O SuperCade

Começa a valer o novo sistema de defesa da concorrência

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29 de maio de 2012, 12h48

A Lei 12.529/2011, que cria o novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e altera a estrutura e a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), entra em vigor nesta terça-feira (29/5). Na mesma data está marcada a primeira reunião administrativa do Cade para definir como regulamentar os vácuos deixados pelo texto original da lei.

Dentre muitas mudanças, a nova Lei do Cade divide o conselho em três partes: o Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, o Departamento de Estudos Econômicos e a Superintendência-Geral.  Com dessas três subdivisões, o Cade, além de julgar administrativamente os casos relacionados à concorrência, passa a investigar e instruir os processos de análise dos atos de fusão e aquisição de empresas – os chamados atos de concentração econômica.

Por causa da criação da Superintendência-Geral, o “novo Cade” passou a ser chamado de SuperCade. A nova lei decreta o fim da Secretaria de Defesa Econômica (SDE), do Ministério da Fazenda, e transfere sua competência para o conselho. Com isso, o Cade, por meio da Superintendência, fica responsável pelas investigações de controle de conduta, que são as infrações à ordem econômica, punidas administrativamente, e pela análise prévia das operações de fusão e aquisição entre empresas.

A mesma Superintendência-Geral também engloba grande parte da competência da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), também vinculada à Fazenda. É por meio dessa repartição que o Cade vai avaliar os atos de concentração. A Seae, por sua vez, passa a ser um órgão de advocacia pública da concorrência: vai “promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade”, como diz o artigo 19 da nova lei.

É aí que se encontra uma das principais expectativas para a reunião administrativa desta terça. Pela nova lei, o Cade fica responsável por autorizar, ou não, os planos de fusão, além de indicar quais os caminhos mais recomendáveis para os atos de concentração. Essa é a determinação da Lei 12.529/09. Ficou para o Cade, no entanto, dizer quais são os documentos que devem ser apresentados aos técnicos avaliadores e quais podem ser dispensados.

SuperCade
O texto da lei diz, no artigo 53, que às operações simples cabe o rito sumário – o Cade tem entre 40 e 60 dias para se posicionar, nem que seja para pedir mais documentos. Fora isso, os atos de concentração ficam sujeitos ao rito ordinário, que é de 230 dias prorrogáveis por mais 90, se for necessária análise mais complexa.

Sobrou para uma regulamentação posterior determinar as obrigações de cada um. Está no site do Cade uma minuta de “pedido de aprovação de atos de concentração”, elaborado depois de consulta pública. Essa proposta de texto traz cinco etapas obrigatórias, cada uma com seus artigos independentes. Foram criadas muitas necessidades burocráticas, o que pode atrasar o processo de análise e significará um aumento de custo para as empresas, conforme explica o advogado Eduardo Molan Gaban, sócio do Machado Associados, especialista e professor de Direito Antitruste.

Para ele, a proposta cria obrigações “acima do razoável”. Exige um volume de documentos muito maior, que grande, parte das empresas brasileiras não está acostumada a fornecer. “É muita informação [exigida] até para operações simples”, comenta.

Jogo limpo
Gaban afirma que esse novo rito pode prejudicar o particular, pois, para garantir que o plano de aquisição seja aprovado, a empresa deve apresentar o formulário mais completo possível. Assim, explica, as companhias dão mais recursos para que o Cade consiga entender logo as pretensões econômicas do negócio. “Se entender de primeira, aplica o rito sumário. Mas se forem apresentadas poucas informações, cabe ao Cade exigir novos documentos, e aí a análise passa a ser feita sob o rito ordinário.”

Cabe, então, “a estratégia do jogo limpo”, recomenda Molan Gaban. Se por um lado é interessante que as empresas forneçam o maior volume de informações possível, é responsabilidade do conselho não exigir documentos demais, já que isso pode complicar – e atrasar ainda mais – a análise das operações.

E aí, na opinião do especialista, são necessárias mudanças culturais. Do lado do particular, diz, “é preciso que se jogue aberto desde o início”: dizer, logo no primeiro contato com o Cade, se a compra será feita em um mercado já concentrado, se é uma operação simples, complexa ou se é um tipo de operação novo etc.

A transparência serve também ao ente público, que precisa deixar claras suas intenções e suas motivações. E é necessário que sejam indicadas as necessidades para que determinada operação, que ainda não foi aprovada, possa ser, afirma Gaban.

Definições
Outro ponto que será discutido na reunião desta terça são as multas administrativas aplicadas às infrações à ordem econômica. A lei antiga, no artigo 23, dizia que a multa variava entre 1% e 30% do faturamento bruto da infratora, descontados os impostos. A nova lei, no artigo 37, estabelece a multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto do ramo de atividade em que ocorreu a infração.

Aqui está um grande problema, na opinião do advogado Ademir Antônio Pereira Jr., da banca Advocacia José Del Chiaro, especializada em defesa da concorrência. A multa foi diminuída, mas a expressão “ramo de atividade” carece de definições legais. Do jeito posto na lei, fica a critério do julgador. Sobrou para o Cade evitar que o controle de conduta das empresas seja feito de forma subjetiva.

Está no site do Cade uma minuta de resolução sobre conceito de ramos de atividade, também elaborada depois de consulta pública. Pretende usar as definições também administrativas adotadas pelo governo federal, por meio da da Comissão Nacional de Classificação (Concla), ligada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para Eduardo Molan Gaban, a medida foi adotada como uma forma de diminuir a lei, mas ainda houve definição técnica dentro do Cade para explicar as novas multas. “Sem definir isso, não dá para saber se é uma medida benéfica ou não.”

Foco
Outra incerteza trazida com a nova lei é o interesse do Cade em tratar apenas das grandes operações. A regra antiga dizia que todas as operações em que uma das empresas faturasse mais de R$ 400 milhões por ano deveriam ser analisadas pelo Cade. Com a nova lei, de acordo com o artigo 88, incisos I e II, o Cade fica obrigado a estudar apenas os casos em que uma das empresas fatura R$ 400 milhões e a outra, R$ 30 milhões.

Ademir Antônio Pereira explica que essa é uma mudança de foco no Cade. Antes, o conselho se via obrigado a debruçar sobre praticamente todas as operações financeiras de empresas grandes. “Se a Petrobras comprasse uma microempresa de atividade específica, o Cade deveria analisar, por exemplo”, ensina o advogado. 

No entanto, a mudança não deve trazer mudanças profundas na prática, como foi observado inclusive quando os novos membros do Cade, indicados pela presidente Dilma Rousseff, foram sabatinados no Senado, na semana passada. O parágrafo 1º do artigo 88 da nova lei diz que o Cade pode, administrativamente, mudar os valores descritos nos incisos I e II. E é o que o futuro presidente (aprovado na sabatina) do conselho, Vinícius Marques de Carvalho, disse que pretende fazer.

Em resposta a questionamento do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), Carvalho afirmou que na reunião desta terça deve ser aprovada resolução que aumente os limites. A intenção é que o Cade avalia apenas operações que envolvam, de um lado, companhias que faturem R$ 750 milhões e, de outro, faturamentos de R$ 75 milhões. A intenção, segundo Ademir Pereira, é que o Cade fique responsável apenas pelas operações de grande impacto econômico. Não é possível dizer, entretanto, que a tendência é a expansão desses limites.

Adequação e terrorismo
Apesar de algumas críticas, os especialistas ouvidos pela reportagem da revista Consultor Jurídico foram unânimes em elogiar a nova lei. Para eles, o texto leva o Brasil ao mesmo patamar de regulação antitruste em que estão os países desenvolvidos da Europa e os Estados Unidos.

O advogado Laércio Farina é um dos que elogia a nova lei. Para ele, as reclamações “não fazem sentido”. “O novo sistema é muito melhor para o comprador. É melhor saber se seus planos serão aprovados antes de eles serem concretizados do que efetuar uma compra e depois ter de desfazê-la”, afirma. O controle prévio, conta, é a regra onde o antitruste é mais desenvolvido. Nos EUA, por exemplo, é assim desde a década de 1970.

Farina acredita que as críticas à lei têm um fundo de “terrorismo” praticado por alguns. Prova disso, diz, são anúncios de grandes compras feitos entre esta terça e a segunda-feira (28/5), como a fusão entre as companhias aéreas Trip e Azul, a venda da churrascaria Fogo de Chão para um grupo norte-americano ou a compra da rede varejista Leader pelo banco BTG. 

Para o especialista, que acaba de lançar um livro sobre a nova Lei do Cade, em que é organizador, a lei é “muito positiva” e traz mais segurança ao antitruste brasileiro. “Agora é muito mais lógico, com tudo unificado dentro de um sistema só. Não há porque dizer que o novo sistema é maléfico. Muito pelo contrário, é muito melhor”. 

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