Equilibrio entre poderes

Advocacia pública exige respeito à Constituição

Autor

  • Allan Titonelli

    é procurador da Fazenda Nacional membro da Comissão Nacional da Advocacia Pública do CFOAB ex-presidente do Forvm Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz.

28 de maio de 2012, 19h22

 O ministro Carlos Ayres Britto tomou posse como presidente do Supremo Tribunal Federal destacando a necessidade de se respeitar a Constituição e as leis, conclamando, ao final, um pacto entre os Poderes, destinado a dar efetividade ao que prevê a Constituição.

Hans Kelsen erigiu sua doutrina na concepção formalista da supremacia da Constituição. Sua teoria parte do princípio de que o ordenamento jurídico é formado por uma estrutura escalonada, em que a Constituição ocuparia o ápice do sistema, sendo o fundamento de validade de todas as normas inferiores, e tendo como pressuposto uma norma fundamental hipotética, caracterizada por uma lógica que transcenderia o sistema jurídico.

A existência de uma Constituição formal ou escrita, como ordem fundante do sistema jurídico, advém da positivação pelo poder constituinte originário, eleito soberanamente pelo povo, do qual emana todo o Poder, de um conjunto de regras e princípios estruturantes e iniciais para o ordenamento jurídico. Por tais razões, e dedução lógica, a vontade popular é quem erigiu a construção da nossa Constituição.

O presente artigo pretende analisar perfunctoriamente, no âmbito da organização dos poderes e das funções essenciais à Justiça, se a Constituição está sendo cumprida.

Nos debates que antecederam a promulgação da Constituição, destaca-se o papel incumbido ao Ministério Público e à Advocacia Pública Federal, a qual será analisada com maior profundidade.

Pode-se dizer que a atribuição dual exercida pelo Ministério Público, de defesa da sociedade e do Poder Executivo, passou a ser contestada. Após muitas discussões o Constituinte entendeu que era realmente necessário haver divisão das atribuições do Ministério Público, criando, assim, a Advocacia-Geral da União (AGU), positivada no art. 131 da CF/88, no capítulo referente às “Funções Essenciais à Justiça”.

Atente-se que, apesar da transferência da atribuição de defesa do Estado para o órgão recém-criado, a AGU, o Constituinte não diferenciou, em prevalência ou hierarquicamente, a defesa da sociedade e do Estado, permitindo que os membros do Ministério Público pudessem fazer a escolha pelo exercício das atividades no novo órgão, conforme preconiza o art. 29, § 2.º, do ADCT.

A Constituição normatizou o que ocorria na prática, pois os procuradores da Fazenda Nacional e procuradores autárquicos, que vieram a integrar os quadros da AGU, já dispunham de prerrogativas e remuneração isonômicas àquelas consagradas ao Ministério Público Federal, conforme positivado no texto da Lei n º. 2.123/53, da Lei nº 2.642/55, da Lei nº. 4.439/64, da Lei n º. 4.531/64 e do Decreto-Lei nº 147/67.

Outrossim, a organicidade e constituição da AGU somente foi implementada após a publicação da Lei Complementar n.° 73/93, reforçando seu papel de representar judicialmente e extrajudicialmente a União, prestando as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal, bem como de defesa em juízo do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.

Entre os órgãos que compõem a estrutura da AGU, pode-se citar a Procuradoria-Geral da União, que faz a assessoria e a defesa da administração pública direta; a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que faz a consultoria e a defesa da União nas causas de natureza fiscal, além de executar a dívida ativa da União; e a Procuradoria-Geral Federal, responsável pela consultoria e pela defesa da administração pública indireta. Ressalta-se, ainda, o papel da Procuradoria-Geral do Banco Central no assessoramento e na representação judicial do Banco Central, autarquia de caráter especial.

O legislador constituinte incluiu a Advocacia Pública entre as funções essenciais à Justiça, papel reservado no plano federal à AGU, objetivando criar um órgão técnico capaz de prestar auxílio ao governante e, ao mesmo tempo, resguardar os interesses sociais.

O Título IV da Constituição regulamentou e disciplinou a Organização dos Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, incluindo, ainda, capítulo específico relacionado às Funções Essenciais à Justiça. Essa divisão topográfica demonstra que esse capítulo foi sistematizado sob uma nova ordem, visando atender os preceitos modernos do Estado democrático de direito.

Isso porque, Montesquieu, ao descrever sua teoria sobre a Tripartição dos Poderes, já alertava sobre a possibilidade de, em determinada época, haver prevalência de um Poder em relação aos demais. Os freios e contrapesos seriam a forma de manter a harmonia. Ocorre que sua teoria teve como parâmetro o absolutismo europeu, necessitando adaptá-la ao surgimento do Estado democrático de direito.

Assim, o poder constituinte originário atento às lições de Montesquieu, positivou no art. 2º da Constituição Federal de 1988, entre os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, a separação entre os Poderes, que é cláusula pétrea, ante ao que preceitua o art. 60, § 4º, III, da CF/88.

Entretanto, o Constituinte não estava satisfeito apenas com essa garantia, e para dar maior efetividade a esse equilíbrio, incluiu na Organização dos Poderes um novo capítulo, “Das Funções Essenciais à Justiça”.

Nesse novo capítulo o constituinte incluiu órgãos e instituições que possuem atribuições de defender a sociedade, o Estado, os hipossuficientes e o cidadão, dentro de um mesmo patamar hierárquico, exigindo um entrelaçamento dessas funções.

Logo, no cenário político nacional após a Constituição de 1988, o equilíbrio e harmonia entre os Poderes, dentro de uma perspectiva do Estado democrático de direito, será concretizado, em parte, através das funções essenciais à Justiça.

Outrossim, o desígnio “Justiça” não teve um alcance restrito, de prestação jurisdicional, mas sim de isonomia, imparcialidade, preservação dos direitos, eliminação da ingerência do estado, cidadania e democracia, o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto convencionou chamar de “Estado de Justiça”.

Nesse sentido, o Poder Judiciário não é o único responsável pela prestação da Justiça, necessitando da intervenção do Ministério Público, da Advocacia Pública, da Defensoria Pública e da Advocacia Privada, como garantidores e defensores dos interesses da sociedade e do Estado.

Pode-se asseverar que a positivação do Ministério Público ao lado das novas instituições constitucionais – Advocacia Pública, Defensoria Pública e Advocacia stricto senso – veio concretizar a intenção de justaposição dessas funções, necessitando garantir à elas uma atuação dentro do mesmo patamar hierárquico, repelindo qualquer grau de subordinação, tendo em vista sua “essencialidade”.

Por esses motivos, para que haja uma prestação jurisdicional célere e universal, e respeito ao Estado democrático de direito, resguardando os direitos e garantias fundamentais, é necessário que os atores do processo judicial possuam igualdade de prerrogativas e estrutura. Todavia, a Advocacia-Geral da União e a Defensoria Pública da União não possuem estruturas nem prerrogativas similares ao Poder Judiciário e ao Ministério Público.

Relevante destacar que a posição institucional do Ministério Público de sentar-se ao lado do juiz, em patamar superior às partes, não teria sentido quando atuasse como parte, face as considerações anteriormente expostas. Pode-se ir mais além e dizer que essa posição institucional também não teria relevo nos processos em que atua como custos legis, uma vez que todas as instituições capituladas entre as funções essenciais à Justiça possuem a atribuição mediata de defesa da Justiça, e consequentemente, da sociedade.

Ainda objetivando concretizar a isonomia remuneratória entre os Poderes, resguardada entre as mesmas atividades funcionais, o Constituinte erigiu o art. 37, XII. Todavia, tal preceito somente foi efetivado aos advogados do Senado, que possuem remuneração igual aos magistrados e aos membros do Ministério Público, motivo pelo qual deve-se implementá-lo em relação à Advocacia Pública Federal e à Defensoria Pública da União.

Passados vinte e três anos da promulgação da Constituição é chegada a hora de concretizar o tratamento isonômico entre as Funções Essenciais à Justiça, buscando, assim, restabelecer esse equilíbrio. Nesse contexto, o fortalecimento da Advocacia Pública e da Defensoria Pública é relevante para a implementação desse objetivo.

 Ante ao exposto, para a materialização do papel destinado à AGU e à DPU, segundo os anseios do Estado democrático de direito, é fulcral garantir prerrogativas e remuneração condizentes com suas atribuições, e em condições de igualdade com as demais Funções Essenciais à Justiça, conforme professa a Constituição, ensejando, por relevante, que o Poder Executivo e Legislativo cumpra com o que determina a Constituição.

A Advocacia Pública Federal propõe à presidenta Dilma Rousseff e ao presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney, um pacto de respeito à Constituição.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!