distintas – trabalhistas, gerenciais e culturais – possam se adaptar aos seus preceitos”. E ainda, especificamente em relação à questão da “forma pela qual os trabalhadores participariam do lucro, se igualitariamente, se por tempo de serviço, se por departamento ou função, etc, foi tratada de maneira homogênea pelos participantes do evento: O problema deve ser remetido à livre negociação entre trabalhadores e empresas”.

Ismal Gonzáles salienta também que a experiência revela ocorrer, na generalidade das empresas, grandes disparidades na natureza das tarefas exercidas, o que induz a conveniência de se manterem planos de participação também diversificados, na medida de cada tipo de atividade exercida. Tudo indica, pois, que a existência de um programa de participação, numa área da empresa, não obsta a montagem de outro, em área diversa.[11]

Marly A. Cardone defende a ampla liberdade das partes quanto aos mecanismos de aferição das informações constantes dos planos. Diante da simplicidade do texto da lei, pode-se afirmar que todas as modalidades de aferição das informações que o plano de participação estabelecer serão lícitas. E não poderia, efetivamente, deixar de ser assim, sob o risco de se inviabilizar totalmente a PLR se o legislador fizesse a previsão desta ou daquela maneira de controle do acordado por parte dos diretamente envolvidos.[12]

Assim, no nosso entender, a participação nos lucros ou resultados poderá ser realizada de forma geral, por setores, ou equipes, podendo alcançar alguns empregados da empresa, deixando outros de fora, sem que isso seja afronte o princípio da isonomia, pois a fonte do plano é convencional e a Constitucional Federal de 1988 reconhece a validade dos acordos e convenções coletivas do trabalho que, no caso, serão as fontes dos direitos e obrigações decorrentes do plano delineado pelas próprias partes, prevendo os critérios, os beneficiários, os prazos, a forma de acompanhamento etc.

Parece-nos também possível implantar diversos planos de participação por resultado na mesma empresa, por setores, funções, ou quaisquer outros critérios.

Também não entendemos que esse procedimento se configura como discriminatório porque, ainda que se admita que a empresa seja uma organização produtiva, há setores mais importantes do que outros, geralmente aqueles fixados no objeto social, que constituem o negócio principal da empresa, sendo justificável a diferenciação de metas para cargos e funções distintos desde que baseadas em critérios razoáveis. É que não sendo idênticas as funções e responsabilidades é possível dar-lhes tratamentos diferenciados, considerando a importância do setor, o grau de responsabilidades dos cargos e outros critérios que justifiquem tais distinções.

Assim, por exemplo, o setor da diretoria poderá ter critérios diferentes dos de outros setores, diante das responsabilidades inerentes à função. O mesmo raciocínio é válido para empregados de um mesmo setor da empresa, desde que, por óbvio, exista um motivo justificável para a disparidade de tratamento.

Com efeito, por via do princípio da igualdade, a ordem jurídica veda desequiparações fortuitas ou injustificadas e, consequentemente, a prática de atitudes discriminatórias, ressalvadas, porém, as diferenciações legítimas. Esclarece esse autor que “tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada.”[13] Embora o tema ainda seja polêmico, há decisão validando um plano dirigido apenas ao nível de diretoria e gerencial:

 

“A configuração do exercício de cargo de confiança para enquadramento no artigo 62, II, da CLT, exige a prova de amplos poderes de mando, representação e substituição do empregador – Recurso improvido. Participação nos Lucros e Resultados – Acordo coletivo excluindo determinados cargos – Inexistência de ofensa ao princípio da isonomia – Recurso improvido. Automóvel e combustível – Benefício previsto em norma interna destinado aos gerentes executivos – cargo não exercido pelo recorrente – Recurso improvido.” (TRIBUNAL: 2ª Região – Ac. n. 20060449076 – Decisão: 20 06 2006 – RO  n. 02534   ANO: 2005 – RO – 02534-2003-382-02-00 – 4ª Turma – DOE SP, PJ, TRT 2ª – Data: 01/12/2006 – Relatora SONIA MARIA PRINCE FRANZINI).


Finalize-se afirmando que a PLR é um direito convencional, exercitável via negociação coletiva com o sindicato, sempre a depender do ajuste entre as partes como forma que é de integração entre capital e trabalho. Daí porque “somente as partes envolvidas podem regulamentar o benefício, valendo-se dos parâmetros contidos na norma infraconstitucional referida. Quando o benefício não é disciplinado por convenção entre as partes, o mesmo não pode ser exigido” (TRIBUNAL: 2ª Região – Ac. n. 20060449076 – RO- 02534-2003-382-02-00 – 4ª TURMA – DOE SP, PJ, TRT 2ª – Data: 30/06/2006 – Relator PAULO AUGUSTO CAMARA).

É assunto sempre complicado o da fixação de critérios e dos participantes à luz do princípio constitucional da isonomia. Muitos empregados julgarão ter direito aos mesmos benefícios que seus superiores ou colegas de trabalho de outro setor, ou do mesmo setor.

Adverte-se, por outro lado, que em julgamento do TST (RR 752847/2001), o Min. Wagner Pimenta sustentou que: "A participação nos lucros não objetiva premiar este ou aquele trabalhador, mas o conjunto da força laboral que contribuiu para o êxito do negócio empreendido". Assim, de acordo com esta decisão, a PLR, via de regra, possui um “caráter geral”. Destaquem-se os seguintes trechos do voto: (…) “O fato, entretanto, de o banco pagar a comissão ou gratificação de produtividade, não importa a denominação que se lhe dê, tendo como indexador determinado lucro, não transforma, com todo respeito, uma obrigação ajustada, satisfeita habitualmente como contraprestação de serviço (era paga em razão da função exercida pelo autor fl. 214) em mera participação nos lucros a que alude o julgado aquela que, nos termos do artigo 7º, XI, da CF, não integra a remuneração. (…) Tratando-se de parcela devida especialmente ao autor, sem o caráter geral inerente à participação nos lucros de que tratam a Carta Magna e as sucessivas medidas provisórias, não se cogita da analogia feita pela então MM. Junta”.

Essa decisão indica que não é pacífica na jurisprudência a aceitação do plano de PLR por segmentos ou setores, não obstante haver farta doutrina pátria nesse sentido.

Convém, por fim, avaliar um ultimo aspecto: o fato de eventualmente ser declarada a ilicitude de destinação do plano a apenas alguns cargos não acarreta, como conseqüência direta, a invalidade do plano. Pode ocorrer de os empregados excluídos pleitearem a extensão do plano a eles e o juiz do trabalho julgar legítima a pretensão. Mas isso, por si só, não invalida o plano como um todo e os valores já pagos aos beneficiados originários de forma desvinculada da remuneração. Apenas e tão-somente os interessados, inicialmente excluídos do plano, pleitearão a extensão dos benefícios por se julgarem indevidamente excluídos do ajuste, o que não é motivo bastante para a conclusão de que o plano como um todo constitui uma forma de evasão fiscal perante o INSS e que, nessa condição, deva ser completamente desconsiderado.

Acrescentaríamos que, ainda que não fossem consideradas PLR, tais parcelas não ostentariam natureza salarial, pois apenas os ganhos não eventuais é que integram a remuneração, inclusive para fins previdenciários. Nesse sentido a seguinte decisão do STJ em matéria tributária:

 

“A gratificação semestral equivale à participação nos lucros da empresa, cuja natureza jurídica é desvinculada do salário, por força de previsão constitucional (artigo 7º, XI), estando previsto na Lei de Sociedades Anônimas o pagamento da parcela, o que descarta a incidência da contribuição para a Previdência Social” (STJ – RESP 420.390/ PR, Rel. Min. Eliana Calmon, unânime, DJU de 11.10.04, p. 257).

Importante ressaltar que o Direito Tributário é regido pelo princípio da estrita legalidade e da tipicidade cerrada, como leciona Sacha Calmon Navarro Coelho: “O legislador, só ele, faz a lei tributária. E, em fazendo, deve dizer com claridade quais são os seu elementos, retirando ao aplicar a lei todo e qualquer subjetivismo. O tributo deve nascer de um fato tipo, um fato tipificado”[14]   

Nesta trilha é que, como observa Rubens Rafael Tonanni, a participação nos lucros desvinculada da remuneração devida ao trabalhador tem natureza jurídica de imunidade objetiva, colocada que é fora da esfera do poder tributante. A participação nos lucros ou resultados, diz o autor, é figura contratual, inerente ao moderno instituto da negociação coletiva. Para além dos rígidos esquemas salariais, os empresários oferecem e os trabalhadores conquistam, em comum, o resultado financeiro do empreendimento, fruto do esforço comum.[15]

Na prática cotidiana, há situações em que empregados são desligados antes do período de apuração e distribuição dos valores.

Algumas normas coletivas continham cláusulas dispondo sobre tais situações: algumas excluíam tais trabalhadores do recebimento da parcela por entenderem que o contrato de trabalho deveria estar em vigor no momento da distribuição; outras previam um pagamento de valores proporcionais aos meses trabalhados: e assim por diante.

O Judiciário interferiu na autonomia da vontade coletiva para dispor que é nula clausula de acordo coletivo ou de convenção coletiva que exclua, do plano, trabalhadores que não mais estavam em atividade no momento da distribuição, a despeito de terem contribuído para os resultados ao longo do período aquisitivo.

Eis decisão do TST nesse particular:
“PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DIRETA PRINCÍPIO DA ISONOMIA – ART. 122 DO CÓDIGO CIVIL – 1. O art. 2º, I, da Lei nº 10.101/2000 trata apenas da necessidade de a participação nos lucros e resultados ser estabelecida por negociação entre a reclamada e seus empregados, podendo ser formada comissão para esse fim. Não aborda, portanto, diretamente, a pretensão ora pleiteada pela embargante, referente à impossibilidade de pagamento proporcional da participação nos lucros e resultados ao reclamante que trabalhou durante oito meses do ano. Não há, por isso, violação direta ao art. 2º, I, da Lei 10.101/2000. Precedente desta Corte: E-RR 8623/2002-900-22-00.4. 2. Ademais, o Tribunal a quo consignou que a cláusula do acordo celebrado entre a reclamada e seus empregados era discriminatória e que importava em enriquecimento ilícito. 3. De fato, observa-se que a cláusula do acordo, nos termos relatados pelo Tribunal Regional, contraria o disposto no art. 122 do Código Civil, na medida em que sujeita seus efeitos ao arbítrio da reclamada, que pode dispensar seus empregados, mesmo tendo já auferido lucros durante o período em que vigeu o contrato de trabalho. 4. Assim sendo, por mais que o art. 2º, I, da Lei nº 10.101/2000 afirme que a participação nos lucros e resultados será realizada por negociação entre a reclamada e seus empregados, podendo ser formada comissão para esse fim, isso não significa, por si só, que as cláusulas firmadas sejam válidas, independentemente dos princípios que regem o direito do trabalho. Embargos não conhecidos. (TST – ERR 52.821/2002-900-22-00 – SBDI-1 – Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJU 19.05.2006).

O tema, ao final, foi consolidado na Orientação Jurisprudencial n. 390 da SDI 1 do TST nesse sentido: 390. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. RESCISÃO CONTRATUAL ANTERIOR À DATA DA DISTRIBUIÇÃO DOS LUCROS. PAGAMENTO PROPORCIONAL AOS MESES TRABALHADOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. (DEJT divulgado em 09, 10 e 11.06.2010) .Fere o princípio da isonomia instituir vantagem mediante acordo coletivo ou norma regulamentar que condiciona a percepção da parcela participação nos lucros e resultados ao fato de estar o contrato de trabalho em vigor na data prevista para a distribuição dos lucros. Assim, inclusive na rescisão contratual antecipada, é devido o pagamento da parcela de forma proporcional aos meses trabalhados, pois o ex-empregado concorreu para os resultados positivos da empresa.


A participação nos lucros é o pagamento feito pelo empregador ao empregado, referente à distribuição do resultado positivo alcançado pela empresa com a colaboração do empregado, que com sua força de trabalho contribuiu diretamente para a obtenção do lucro. Sendo assim, considerando-se o esforço, a dedicação e a contribuição do trabalho prestado, a jurisprudência do TST tem entendido que a parcela é devida independentemente da causa de rescisão do contrato (se dispensa sem justa causa, pedido de demissão, adesão à Plano de demissão voluntária (PDV) ou mesmo dispensa por justa causa): Tudo isso, ainda, à luz do princípio da isonomia, que tem orientado os julgados do TST nestes aspectos.

Mas discordamos da Orientação do TST se aplicada indistintamente a todas as situações. Com efeito, há planos de PLR que estabelecem que, não atingida certa meta, nenhum valor seria devido. Assim, diversos empregados na ativa podem não atingir a meta e não receberem nenhum valor. Se compararmos um empregado dispensado e um empregado na ativa que também não atingiu a meta, conceder PLR proporcional ao dispensado  e não àquele que permaneceu na empresa seria injusto. Em outros termos, a aplicação do princípio da isonomia para fins de possível concessão de pagamento proporcional de PLR deveria, em cada caso, considerar: (i) as regras específicas do plano; (ii) comparar eventuais empregados não apenas com empregados na ativa que atingiram as metas, mas também com aqueles que permaneceram em atividade sem atingir meta alguma, logo, sem receberem qualquer distribuição. Isso é uma questão de paradigma e parâmetro de comparação, essencial para a aplicação da regra da isonomia, nem sempre considerado a contento pelo Judiciário.

Situação que também atrai o tema da do princípio da isonomia é a de empregados afastados. Raríssimos são os planos de participação nos lucros e resultados que estendem suas vantagens aos empregados inativos. De fato, normalmente as negociações coletivas estabelecem que somente os empregados em efetivo exercício durante um determinado período é que farão jus a vantagem, previsão essa que não comporta interpretação ampliativa de modo a estender o benefício aos aposentados.

Os empregados afastados, salvo previsão expressa na norma coletiva, não poderão receber PLR por não estarem submetidos a metas, a objetivos e à produtividade.

Isso porque, de uma forma geral, o instituto da PLR é incompatível com a situação dos aposentados ou afastados do serviço temporariamente, dada a impossibilidade de os mesmos cumprirem metas e resultados, sendo certo que a finalidade precípua da lei 10.101/00 é promover a integração entre o capital e o trabalho, bem como incentivar a produtividade. Não se vislumbra, aqui, uma discriminação ilegítima. Trata-se de não conceder um efeito sem causa jurídica que o autorize. Sobre o tema, assim se posiciona a jurisprudência:

“Recurso de Revista. Participação nos Lucros. Norma Coletiva. A regra inserida em cláusula de instrumento coletivo, de que a vantagem só alcança os empregados em efetivo exercício em determinada data, há de ser respeitada e cumprida como restou convencionado, não comportando exegese elastecida ou mitigadora. O disposto no artigo 7º, inciso XXVI da CF, estatui como direito fundamental dos trabalhadores o reconhecimento das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho. A norma coletiva traduz um acordo de vontades entre as partes, devendo, assim, ser rigorosamente cumprida. Recurso de revista provido". (TST- RR n. 776.754/2001.5- 1ª Turma- Rel. Min. Maria de Lourdes D’Arrochella Lima Salaberry- DJ em 06.12.2002- pág. 516).

“Participação nos Lucros e Resultados prevista em Convenção Coletiva de Trabalho – Incentivo à Produtividade – Imprescindível a vigência da relação de emprego – Empregado Aposentado – Descabimento. A participação nos lucros ou resultados não se vincula à remuneração, ante sua natureza indenizatória, a rigor do artigo 7º, XI, da Constituição Federal, mas sim deve servir de instrumento de integração entre o capital e o trabalho, bem como, de incentivo à produtividade; assim, a existência de produção – o que supõe relação de emprego vigente – é condição sine qua non para a percepção da Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Incabível ao empregado aposentado, eis que a aposentadoria causa a extinção do contrato de trabalho e não a suspensão ou a interrupção do mesmo; além do que, as cláusulas benéficas devem ser interpretadas restritivamente (C. Civil, art. 1090)." (TRT 15ª Região – Acórdão: 007279/2000 DECISÃO: 13 03 2000 – RO NUM: 029576 ANO: 1998 – Quinta Turma – DOE DATA: 13-03-2000 – Relatora OLGA AIDA JOAQUIM GOMIERI).

Coloque-se uma indagação: empregados transferidos de uma para outra região , na primeira recebendo e na segunda não havendo PLR, terão direito de continuar ganhando esse pagamento? E os transferidos para outra empresa do grupo na qual não há PLR, deixarão de recebê-la?

O sistema sindical brasileiro é fundado em categorias, isto é, na mesma base territorial, não pode haver mais de um sindicato da mesma categoria e é esta que define qual é o sindicato que atua na representação dos trabalhadores (CLT, art. 570). A CF/88 manteve a categoria como critério para organizar sindicatos, ainda que sem sua fixação apriorística pelo Ministério do Trabalho e Emprego, antes efetuada pela extinta Comissão de Enquadramento Sindical. O que não significa que o enquadramento sindical seja um ato volitivo. Ao contrário, é automático, independe da vontade do trabalhador e é efetuado segundo a atividade preponderante do empregador (CLT, art. 511, §2º, 570). Decorre, como é sabido, da atividade preponderante de seu empregador e do local da prestação de serviços.

A esfera de representação dos trabalhadores, portanto, decorre do cruzamento de dois elementos: da atividade do empregador e da localidade da prestação de serviços.

Não por outra razão que o TST, ao discutir aplicação de norma coletiva convencional, limitou sua abrangência aos empregados da localidade do sindicato signatário do ajuste:

“Recurso de Revista. Acordo Coletivo. Abrangência. Base territorial. A empregadora que explora sua atividade empresarial em mais de um município e pretende entabular acordo coletivo abrangendo todos os seus empregados, deverá firmá-lo com todos os sindicatos que tenham base territorial nos municípios de sua atuação, não sendo possível estender a eficácia do acordo coletivo para trabalhadores que prestaram serviços em município que ultrapassa os limites territoriais de representação da entidade sindical que participou da negociação coletiva. Recurso conhecido, mas desprovido”. (TST- RR n. 494.287/1998.9- 2ª Turma- rel. Min Márcio Eurico Vitral Amaro- DJ em 06.12.2002- pág. 523).

O que se poderia dizer do enquadramento sindical de empregado transferido? A corrente jurisprudencial majoritária, com a qual concordamos, sustenta que o enquadramento sindical (para fins de aplicação de norma coletiva, estabilidade, contribuições sindicais, homologações etc) deve observar o critério “local de trabalho”, e não o local da “sede da matriz da empresa”. Mencionem-se as seguintes decisões:

“ENQUADRAMENTO SINDICAL. LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. O enquadramento sindical do trabalhador deve observar o local da prestação de serviços, sendo aplicável a convenção coletiva de trabalho firmada pela entidade sindical que representa a categoria na cidade onde o empregado prestou regularmente as suas atividades.” (TRIBUNAL: 12ª Região – ACÓRDÃO NUM: 10202  DECISÃO: 04 09 2001 – RO-V   NUM: 01780   ANO: 2001 – NÚMERO ÚNICO PROC: RO- Segunda Turma – DJ/SC   DATA: 11.10.2001   PG: 238 – Relator Juiz JOSÉ CAETANO RODRIGUES).

Em suma: a base territorial do sindicato é fixada pelo local de prestação de serviços e não daquele onde sediada a empresa. Nesse sentido, se o empregado for transferido, passa a ser representado por outro sindicato, de outra base geográfica e o enquadramento sindical, que em nosso modelo é automático, assim se procede.

Como quem representa os trabalhadores em cada unidade/filial é o sindicato local, nos termos do artigo 2º da Lei 10.101/2000, entendemos que o plano de participação nos lucros ou resultados apenas se aplica aos empregados da localidade da prestação de serviços. Se o empregado é transferido, passará a ser representado por outra entidade sindical. Se, no novo local, inexiste norma coletiva prevendo o direito à PLR, nada a esse título será devido ao empregado. Isto porque, a lei da participação nos lucros ou resultados ao tratar da comissão (art. 2º, II), apesar de dar liberdade para as partes escolherem seus membros, determina que a comissão deve ser integrada por um representante do sindicato da “respectiva categoria”.

A participação dos empregados nos lucros da empresa, no Brasil, ainda apresenta pontos nebulosos ainda não resolvidos a contento pela jurisprudência, fator de grave insegurança jurídica. Os propósitos da lei são interessantes: às empresas, constitui uma forma de remuneração estratégica e melhoria de competitividade no mercado; e aos empregados, como um ganho adicional desvinculado da remuneração e com incentivos fiscais.

O aprimoramento do instituto, em nosso país, depende, contudo, de duas mudanças estruturais. A primeira é o estabelecimento de diretrizes unificantes entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal sobre o tema, pois nem sempre o entendimento trabalhista coincide com o dos auditores fiscais do INSS, fato que pode desestimular o instituto entre os envolvidos. A segunda é a de uma reforma sindical que garanta sindicatos verdadeiramente livres, genuínos e representativos de suas bases, inclusive com enraizamento no local de trabalho, desenvolvendo uma estratégia de participação na gestão da empresa, tudo com o intuito de maior proximidade, acesso a balanços, direito de informação nas negociações coletivas e boa-fé entre os interlocutores sociais.


[1] GOMES, Júlio Manuel Vieira. Direito do Trabalho. Volume I. Relações Individuais de Trabalho. Coimbra: Coimbra Editora: 2007, pp. 764-765.

[2] CF/1967, Art. 158: “A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: V. integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, nos casos e condições que forem estabelecidos.”

[3] Para uma compreensão aprofundada deste aspecto, ver nosso artigo: "Acordo direto entre grupo inominado de trabalhadores e empregador", Revista LTr n.º 7, ano 71, julho de 2007.

[4] MARTINS, Sérgio Pinto. “Participação dos empregados nos lucros das empresas”. São Paulo: Ed. Atlas, 2000, p. 95-96; 117

[5] SILVA, Ciro P. da. “A hora e a vez do salário variável. A participação dos empregados nos lucros ou resultados da empresa”. São Paulo: LTr, 1999, p. 136.

[6] Op. cit. pp. 128 – 133.

[7] ROMITA, Arion Sayão. “A participação nos lucros à luz das medidas provisórias. In: Trabalho e Processo. São Paulo. n. 6. set. 1995, p. 14-16.

[8] SILVA, Eduardo Azevedo da. “Sobre a participação dos trabalhadores no lucro e nos resultados”. Trabalho & Processo, setembro de 1995. p. 27.

[9] CUNHA, Sólon de Almeida. Da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa. Saraiva. São Paulo, 1997, p. 139.

[10] JOÁO, Paulo Sérgio. Participação nos Lucros ou resultados das empresas. Dialética. São Paulo, 1998. p. 50.

[11] GONZALES, Ismal. Participação dos empregados nos lucros ou resultados como meio de sua integração na empresa. Tese de Doutorado, Faculdade de Direito da USP, 1999. p. 186.

[12] CARDONE, Marly A. “Mecanismos de aferição das informações constantes dos planos de participação nos lucros ou resultados”. In: Participação dos empregados nos lucros. Valdir Oliveira Rocha (coord.). São Paulo: Dialética, 1995, p. 35.

[13] MELLLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Ed. Malheiros, 2000, p. 18 e 21.

[14] COELHO, Sacha Navarro. “Reflexões sobre a hipótese de incidência dos tributos”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 8. São Paulo: Dialética, 1996, p, 115.

[15] TONANNI, Rubens Rafael. “Participação os lucros ou resultados”. In: Revista de Previdência Social n. 325, dezembro de 2007, p. 1043-1044.

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