Guerra tributária

Estados buscam regularizar redução de ICMS

Autor

  • Maurício Pereira Faro

    é advogado tributarista do escritório Barbosa Müssnich & Aragão Advogados e professor de Pós-Graduação em Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas Universidade Candido Mendes e Universidade Federal Fluminense

2 de março de 2012, 14h59

Inicialmente devemos salientar que dentre as matérias relacionadas à competência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que não se restringe tão somente à autonomia dos estados, está a concessão de isenções e eventuais benefícios fiscais, cuja instituição deve ser regulada por lei complementar específica, conforme podemos depreender da leitura do art. 155, § 2.º, inciso XII, alínea g[1], da Constituição da República Federativa do Brasil.

Por seu turno, a Lei Complementar 24/75, em seu artigo 1º[2] estabeleceu que os Estados devem celebrar convênios em reuniões com a presença de representantes da maioria das Unidades Federadas para tratar de: isenções; redução de base de cálculo; devolução parcial ou total, direta ou indireta, condicionada ou não, de tributo; concessão de créditos presumidos e quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no ICMS, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta do respectivo ônus.

O objetivo da norma ao estabelecer a necessidade de convênio para a concessão de benefícios fiscais é coibir a denominada “guerra fiscal” entre os estados que, por meio da concessão de incentivos fiscais reduzem a carga tributária e buscam atrair investimentos.

A referida prática é implementada por meio de concessões de benefícios fiscais, financeiros e de infraestrutura para as empresas interessadas em investir ou transferir seus investimentos para o estado concessor do benefício.

Registre-se que a inobservância dos dispositivos contidos na Lei Complementar 24/75 implica, cumulativamente, em: nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.

Todavia, não obstante a previsão expressa no texto constitucional, diversos estados brasileiros têm concedido benefícios fiscais ao longo dos últimos anos sem a edição de convênio entre os estados.

Em razão de tal fato, diversas leis estaduais tem sido objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, ajuizadas por estados da federação que sofreram os prejuízos decorrentes da “guerra fiscal”.

Em recente julgamento, o Plenário do STF analisou diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade e concluiu, por unanimidade, declarar inconstitucionais 14 leis de estados brasileiros em razão da inobservância do dispositivo constitucional que estabelece a necessidade de convênio entre os estados para a concessão de reduções e isenções fiscais à empresas e setores econômicos relativos ao ICMS. Foram julgadas inconstitucionais, por unanimidade de votos, leis de seis estados: Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Espírito Santo e Pará e do Distrito Federal.

O STF também considerou inconstitucional a concessão de vantagens fiscais, sem convênio entre os estados nos casos de circulação de mercadorias e serviços entre estados e na importação de bens do exterior (nesse caso, possivelmente concedidas por Decreto Estadual).

Em razão dos referidos julgamentos todos os benefícios fiscais que foram declarados inconstitucionais serão anulados, cabendo, inclusive, a constituição e cobrança dos créditos tributários em face dos contribuintes que haviam aderido aos programas de benefícios fiscais.

Assim, o julgamento não se aplica ainda aos benefícios que, mesmo desrespeitando a necessidade de edição de Convênio, ainda não foram objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Por seu turno, muito embora o Plenário do STF tenha analisado apenas pontualmente 14 ADIs, o entendimento acerca da discussão já restou sedimentado acerca da impossibilidade de concessão de benefícios fiscais sem a edição de convênio pelos estados, sendo certo que as outras ADIs deverão ser julgadas no mesmo sentido.

A grande questão decorrente do julgamento da matéria pelo STF é o prejuízo que será gerado aos contribuintes que, de boa fé, se aproveitaram de benefícios fiscais implementados pelos estados e que agora terão constituídos contra si os créditos tributários decorrentes do aproveitamento dos referidos benefícios fiscais.

Em face da repercussão da matéria, bem como do impacto que o julgamento trará para os contribuintes, muitos estados já estão se mobilizando para a edição de um convênio com o objetivo de regularizar os incentivos fiscais que foram considerados inconstitucionais pelo STF.

A validação desse convênio evitaria que as empresas que foram beneficiadas com a redução do ICMS para fazer investimentos nos estados tenham que recolher o tributo, com alíquota cheia, retroativamente, reconhecendo a proteção da confiança dos contribuintes que se aproveitaram dos referidos benefícios fiscais.


[1] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2.° O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)XII – cabe à lei complementar:
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

[2] Art. 1º – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Parágrafo único – O disposto neste artigo também se aplica:
I – à redução da base de cálculo;
II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros;
III – à concessão de créditos presumidos;
IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;
V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data. 

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    é advogado tributarista do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados e professor de Pós-Graduação em Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas, Universidade Candido Mendes e Universidade Federal Fluminense

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