Evolução histórica

Direito visa resolver conflitos sociais

Autor

  • Eduardo Hassan

    Procurador do Município de Salvador Advogado e sócio do HME Advocacia mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia.

23 de maio de 2012, 8h49

Trataremos da evolução histórica da noção de sistema no direito, partindo do jusnaturalismo, passando pelo positivismo até chegarmos às visões contemporâneas do sistema no Direito. Para alcançar nosso mister de forma concisa traçaremos um perfil histórico do direito e discorreremos sobre suas escolas sem aprofundarmos, que não seria ideal no caso neste pequeno texto.

A ideia do conceito geral de sistema possui as qualidades da ordem e da unidade como características. Segundo Canaris, ordenação implica um “estado de coisas intrínseco racionalmente apreensível, isto é, fundado na realidade”[1]. Já a unidade trata-se de fator que não permite uma “dispersão”, por evitar a agregação de “singularidades desconexas”.[2] A partir dessas qualidades Canaris trata da adequação valorativa e unidade interior da ordem jurídica como fundamentos do sistema jurídico. O desenvolvimento do conceito de sistema a partir das ideias de adequação valorativa e da unidade interior da ordem jurídica implica: no sistema como ordem axiológica ou teleológica (como escopo e valores) e no sistema como ordem de “princípios gerais do Direito”.

Nas sociedades primitivas basicamente o “poder está dominado pelo elemento organizador, fundado primariamente no principio do parentesco[3]. Nesse momento histórico, isto é, na antiguidade clássica a única ordem possível é a querida pela divindade. A partir do desenvolvimento da civilização grega a jurisprudentia desenvolveu-se numa ordem jurídica. “Assim o direito, forma cultural sagrada, era o exercício de uma atividade ética, a prudência, virtude moral do equilíbrio e da ponderação nos atos de julgar”.[4]

O direito passa a ser visto como dogma e nasce a ciência do direito na Bolonha no século XI e o direito passa a ser mais do que retórica.

Surgia, assim, um novo saber prudencial, destinado a conhecer e a interpretar a lei e a ordem de forma peculiar; pois enquanto para os romanos o direito era um saber das coisas divinas e humanas, para a Idade Média os saberes eram distintos, ainda que guardassem uma relação de subordinação.[5]

A partir daí o desenvolvimento do jurista aumenta, este não se satisfaz com os recursos prudenciais e busca princípios e regras para harmonizar os casos. O tecnicismo jurídico se desenvolve e passa a ser um instrumento político. “Desde a Idade Média, pode-se, pois, dizer, o pensamento jurídico se fez essencialmente em torno do poder real. E a recuperação do direito romano serviu-lhe como instrumento de organização”[6]. Todavia, o caráter sagrado ainda estava presente, o poder político ainda estava com fontes e limites em Deus. “O sistema do direito centrado no soberano vê o poder como relação direta soberano/súdito, num sentido bastante concreto, baseado no mecanismo de apossamento da terra”.[7]

Diante do aumento da tecnicização do saber jurídico e da dessacralização o direito perde seu caráter ético, e, a partir do renascimento, perde progressivamente seu caráter sagrado.[8] A partir daí a o direito passa a sofrer influências da ciência moderna.

Assim, se o problema antigo era o de uma adequação à ordem natural, o moderno será, antes como dominar tecnicamente a natureza ameaçadora. […] Daí, consequentemente, o desenvolvimento de um pensamento jurídico capaz de certa neutralidade, como exigem as questões técnicas, conduzindo a uma racionalidade e formalização do direito. Tal formalização é que vai ligar o pensamento jurídico ao chamado pensamento sistemático.[9]

O conceito de sistema, que já se cunhava na filosofia em geral, foi transposto para o direito.

O sistema perfeito não é nem uma hipótese nem uma ordenação com finalidade didática, mas a conformação definitiva da verdade. A esse conceito de sistema subjaz a missão filosófica de fundamentação da unidade do conhecimento a partir da unidade da realidade. “Sistematicidade” deixava então de ser entendida como “ordenação” e passava a tomar a acepção de demonstrabilidade a partir de princípios evidentes.[10]

Wolff expôs um novo conceito de sistema, em que mais do que um agregado de verdades, trata-se o sistema, sobretudo, nexus veritatun, pressupondo a correção e a perfeição formal da dedução[11]. A dedução lógica da decisão jurídica se dá a partir de princípios superiores, o que forjou aspectos vitais da ciência jurídica.

Estava configurado, pois, um dos caminhos para uma ciência no estilo moderno, isto é, como um procedimento empírico-analítico. Não, é verdade, com o mesmo rigor de Descartes ou o sucesso de Galileo, mas num sentido que podemos chamar de pragmático, em que os modelos de direito natural são entendidos não como hipóteses cientificas a verificar, mas como um exemplo, paradigma que se toma como viável na experiência.[12]

Tudo isso se dá a partir da revolução que sofreu o direito durante toda sua história. A partir da unidade sistemática o direito supera a historicidade decorrente do direito romano.

A reconstrução racional do direito, que passa a ser entendido como um conjunto, um sistema de enunciados respaldados na razão, adquirindo validade por meio de uma posição divina, põe-se a serviço de um processo de conexão entre dominium e societas, a unidade do Estado e a sociedade, que ocorre entre os séculos XVI e XVII. Referimo-nos à centralização e à burocratização do domínio nos modernos aparelhos estatais.[13]

O direito da teoria jusnaturalista reconstruído racionalmente, de forma cartesiana, não reproduz a experiência concreta do direito na sociedade criando uma distância entre teoria e práxis.[14]

A partir do século XIX a positivação do direito se dá, e com isso, aumenta a segurança pelo fato do direito tornar-se escrito. Todavia, a mutabilidade do direito passa a ser regra, sendo isso característica da positivação do direito segundo Luhmann. Ganha forma a ideia de se existir apenas um direito, isto é, o positivismo.

A partir da Revolução Francessa o direito passa a ser concebido como poiesis, isto é, como uma forma de se alcançar um resultado, que se exige um know-how, e, logo uma técnica. Dessa forma, aqui se encontra o núcleo social da positivação do direito.

Com Savigny, sendo o seu maior representante, surge a Escola Histórica do direito, que substitui a razão pelo fenômeno histórico, que teve sucesso em virtude das construções dogmáticas, aumentando ainda mais o abismo entre a teoria e a práxis. Essa escola observava o tratamento sistemático de forma que não significava dedução lógica a partir de proposições superiores. “Sistema para eles seria uma descrição do encaixe das normas jurídicas na ordem objetiva das coisas”[15].

É preciso que não haja lacunas, tratando-se de um sistema fechado com exigência de acabamento. A ideia de sistema como um método, como instrumento metódico do pensamento dogmático no direito ocorreu desde o século XVI e continuou no desenvolvimento da ciência dogmática nos séculos seguintes.

A partir do século XX o direito aumenta sua força como forma de resolução de conflitos sociais através de aplicação da norma ao caso concreto. “O jurista contemporâneo preocupa-se, assim, com o direito que ele postula ser um todo coerente, relativamente preciso em suas determinações, orientado para uma ordem finalista, que protege a todos indistintamente”[16].


[1] CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3ª ed. TRaduação de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 12.

[2] CANARIS, Pensamento, pp. 12-13.

[3] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 6 ed. São Paulo: Atlas 2011, p. 29.

[4] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.32.

[5] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.38.

[6] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.40.

[7] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.41.

[8] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.41.

[9] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.42.

[10]BRAGA, Felipe Fritz. Introdução histórica ao conceito de sistema nas ciências jurídicas. Disponível na Internet:

[11] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.42.

[12] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.45.

[13] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.46.

[14] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.47.

[15] BRAGA, Felipe Fritz. Introdução histórica ao conceito de sistema nas ciências jurídicas. Disponível na Internet:

[16] FERRAZ JÚNIOR, Introdução, p.57.

Autores

  • Procurador do Município de Salvador, Advogado e sócio do HME Advocacia, mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia.

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