Segunda Leitura

Juízes precisam se preparar para aposentadoria

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

20 de maio de 2012, 10h32

Spacca" data-GUID="coluna-vladimir.png">O ingresso no serviço público dá-se, regra geral, por concurso público. Atualmente eles são difíceis, disputados por milhares de candidatos. A maioria dos pretendentes procura estabilidade e qualidade de vida.

Na busca de seus sonhos, a pessoa ingressa no Poder Judiciário, como servidor ou juiz. Via de regra são jovens e bem preparados. Convivem com antigos colegas e não imaginam que um dia serão um deles. O tempo passa rápido, alegrias, tristezas, conquistas e decepções se alternam. E um dia chega a hora da decisão: aposentar-se voluntariamente, porque cumpriu os requisitos legais, ou aguardar a compulsória aos 70 anos?

Segundo Luciano Martinez, “a aposentadoria revela, em seu sentido etimológico, a idéia de recolhimento, de albergamento, de retorno aos aposentos. Quando se afirma que alguém alcançou a aposentadoria costuma-se atribuir a tal individuo a condição de jubilado, vale dizer, daquele que, por tanto serviço prestado, merece o júbilo, o contentamento do repouso”.

Mas estarão as pessoas preparadas para esse significativo passo? Será de júbilo a sensação de recolher os pertences na gaveta e sair se despedindo dos colegas? Como se conduzirão na nova fase de suas vidas? Como viver sem o trabalho?

Não existe uma resposta pronta e acabada. É possível, porém, tirar algumas conclusões. Por exemplo, a importância do cargo altera o comportamento, sendo a retirada mais difícil aos que ocupam posição de maior destaque social (p. ex., um ministro ou desembargador).  As mulheres reagem melhor do que os homens, porque cultivam outros interesses. Para uns é o fim dos sonhos, deprimem-se, adoecem, morrem. Para outros, é a grande oportunidade de dedicar-se a outras atividades.

Apesar das  reações divergirem, o certo é que é preciso preparar-se para a mudança. E isto deve começar alguns anos antes. Afinal, vivemos em uma sociedade em que o não trabalhar é visto de forma pejorativa.

A reflexão deve passar por toda a caminhada, valorizando o lado positivo. As conquistas, as amizades, as coisas boas ocorridas. É importante afastar sentimentos negativos, mesmo que motivados. Não deve haver lugar para ódio, ressentimentos, desgosto  com eventuais injustiças. Cultivá-los é agir contra si próprio.

Em paralelo, é necessário aumentar o foco em outros interesses. Não é possível que alguém só encontre prazer no trabalho. É indispensável ter outras atividades, que podem ser as mais variadas, ao gosto de cada um. Esporte, bordado, música, viagens, participar de um coral, serviço voluntário, tudo é válido.

Se a intenção for adotar outra atividade profissional, reforçando a renda, é preciso preparar-se. Se a idéia for advogar, é necessário fazer minuciosa análise do mercado de trabalho, área não explorada, custos de um escritório e possibilidades de ganho. Por exemplo, advogar na área de direitos do servidor público, inclusive na defesa em processos disciplinares, pode ser uma boa escolha, face ao crescimento do número de servidores no foro judicial e extrajudicial.

Se a  opção for lecionar em uma faculdade de Direito, é indispensável preparar-se através da conclusão de um curso de mestrado. Se o sonho for o de mudar de ramo (p. ex., o comércio), é essencial informar-se bem a respeito, o que pode ser feito, por exemplo, através de consulta  ao site do Sebrae.

Na verdade, a busca da felicidade varia de um para outro. Pode ser a paz de dedicar-se  a pescarias até a emoção de vencer um causa no tribunal. Em tão díspares atividades, o que deve ser evitado é o excesso. Por exemplo, o novo advogado não deve assumir tantas causas que ao fim do ano esteja estressado  e à beira de um colapso, nem a avó  deve assumir tantos ônus na criação dos netos que isto passe a ser mais exaustivo que o trabalho que exercia no tribunal. 

No extremo oposto, o nada fazer deve ser evitado. A falta de interesse, a perda da sensação de pertencimento, a diminuição nos convites para festas, tudo isto pode levar a um perigoso vazio existencial. A depressão ronda a vida dos que de tudo se afastam e costuma trazer consigo moléstias psicossomáticas.

A família tem um papel decisivo nestes momentos. O saber-se querido e importante na vida dos mais próximos traz estabilidade emocional para enfrentar a mudança. Mas o que dizer dos que, em número cada vez maior, vivem sozinhos e, por opção, não desejam ter filhos? O que lhes reserva o futuro? A resposta é difícil. Talvez uma boa roda de amigos supra as necessidades afetivas.

Na transição para a reserva, magistrados e servidores têm um fator de estabilidade muito forte. Atualmente, os proventos da aposentadoria são iguais aos vencimentos. Mas isto não alcançará os que ingressam agora no serviço público. E a velhice exige mais gastos, inclusive um bom plano de saúde. Portanto, aos mais jovens cabe lembrar que um dia envelhecerão (muito embora nunca acreditem) e que ingressar em um plano de previdência privada pode ser-lhes de grande utilidade  no futuro. 

Em suma, esta é uma questão para a qual nunca se deu maior consideração. Mas, com o aumento do número de magistrados e servidores do Poder Judiciário é preciso dar-se atenção ao tema. E o primeiro passo é discuti-lo.

Nos Estados Unidos, alguns tribunais estaduais estudam a matéria. O Tribunal  de Ohio realizou em 28 de abril de 2006 um seminário para juízes e cônjuges, destinado a enfrentar as questões financeiras, emocionais e profissionais decorrentes da aposentadoria.

No Brasil, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem um programa de apoio aos que irão aposentar-se nos próximos anos. No dia 18 de maio de 2012, a psicóloga Paola Fachini proferiu palestra sobre o tema, observando com propriedade que pensar juntos, discutir o tema em grupos, expor as dúvidas, analisar os efeitos psíquicos da perda de uma função, tudo isto ameniza o sofrimento. 

Aí está o caminho a ser trilhado, para que o inevitável afastamento definitivo seja de júbilo e não de depressão. O enfrentamento do problema atinge desde um ministro do Supremo Tribunal Federal até um servidor da mais remota comarca da Amazônia. Ao fim da caminhada, as agruras serão semelhantes, independentemente da condição social ostentada na atividade. Se o desfecho é inevitável, que o seja no mais elevado nível de felicidade possível. Preparar-se é preciso.

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