Acertos internacionais

Hierarquia de tratados de direitos humanos gera impasse

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23 de maio de 2012, 19h50

O conflito gira em torno da hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos, in casu, o Pacto de São José da Costa Rica ou Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 678, de 06 de novembro de 1992. O texto dispõe em seu artigo 7°, item 7, que “ninguém deve ser detido por dívida, exceto no caso de inadimplemento de obrigação alimentar”. E, na Constituição Federal brasileira, estatui no artigo 5°, inciso LXVII, que “ não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.

Diante dessa aparente divergência no tocante à prisão do depositário infiel, preso em razão de dívida existente em contrato comercial aderido voluntariamente, nasceram cinco correntes defendendo a hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos, conforme segue abaixo:

A primeira teoria foi a Monista, que defendia que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos incorporados ao ordenamento jurídico nacional têm força de norma constitucional face o seu conteúdo ter compatibilidade material com os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal, com supedâneo no artigo 5°, parágrafos 1° e 2°, da Constituição. Defensores: Doutora Flávia Piovesan e Antonio Augusto Cançado Trindade.

Tivemos a segunda teoria designada, a Dualista, que sustentava que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos tinham hierarquia de Lei Ordinária, visto ser da competência do Supremo Tribunal Federal, no jaez de guardião da Constituição, em julgamento de Recurso Extraordinário, “declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”, seu fundamento repousa no artigo 102, inciso III, alínea “b”, da Lei Maior. Defensor: Supremo Tribunal Federal.

Até antes da edição da Emenda Constitucional 45, de 31 de dezembro 2004, esses eram os entendimentos referentes à hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos, logicamente prevalecendo o do Pretório Excelso. Com essa Emenda, foi inserido o parágrafo 3° ao artigo 5° da Constituição, considerando os Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos equivalentes às Emendas Constitucionais, desde que sejam aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. Adiante seguem as teorias que surgiram após Emenda 45/2004.

Numa visão mais imparcial, tivemos a terceira teoria denominada Dualista Moderada, fundamentando-se no entendimento do Supremo Tribunal Federal, de que os Tratados de Direitos Humanos anteriores à Emenda Constitucional 45/2004 possuíam hierarquia de Lei Ordinária e os posteriores à Emenda 45/2004 tinham hierarquia de norma constitucional, caso fossem aprovados por três quintos de seus membros em dois turnos de votação em cada Casa do Congresso Nacional e, os que não fossem submetidos a esse procedimento teriam hierarquia de Lei Ordinária, conforme entendimento extraído do artigo 102, inciso III, alínea “b” combinado com o artigo 5°, § 3°, da Constituição Federal. Defensor: Júlio Fabrinni Mirabete.

Objetivando solucionar a divergência de interpretação e de aplicação dos Tratados de Direitos Humanos, surgiu a quarta teoria designada Constitucionalista – defendida pelo ministro Celso de Mello, do STF – com o desiderato de solucionar o impasse decorrente da previsão de prisão para o depositário infiel existente na Constituição Federal em face da proibição existente na Convenção Americana de Direitos Humanos.

O dilema levado ao crivo do Supremo Tribunal Federal foi pacificado com fundamento no artigo 5°, parágrafos 1° e 2°, da Constituição, sob o argumento de que os Tratados de Direitos Humanos anteriores a Emenda Constitucional 45/2004 teriam hierarquia de norma constitucional e os que foram internalizados após a referida emenda, por exigência constitucional deveriam obedecer o procedimento de votação previsto no parágrafo 3° do artigo 5° da Constituição para poderem receber o status de norma constitucional.

Devido o julgamento apreciado pela Corte Suprema ter ocorrido em 2006, doravante, deveriam solucionar a discussão referente aos tratados que foram incorporados ao ordenamento jurídico entre os anos, de 2004 e 2006. Isto é, após a Emenda 45/2004. A conclusão inevitável, se deu no sentido de que os Tratados de Direitos Humanos incorporados ao ordenamento jurídico anteriormente a Emenda 45/2004 teriam força normativa constitucional e os tratados incorporados entre os anos de 2004 a 2006 somente seriam equivalentes às Emendas Constitucionais se fossem aprovados em dois turnos em cada Casa Legislativa do Congresso Nacional por três quintos de votos. Caso contrário, deveriam receber tratamento de Lei Ordinária com suporte no artigo 5°, parágrafos 1°, 2° e 3°, da Constituição.

A quinta teoria é a atual Teoria da Supralegalidade dos Tratados de Direitos Humanos. A tese é defendida pelo ministro Gilmar Mendes e sustenta que os Tratados de Direitos Humanos anteriores e posteriores à Emenda Constitucional 45/2004 que não forem aprovados em dois turnos em cada Casa Legislativa, por três quintos de votos de seus respectivos membros, deveriam receber tratamento de norma supralegal, em decorrência de seu conteúdo ter compatibilidade material com os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição Federal. Já, os tratados aprovados, devem ter hierarquia de norma constitucional com lastro no artigo 5°, parágrafos 1°, 2° e 3°, da Constituição brasileira.

Conclusão: os Tratados de Direitos Humanos, especificamente a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, com fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil, não tem hierarquia de norma constitucional, mas sim de Norma Supralegal, ficando abaixo da Constituição e acima das Normas Infraconstitucionais. No caso o inciso LXVII do artigo 5° da Constituição (“não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”) seria uma norma constitucional de eficácia limitada de efeitos indiretos, cuja norma que regulamentava a efetivação da prisão do depositário infiel, Lei 8.866/1994, teve sua incidência revogada pela Convenção, que neste caso, adquiriu força normativa regulamentadora daquele dispositivo constitucional na parte correspondente ao depositário infiel.

Necessário esclarecer que, mesmo com a adoção da Teoria da Supralegalidade, o depositário infiel poderia vir a ser preso e, para adequar a norma constitucional à Convenção Americana de Direitos Humanos, foi criada pelo STF a Súmula Vinculante 25. A norma dispõe “ser ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.

Finalmente, entendemos que, mesmo com a edição dessa súmula, tecnicamente, o dilema ainda não foi resolvido, em razão do não emprego da expressão “inconstitucional”, utilizando-se equivocadamente o vocábulo “ilícita”, dando margem para entendimentos de que a questão é passível de ser regulamentada por Lei Ordinária e eventualmente poderá vir a ser considerada lícita a prisão do depositário infiel.


Bibliografia:

Direitos Humanos – autor: Sérgio Ricardo Silva – 1ª edição – Editora: FMB;

Direitos Humanos – autor: Nestor Sampaio Penteado Filho – 1ª edição – Editora: Coleção OAB Nacional;

Direitos Humanos e o Direito Internacional – autora: Flávia Piovesan – 4ª edição – Editora MA. Limonad

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