Inelegibilidade eleitoral

Decisão sobre contas de campanha desagrada advocacia

Autor

3 de março de 2012, 7h10

O entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, de que são inelegíveis os candidatos que tenham as contas de campanhas desaprovadas, desagradou a advocacia especializada. Em suma, argumentam que houve interpretação equivocada da lei eleitoral e que o TSE não tem competência para deliberar sobre elegibilidade, o que deveria ser feito pelo Poder Legislativo.

O TSE decidiu, nesta quinta-feira (1º/3), por 4 votos a 3, que para concorrer às eleições municipais deste ano não basta aos candidatos terem apresentado as contas de campanha das últimas eleições (2010), é necessário também que os números tenham sido aprovados. Ou seja, o candidato que não tiver as contas da última eleição concorrida por ele aprovadas, será impedido de efetuar seu registro de candidatura para a próxima eleição que decidir disputar. Os ministros do TSE consentiram, contudo, que, em caso de atraso na avaliação das contas pela Justiça Eleitoral, o candidato não poderá ser impedido de concorrer.

“Um absurdo.” Foi assim que reagiu o advogado Hélio Silveira à decisão da Justiça Eleitoral que será aplicada já nas eleições deste ano. “Trata-se de uma afronta à Constituição por via transversa. É uma tentativa de criar uma inelegibilidade que só poderia ser criada por determinação constitucional ou lei complementar”, critica.

O especialista em Direito Eleitoral ainda ressalta que a mera reprovação de contas não significa nada por si só, nem indica a existência de um crime ou irregularidade. Ele explica que uma conta pode ser reprovada pela simples inobservância de aspectos meramente formais, como um erro de preenchimento de uma nota fiscal. Hélio Silveira acredita que esta medida pode prejudicar os candidatos com menos recursos financeiros, já que estes não têm condições de contratar um profissional para elaborar as contas de campanha.

Alberto Rollo, advogado e presidente do Instituto de Direito Político Eleitoral e Administrativo (Idipea), também acredita que os candidatos com menos dinheiro serão os mais prejudicados. Ele explica que, de acordo com os próprios tribunais, 90% das contas que não são aprovadas, são indeferidas em virtude de pequenos erros de ordem material.

O advogado explica que o TSE não pretende impugnar o registro de candidatura apoiado diretamente na reprovação das contas, mas sim na ausência da quitação eleitoral, geradas pelas contas não aprovadas. Para ele, este entendimento é “falacioso”, uma vez que contraria explicitamente a vontade do legislador quando da redação da Lei 9.504/1997, alterada pela Lei 12.034/2010, que discrimina as hipóteses de negativa de quitação eleitoral, não contemplando a “não aprovação de contas de campanha”.

Já o advogado especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, Eduardo Nobre, acredita que a razão do entendimento é justa, mas a forma, errada. Ele relaciona dois pontos relevantes na aplicação deste entendimento. O primeiro é que ele muda a situação jurídica de pessoas que até o dia anterior ao da decisão estavam elegíveis, e agora, não estão mais. O segundo é que pelo que se pôde constatar no julgamento, o acórdão não definirá o tempo em que se perdurará a restrição. “Ambos os casos podem trazer insegurança jurídica”, disse o advogado.

O advogado ainda aponta que, por mais que o TSE tenha um poder híbrido, pois tem poder normativo e de regulamentação das eleições, esta deliberação por fim acaba estabelecendo um critério indireto de elegibilidade (ter as contas aprovadas), e que neste caso, seria uma reserva legal do Poder Legislativo.

Apoio ao TSE
“É necessário que a prestação de contas tenha consequências”, defendeu o subprocurador do Ministério Público Eleitoral de São Paulo, André Carvalho Ramos. Para ele, o TSE chegou a um entendimento que já deveria ter tomado antes, já que o anterior esvaziava o instituto da prestação de contas.

Para o subprocurador, a recente interpretação só não é correta como legal. Ele ressalta que a composição do TSE, diferentemente de como é em outros tribunais, é alterada constantemente, já que seus membros são indicados para mandatos de dois anos, podendo ser prorrogados por mais dois. “Isso permite um número maior de alterações de entendimentos, como ocorreu há algum tempo atrás em que se mudou o entendimento de que estes tribunais poderiam quebrar sigilo fiscal administrativamente. As mudanças de posições na Justiça eleitoral são mais comuns, e neste caso, acredito que foi correta.”

André Carvalho Ramos salienta que a leitura da lei não traz uma interpretação tão clara de que para ser elegível o candidato deve apenas apresentar as contas, como defendem os derrotados no julgamento. “Se a interpretação fosse tão clara, não teria havido um julgamento, mas sim um mero protocolo”.

No entanto, o subprocurador acredita que dado este passo, o TSE deve se preparar para uma alteração mais profunda na forma como analisa as contas de campanhas, saindo de uma análise meramente formal e de amostras (pois nem todas as contas são analisadas) e buscando o debate sobre o financiamento de campanhas.

“O TSE não tem estrutura para analisar e fiscalizar de forma satisfatória as contas, sobretudo as doações de campanha. Agora que a reprovação das contas pode gerar inelegibilidade, é importante decidir em que situações se pode pedir a quebra de sigilo e buscar ferramentas que possibilitem investigar se toda a receita da campanha esta na prestação de contas, e não em um caixa dois.”

Para o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, e ex-presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Walter de Almeida Guilherme, este entendimento condiz com a boa aplicação do Direito, já que deixar de apresentar as contas implica em restrição para a candidatura, a apresentação não aprovada também assim deveria ser.

Entendimento do TSE
“O candidato que foi negligente e não observou os ditames legais não pode ter o mesmo tratamento daquele zeloso que cumpriu com seus deveres. Assim, a aprovação das contas não pode ter a mesma consequência da desaprovação”, disse Nancy Andrighi ao reafirmar que quem teve contas rejeitadas não está quite com a Justiça Eleitoral.

Ela destacou ainda que existem mais de 21 mil candidatos que tiveram contas reprovadas e que se encaixam nessa situação.

Por essas razões, a ministra sugeriu a inclusão de um dispositivo na resolução para se adequar ao novo entendimento. O dispositivo a ser incluído já estava previsto na Resolução 22.715/2008 (artigo 41, parágrafo 3º) e prevê que “a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral”.

Na versão anterior, esse dispositivo previa que o candidato ficaria impedido de receber tal quitação durante todo o curso do mandato ao qual concorreu. Mas a maioria dos ministros decidiu não estabelecer o tempo do impedimento, que será analisado caso a caso.

Nesse sentido formaram a maioria as ministras Nancy Andrighi, Cármen Lúcia, juntamente com o ministro Marco Aurélio e o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!