Mensalão na pauta

"É legítimo que Lula queira mudar data de julgamento"

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31 de maio de 2012, 14h35

“Os três erraram, os três erraram. Seria bem mais razoável o ministro Gilmar Mendes ter recebido o ex-presidente no próprio Supremo, como eu recebo, por exemplo. Em meu gabinete recebo políticos, recebo advogados, recebo partes.” Quem afirma é o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, sobre o encontro entre o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Gilmar Mendes.

Em entrevista ao "Poder e Política – Entrevista", programa do UOL e do jornal Folha de S.Paulo conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues, o ministro Marco Aurélio disse, ainda, ser "legítimo" e "normal" que o ex-presidente Lula manifeste opinião sobre a data que considera mais conveniente para o julgamento do mensalão, como noticiou reportagem da revista Veja.

"Admito que o ex-presidente da República, pudesse estar preocupado com a simultaneidade, a realização do julgamento no mesmo semestre das eleições”, disse.

Leia abaixo a entrevista:

Alguém errou nesse episódio do encontro entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes no dia 26 de abril [de 2012] no escritório de Nelson Jobim?
Marco Aurélio — Está tudo errado, né? A meu ver, [há] erro quanto à localização do encontro, erro quanto ao encontro em si e erro quanto ao que foi realmente veiculado, [o que] foi dito pelo ex-presidente Lula.

Os três erraram?
Marco Aurélio — Os três erraram, os três erraram. Seria bem mais razoável o ministro Gilmar Mendes ter recebido o ex-presidente no próprio Supremo, como eu recebo, por exemplo, em meu gabinete recebo políticos, recebo advogados, recebo partes. Admito que o presidente da República, o ex-presidente da República, pudesse estar preocupado com a simultaneidade, a realização do julgamento no mesmo semestre das eleições. Isso aí é aceitável. Por que é aceitável? Primeiro porque é um leigo. Leigo na área do direito, na área da política não. Segundo porque, no caso, ele integra o partido, já se disse que ele é o partido, é o PT, né? Portanto, se o processo envolve pessoas ligadas ao PT, obviamente, se ocorrer uma condenação, repercutirá nas eleições municipais. Agora…

O senhor acha legítimo um ex-presidente da República dizer a um ministro do Supremo que considera impróprio julgar determinada causa em determinada época?
Marco Aurélio — Acho legítimo, acho normal. Ele próprio já tinha exteriorizado isso, já tinha dito isso anteriormente, né? Não sei aí o grau de ligação dele com o ministro Gilmar. Agora, é claro que nós estamos sempre prontos, nós juízes, a ouvir, e decidimos de acordo com o nosso convencimento.

Agora, ainda que o encontro tivesse sido realizado nas dependências do Supremo Tribunal Federal, de maneira oficial, é apropriado ministros do Supremo receberem então ex-presidentes da República, ou até vice-versa, para tratarem de causas que estão ali dentro do Supremo?
Marco Aurélio — Vamos esclarecer bem. Eu penso que o ex-presidente Lula não tratou do mérito do processo-crime. O que ele fez foi revelar que não seria bom, em termos eleitorais, o julgamento do processo no segundo semestre de 2012.

Isso não seria minimizado se os ministros do Supremo e, de certa maneira, todos os juízes brasileiros passassem a publicar de maneira detalhada a lista das pessoas que recebem, que os visitam, para efeito de mais transparência?
Marco Aurélio — Alguns procedem a essa publicação no sítio do tribunal na internet. Outros não procedem.

Qual é a sua opinião?
Marco Aurélio — A minha opinião é que a transparência é saudável em se tratando de administração pública. Muito embora, por exemplo, a minha agenda não seja publicada. Muito embora seja uma agenda pública. Eu recebo no gabinete, né… E, agora mesmo a "Folha" indagou quantas vezes eu teria recebido, num espaço de tempo, o senador Demóstenes Torres. Eu disse duas vezes. E me esqueci do TSE. Porque no TSE eu o recebi umas três vezes, ele foi defender a Lei do Ficha Limpa. Ou seja, o tempo do verbo na Lei do Ficha Limpa.

O senhor falou sobre o ex-presidente Lula nesse episódio no dia 26 de abril. Com relação ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que também deu várias explicações em público, as explicações do ministro Gilmar sobre esse episódio foram adequadas e suficientes?
Marco Aurélio — O ministro Gilmar Mendes é um homem de uma experiência maior. Ele foi integrante do Ministério Público Federal, ele participou de trabalho desenvolvido no gabinete civil da Presidência da República, foi presidente do Supremo e é um juiz com uma percepção muito grande dos fatos. Eu só não entendi o espaço de tempo, inicialmente não tinha entendido, entre o ocorrido, o encontro, e a divulgação do encontro. Mas soube, hoje os jornais publicam, que alguém estaria vazando informações. Ele aí se adiantou para realmente escancarar o episódio.

Então o senhor acha que foi apropriada a atitude dele de vir a público e dar entrevistas relatando o episódio?
Marco Aurélio — Não sei. Porque de início, há contatos que não se divulga. Quando você tem um contato, por exemplo, com o mandatário maior da nação, que é o presidente da República, você sai do encontro não para divulgar o que ocorreu, a menos que fique combinado. Você recebe informações, administra essas informações e dá a elas o valor que elas realmente têm. Agora, é claro que nós não julgamos um processo a partir de informações obtidas. O que não está no processo não existe no mundo jurídico em termos de pronunciamento judicial. É o que eu falo sempre. Processo para mim não tem capa. Processo tem conteúdo. E a cadeira no Supremo é vitalícia, justamente para nós atuarmos com absoluta independência. Eu, por exemplo, estou judicando e julgando em colegiado há 33 anos. E digo sempre, se o teto, com o meu voto, tiver que cair sobre a minha cabeça, vai cair. Porque vou me pronunciar segundo a ciência e consciência possuídas e nada mais.

O ministro Gilmar Mendes se antecipando ao que ele declarou ser uma onda de boatos, revelou viagens que teve e revelou também que, em duas oportunidades utilizou-se de aviões cedidos ou providenciados pelo senador Demóstenes Torres em viagens de Brasília até Goiânia. Um ministro do Supremo pode pegar carona em um avião sem saber exatamente quem está pagando por aquela viagem, aquela aeronave?
Marco Aurélio — Ele utilizou a aeronave com respaldo. Que respaldo foi esse? O senador Demóstenes Torres até então era um homem acima de qualquer suspeita. E aí não cabe, realmente, desconfiar da origem em si do serviço a ser prestado. Agora, é claro que precisamos, principalmente nós que devemos de uma forma mais acentuada contas à sociedade, aos contribuintes, ter uma certa cautela. Ele mesmo revelou que viajou, viajou com o ministro Toffoli, viajou com a ministra Nancy Andrighi, e foi para uma solenidade em Goiás, a distância não é tão grande assim. E a aeronave [foi proporcionada] porque não sabemos como, porque não me consta que o senador Demóstenes tenha aeronave, proporcionada pelo senador, que era um homem no qual se podia confiar, porque não havia qualquer acusação contra ele.

A esse propósito, juízes no Brasil têm o hábito de participar de encontros de magistrados que são muitas vezes patrocinados por empresas ou entidades que têm causas importantes no Poder Judiciário. Essa liberdade para participar desses eventos é boa ou deveria haver uma regulamentação mais rígida?
Marco Aurélio — O contato é importante. Até para se perceber a angústia. A angústia dos seguimentos, da economia, angústia das pessoas. Eu, por exemplo, eu atendo sempre aos convites da Academia Paulista de Magistrados. Mas vou para fazer a palestra, geralmente abrindo ou fechando o simpósio, ou congresso, ou seminário, e retorno imediatamente. Não me valho em si do evento para, por exemplo, passar um fim de semana em local aprazível. Agora, claro que há o patrocínio de empresas, porque a magistratura em si não conta com recursos para feitura desses congressos.

Não seria o ideal que a magistratura procurasse uma forma, perseguir o orçamento para fazer de uma maneira mais independente esses encontros?
Marco Aurélio — Os encontros estritamente técnicos sim, para se cuidar do dia a dia do Judiciário. Mas o que nós temos geralmente é o encontro acadêmico para se dialogar, para trocar ideias, para se refletir, considerados diversos seguimentos.

Essa crise entre Gilmar e o ex-presidente Lula amplia algumas divisões internas que existem no Supremo ou até cria um clima mais forte de união entre os senhores?
Marco Aurélio — Mais do que nunca, os holofotes estarão dirigidos para o Supremo. O que nós esperamos é que cada qual… Eu julgo os colegas por mim… Cada qual atue com a independência e a coragem, que é a síntese de todas as virtudes. Agora, eu também não entendo por que cogitar-se de proteção ao ministro Gilmar Mendes. O ministro Gilmar Mendes não está sendo investigado na CPMI. Na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. O ministro Gilmar Mendes é um homem que ocupa uma cadeira da maior respeitabilidade. Pronuncia-se sobre atos da Presidência da República, sobre atos do Congresso Nacional, das duas Casas do Parlamento, pronuncia-se sobre questões muito relevantes. Não sei a origem do que foi extravasado de que o presidente teria, em contrapartida à interferência dele para não se julgar o mensalão no semestre das eleições, teria sinalizado, vamos falar assim, com proteção. Proteção contra o quê? A meu ver não há nada contra o ministro Gilmar Mendes.

Mas o senhor enxergou nesse episódio uma tentativa do ex-presidente Lula de, como diz o ministro Gilmar, de melar o julgamento do mensalão?
Marco Aurélio — Não, eu não consigo imaginar porque não raciocino com o extravagante, com o excepcional, que a intenção do ex-presidente Lula fosse essa. Ele apenas, pelo que percebi, exteriorizou uma preocupação quanto ao momento em que seria julgado o processo. E será julgado realmente no segundo semestre. Reafirmo que o Supremo não está engajado em qualquer política partidária, muito menos em qualquer política governamental.

Agora, e essa preocupação do ministro Gilmar Mendes, que está dizendo que ele está sendo atacado por uma central de boataria que visa desmoralizado e, por extensão desmoralizar o Supremo. O senhor enxerga esse tipo de cenário também?
Marco Aurélio — Não. Eu não consigo perceber uma orquestração para fragilizar um integrante do Supremo. Talvez ele tenha extravasado essa concepção num argumento retórico para escancarar o quadro.

Como anda a sua relação com o ministro Gilmar, ministro Marco Aurélio?
Marco Aurélio — Hoje não é boa, né…

Por que, ministro?
Marco Aurélio —…e eu pediria para não tocar nesse assunto. A nossa relação é uma relação estritamente institucional.

Como é a relação dos ministros ali? A gente tem a informação de que sempre há várias divisões dentro da Suprema Corte e muitos ministros estão com relações pessoais quase que inexistentes. É isso mesmo?
Marco Aurélio — Fernando Rodrigues, um colega já disse que o Supremo é composto de ilhas. Nós não temos uma convivência social maior. Não sei se em decorrência do fato de compormos colegiados e, nos colegiados, nós termos a divergências. Mas a divergência, eu costumo dizer, ela deve ficar restrita ao campo processual, ao campo das ideias jurídicas, não podendo descambar para o lado pessoal. Mas, infelizmente, já até se proclamou que o colegiado é um ninho de víboras.

O senhor concorda com essa descrição?
Marco Aurélio — Não. Eu não concordo. Às vezes há aqueles que têm uma alto estima maior e que não gostam de ser contrariados quando chegam com um voto confeccionado exteriorizando uma certa ideia. E a divergência é uma constante no Judiciário. O colegiado é um órgão democrático por excelência. Prevalece a corrente majoritária, não minoritária.

Quando deve, de fato, ser julgado o caso do mensalão?
Marco Aurélio — O processo não está aparelhado para julgamento. Estará aparelhado para julgamento quando o revisor, é o tipo da ação que se tem o revisor, geralmente só se tem o relator atuando, quando o revisor se declarar habilitado a votar. Então o processo vai à Presidência, e a Presidência o faz público na pauta do Diário da Justiça, diário eletrônico e o inclui na denominada "pauta dirigida", que é a pauta do sítio do tribunal na internet. Eu creio que o ministro Lewandowski está se debruçando, se esforçando para liberar o processo e a responsabilidade dele é muito grande, é um processo muito volumoso porque, infelizmente, nós ficamos com os 38 acusados no Supremo, embora a maioria maciça não goze da prerrogativa de ser julgada pelo Supremo, liberará este processo até o final de junho. E aí ele estará pronto para realmente ser submetido ao colegiado em agosto.

O senhor já se informou sobre o processo, já leu?
Marco Aurélio — Recebi o relatório do ministro Joaquim Barbosa, muito bem confeccionado. Levei esse relatório de cento e poucas folhas para o Rio de Janeiro nas férias últimas e procedi a leitura. E o meu gabinete está reunindo material, fazendo pasta em relação a cada acusados para eu ter elementos, elementos para formar a minha convicção. Agora, terei que ouvir, de qualquer forma, a acusação, terei que ouvir a defesa de cada um dos acusados e terei que ouvir o relator e o revisor. Eu costumo sempre, quando eu não sou relator de processo, nem revisor, eu não levo o voto confeccionado. Eu costumo votar de improviso e vou fazendo minhas anotações na bancada.

Dado o número de réus neste caso, o ministro Ayres Britto, presidente do Supremo, tem dito que pode durar até cerca de dois meses esse julgamento. É mais ou menos o seu entendimento também?
Marco Aurélio — Eu fique assustado porque numa das últimas sessões, não só na jurisdicional, como também na administrativa, o ministro Joaquim Barbosa, relator, adiantou que o voto dele tem cerca de mil e poucas folhas. Ele fará o resumo do relatório, distribuirá o relatório integral como já distribuiu o provisório aos ministros e também às partes. Agora, surge uma outra preocupação.

Qual é?
Marco Aurélio — Esse processo para mim é um processo como tantos outros que nós já julgamos no Supremo. Nós vamos suspender a jurisdição em termos de plenário durante dois meses? Ou seja, os cidadãos em geral que estão aguardando o julgamento de processos em que [estão] envolvidos ficarão sem a jurisdição nesses dois meses? Nós temos que organizar a coisa até certo ponto e temos que nos lembrar que nós não compomos uma academia. Vamos ser objetivos em nossos votos. Vamos sem prejuízo do bom julgamento, o julgamento fundamentado, utilizar o poder de síntese.

Aventou-se a possibilidade de utilizar o recesso forense de julho para, eventualmente, julgar o mensalão. O senhor é a favor ou contra?
Marco Aurélio — Contra. Porque seria emprestar a este processo algo que não se coaduna com o dia a dia do Judiciário, um procedimento especial. Para mim, esse processo é um processo como tantos outros. E que deve ser julgado porque, no campo penal, a passagem do tempo tem efeito incrível que é de levar à prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Por falar em prescrição, na avaliação do ministro relator, Ricardo Lewandowski, algumas penas inevitavelmente serão prescritas nesse caso do mensalão. Aí não fica ruim para o Poder Judiciário, para o Supremo em si, que ao julgar algumas penas que poderiam ser aplicadas já estejam prescritas?
Marco Aurélio — Pagaremos pelo sistema existente. Pagaremos um preço, se isso ocorrer, eu espero que não ocorra.

Mas já não teriam ocorridos algumas?
Marco Aurélio — Pelo fato de não termos desmembrado esse processo, por termos empreendido a instrução do processo mediante cartas de ordem que, evidentemente, não são cumpridas de imediato e cartas de ordem para todos os rincões do país. Agora, também me preocupa a problemática da prescrição. Nós não podemos fixar pena para fugirmos à incidência da prescrição, não cabe conta de chegar. E outra coisa né, teremos que compreender que haverá fixação da pena e que os critérios para fixação são objetivos, mas também são subjetivos. E variam segundo o rigor ou o perfil garantista, progressista do julgador. Pergunto eu: o que nós teremos quando chegarmos, se houver condenação, à fixação das penas? Uma feira livre? Cada qual levantando o dedo e entendendo que as circunstâncias judiciais são favoráveis, as circunstâncias judiciais que majoram a pena base são contrárias ao acusado? Isso tudo nós teremos que nos policiar para chegarmos a um entendimento no menor espaço de tempo possível. É o que aguarda a sociedade.

O senhor está falando da sociedade, eu ia perguntar se mesmo entendo que esse processo do mensalão, como o senhor diz, tem que ser visto pelos senhores como qualquer um outro, deve ter o mesmo tratamento, se pela relevância política também deste caso o Supremo não deveria fazer um sacrifício extra para acelerar. E, lembrando, que o senhor disse no julgamento das cotas do Pro-Uni que o seu compromisso não é com o politicamente correto, queria que o senhor explicasse isso.
Marco Aurélio — O nosso dever, já que a nossa atuação é uma atuação vinculada ao direito posto, é de preservar a lei maior do país, que é a Constituição Federal, lei que precisa inclusive ser um pouco mais amada pelos brasileiros, especialmente pelos homens públicos… Lei que precisa inclusive gozar de uma certa estabilidade, parece um documento provisório. Hoje, passados 23 anos da vigência da Carta de 1988 nós já temos cerca de 74 Emendas Constitucionais.

É bom ou ruim essa existência desse dispositivo legal chamado foro privilegiado? Ou o Congresso talvez devesse até eliminar esse dispositivo?

Marco Aurélio — Em primeiro lugar, todo privilégio é odioso. Em segundo lugar, nós temos realmente a competência para essas ações penais contra parlamentares, contra outras pessoas. Mas é uma competência de direito estrito, é o que está na Constituição Federal e nada mais. O cidadão comum, ele tem como juiz natural a primeira instância. E aí, evidentemente, ele acaba jogando inclusive com a tramitação do processo. E com o tempo, já que o processo, ele percorre patamares do Judiciário. Não é republicano ter-se um tratamento diferenciado. Aí se diz que a prerrogativa de foro visa proteger o cargo, tanto que deixando o mandato ou o cargo, aquele que o ocupava perde a prerrogativa de foro. Mas evidentemente quem atua na primeira instância também é o Estado Juiz, também é o órgão equidistante e precisamos tanto quanto possível observar o tratamento igualitário dos cidadãos. Eu particularmente sou contra a prerrogativa de foro, agora, tenho que observá-la porque está na Constituição Federal e o meu dever é evidentemente torna-la efetiva.

Observando essa prerrogativa de foro, que é constitucional, há um caso agora, que vai ser muito relevante, que é esse sobre a CPI do Cachoeira, como se diz, em que provas foram coletadas e há dois argumentos. O argumento de quem coletou as provas, a Polícia Federal, o Ministério Público dizendo que houve encontros fortuitos com cidadãos que tinham o foro privilegiado, como senador Demóstenes Torres. E ha o argumento de todos os réus dizendo que não, que quando houve a primeira, a segunda ligação captada com alguém que tinha privilégio de foro, aí tudo deveria ter sido parado. O senhor já se debruçou sobre esse tema? Esse é um tema polêmico, o que o senhor acha dele?

Marco Aurélio — Com a sua perspicácia, Fernando Rodrigues, me coloca em uma situação um pouco delicada. Porque eu vou ter que julgar a matéria. Agora, precisamos distinguir. Logicamente, aparecendo o envolvimento de detentor de prerrogativa de foro em uma investigação, a investigação não pode ser capitaneada pelo juízo ou pela primeira instância. Essa é a prática. Agora, nós precisamos saber, e perceber, que o objetivo da investigação, não era levantar dados contra o senador Demóstenes Torres. E aí apreciar no conjunto a matéria.

Nesse caso em específico, o senhor ainda não se debruçou sobre o caso para saber em qual categoria se encaixaria?
Marco Aurélio — Não. Eu ainda não tenho os elementos concretos, ainda não formei juízo a respeito. Com um detalhe: perdendo o senador Demóstenes Torres a prerrogativa de foro, o inquérito não estará mais no Supremo.

Mas o fato de ele ter tido a prerrogativa de foro no momento em que as ligações foram captadas ainda dá a ele esse argumento de que houve uma impropriedade?
Marco Aurélio — Foi o que eu disse. Quando surgem dados concretos de um possível envolvimento em prática delituosa, prática criminosa do detentor, há de haver o deslocamento. Nós temos que perceber se realmente surgiram esses elementos e se continuou o inquérito na primeira instância. Ele acabou sendo deslocado. Não foi deslocado para o Supremo? Deslocado porque chegaram à conclusão de que os dados já seriam suficientes para redirecionar a investigação.

Queria fazer uma pergunta para o senhor sobre uma percepção que a população tem em relação ao Supremo Tribunal Federal, ao Poder Judiciário, no que diz respeito ao padrão médio de comportamento desse Poder na comparação com os outros dois. Teve um episódio recente, rumoroso, no qual o ministro Joaquim Barbosa fez uma acusação gravíssima, pública, contra o então presidente do Supremo, Cezar Peluso. É tão grave que eu vou ler aqui as aspas. Ele disse: "Peluso, inúmeras vezes, manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos criando falsas questões processuais, simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento". Em resumo, acusação grave, poderia até eventualmente ser considerado crime o que um acusa o outro. Nada de prático foi feito a respeito, se fosse uma situação similar no Poder Executivo, um ministro de Estado fazendo tal acusação séria sobre o outro, ou no Congresso, um deputado, senador fazendo uma acusação sobre o outro, alguma consequência haveria. Ou aquele que fez a acusação eventualmente sem provas acabaria sendo repreendido ou aquele que é alvo das acusações, se elas forem verdadeiras, ele também teria que responder sobre elas. No Supremo nada foi feito. Este tipo de comportamento fechado do Supremo de não dar uma resposta publica num caso desses é bom?
Marco Aurélio — Fernando, o Supremo só age mediante provocação. Logicamente, o episódio, a reportagem, as declarações, envolveram dois integrantes. E consideradas essas declarações, nós percebemos a imputação, à primeira vista, de dois fatos delituosos. Manipulação dos julgamentos e racismo. Isso gera o denominado procedente, crime contra a honra. É calúnia. O ministro que teria interesse em provocar o Ministério Público para atuar, já que ele teria sido caluniado no exercício do cargo e no exercício de função própria ao cargo, seria o ministro agredido, Cezar Peluso. Até aqui, nós não tivemos nada. Foi algo péssimo. Algo que não imaginávamos que pudesse ocorrer. E aí voltamos àquela tecla. Acabamos digladiando não no campo das ideias, mas sim no campo pessoal, que não se coaduna com a liturgia do Supremo.

Mas nesse episódio o Supremo não apenas reforça aquela imagem negativa que tem até o Poder Judiciário de estar separado da realidade?
Marco Aurélio — Eu soube que há uma representação no Senado da República, considerado o fato, uma representação contra o ministro Joaquim Barbosa. Vamos aguardar. Porque num crime de responsabilidade, nós somos julgados, ficamos sujeitos ao impeachment no Senado Federal.

Ministro, salários no Poder Judiciário. Atualmente o salário máximo no Poder Judiciário é de R$ 26.723,15. É pouco, é adequado? E se for necessário haver um reajuste, para quanto deveria ser?
Marco Aurélio — Depende. Em primeiro lugar, nós temos um sócio. Agora mesmo se ventilou aí a fixação em R$ 32 mil. Pedi ao setor competente para fazer o cálculo. Para saber qual seria o líquido que receberia. R$ 24 mil e poucos líquidos. Se nós cotejarmos essa remuneração, esse subsídio com o que percebe um trabalhador comum, nós concluiremos que ganhamos muito bem. Lá em casa eu tenho uma situação confortável porque somos dois juízes. A minha mulher é desembargadora, juíza concursada do Tribunal de Justiça. Então o fardo em termos de tocar a vida econômico-financeira fica mais leve. E eu estou vinculado às Metropolitanas [faculdades], em São Paulo, e tenho aqui uma participação no UniCeub e ainda tenho um aporte nessa área. Mas fico a imaginar um juiz em início de carreira, tendo que formar patrimônio, comprar a própria casa, manter os filhos em boas escolas, porque há cobrança social… com essa remuneração. Uma remuneração que é digna, mas que não é uma remuneração realmente para levar uma vida nababesca.

O senhor acha que deve ser considerado neste ano então um reajuste a partir do próximo período?
Marco Aurélio — O Estado acaba tripudiando em cima do cidadão e me refiro aos cidadãos em geral. E o Estado não pode se valer dessa postura de força. O que nós temos quanto aos servidores públicos? Há uma regra na Constituição Federal, que determina a reposição do poder aquisitivo dos vencimentos anualmente, na data base da categoria. O Estado observa essa regra? Não observa. Mas continua tendo os mesmos serviços. Por exemplo, o que eu ganho hoje não compra mais o que comprava há seis anos atrás. E estamos há seis anos sem reajuste. Ou seja, sem a reposição do poder aquisitivo dos subsídios.

Ministro, é correta a manutenção da regra legal que dá dois meses de férias por ano aos juízes além dos feriados prolongados?
Marco Aurélio — Para quem pega no pesado, para quem não é locutor do assessor, para quem não delega o indelegável que é o ofício de julgar e julgar segundo a formação técnica e humanística possuída, o segundo mês serve para a atualização dos trabalhos. Então o segundo mês para aqueles que realmente se preocupam com os seus semelhantes, com os jurisdicionados, esse segundo mês serve para a atualização do serviço. E não é compreensível que um ministro do Supremo receba por semana 120 processos. Algo está errado, é o sistema.

Eu já entrevistei alguns colegas do senhor no Supremo e todos têm uma opinião muito semelhante a essa do senhor sobre esse período de férias e muitos trabalham no segundo mês. Mas já que trabalham não era melhor oficializar que é um mês de trabalho e não de férias?
Marco Aurélio — Seria. Talvez pudéssemos aí caminhar para o meio termo. E já diziam os antigos que a virtude está no meio termo. Ao invés de simplesmente terminarmos com esse período, nós geraríamos, como tem a Suprema Corte americana, um período de recesso quanto às audiências públicas, mas com a obrigação, e aí seria obrigação mesmo de os integrantes do Judiciário continuar trabalhando. O cidadão comum não aceita. O contribuinte não aceita dois meses de férias para a magistratura e para o Ministério Público. É algo que implica um tratamento diferenciado. E por isso nós somos muito, muito criticados. Creio que esse segundo mês cairá. Que os nossos representantes, deputados federais, senadores, acabarão suprimindo da Lei Orgânica da Magistratura esse segundo período.

Ministro, o senhor tem 65 anos mas tem um hobby, gosta de andar de motocicletas. O senhor pratica esse hobby com regularidade? Onde?
Marco Aurélio — Não, não tenho tempo para tempo. Eu saio de quinze em quinze dias. Tive que colocar inclusive uma bateria um pouco mais forte, de 17 ampéres, para não descarregar a motocicleta.

Qual motocicleta o senhor tem?
Marco Aurélio — Eu tenho uma moto que eu digo que é uma boneca nissei. É uma moto de 1997, com 13 mil quilômetros rodados, uma Kawasaki de 1.500 cilindradas. Eu já fui inclusive ao Supremo com a moto. E eu perguntei à velha guarda, à época, se implicava quebra do decoro ir com a moto ao Supremo. Claro, no final do expediente. E eu próprio respondi, brincando como bom carioca e com o humor que nós devemos manter na vida, espiritualidade maior: depende da garupa.

O senhor usa e anda de motocicleta em qual região aqui em Brasília?
Marco Aurélio — Aqui em Brasília eu saio e dou uma volta. Geralmente pego a avenida das Nações, passo pela ponte [JK], às vezes vou à Esplanada. E quando eu comprei novamente, porque sempre tive motocicleta desde os 18 anos de idade, quando eu comprei novamente a moto, a minha mulher… eu sou duplamente jurisdicionado dela, porque ela é desembargadora do Distrito Federal e é também quem manda na minha casa, ela apenas me fez prometer que o Eduardo Afonso, que é o filho, não encostaria o dedo, e não encosta!

O senhor acha apropriado que no Brasil permaneça o hábito e o costume de se ostentar ícones, símbolos religiosos, cristãos, em prédios públicos?
Marco Aurélio — Penso que não. Penso e eu sustentei isso no voto da anencefalia, revelando que nós não estamos mais no Império, quando a religião católica era obrigatória e o imperador era obrigado a observá-la. Mencionei que o Estado é laico, o Estado é secular. Não se coaduna, por exemplo, no plenário do Supremo, termos um crucifixo. Devíamos ter só o brasão da República. Não consigo conceber que nas notas da moeda Real nós tenhamos "Deus seja louvado".

No caso do Supremo, do que depende tirar o crucifixo do Plenário?
Marco Aurélio — Da convicção. Da convicção dos integrantes. Como ocorreu a retirada no Judiciário de um Estado que está sempre à frente em questões políticas, que é Estado do Rio Grande do Sul. Muito embora eu reconheça que São Paulo seja um país dentro do país em termos de pujança.

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