JUSTIÇA TRIBUTÁRIA

Falta justiça no Judiciário, mas ainda há esperanças

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

14 de maio de 2012, 9h20

Spacca
A advocacia é a profissão das esperanças, não das certezas. Procuramos a Justiça, a mesma que está incluída no preâmbulo da nossa Constituição como um dos seus valores supremos. Exatamente por isso, os contribuintes merecem e exigem a justiça tributária como retribuição aos valores que entregamos ao poder público sob a forma de tributos. Todavia, sabemos que não há certezas na Justiça, mas apenas esperanças.

Mesmo quando a pessoa trabalha totalmente na informalidade, não emitindo qualquer documento relativo à sua atividade, não apresentando nenhuma declaração de imposto, não recolhendo formalmente qualquer valor aos cofres públicos, ainda assim está pagando impostos, mesmo que não queira ou não saiba. Afinal há impostos na energia elétrica, alimentos, roupas, etc.

A ausência da justiça tributária decorre em boa parte do mau funcionamento do Judiciário. Quando alguém não obtém Justiça, procura o Judiciário. Mas o resultado dessa busca nem sempre é positivo.

Podemos verificar que em muitas situações a atuação de servidores públicos, inclusive autoridades e operadores do direito, se desenvolve não no sentido de fazer a Justiça e atender ao reclamo da cidadania, mas, ao contrário, vai na direção oposta, aumentando o prejuízo de todos, invertendo a norma constitucional, impedindo que a Justiça se faça, num grande esforço para prejudicar a todos, inclusive as próprias instituições democráticas.

Um exemplo desagradável: recentemente em São Paulo o fisco municipal resolveu impedir que contribuintes em débito com o ISS emitissem a nota fiscal eletrônica. Vários contribuintes procuraram e obtiveram proteção judicial através de mandado de segurança, na esteira de farta jurisprudência baseada em mais de uma súmula do STF.

Os procuradores municipais, que um dia juraram defender as leis e a Constituição, deveriam aceitar com serenidade a decisão judicial, pondo fim a uma discussão inútil e estéril. Todavia, cumprindo ao que parece ordens de seus superiores, alimentaram a discórdia, já sabendo que a briga não vai levar a nada. Apenas a mais custos, mais despesas, mais perda de tempo.

Claro está que o tempo dos procuradores poderia ser utilizado para promover o andamento das execuções fiscais, onde milhares de processos dormem placidamente à espera da prescrição.

O Judiciário não pode decidir sem direção, fora do contexto social vigente, ao arrepio da lei em vigor e menos ainda ignorando normas constitucionais. Suas decisões são precedentes a observar, pois representam a interpretação das leis e da constituição. Quando não se observam uma súmula do STF ou decisões reiteradas dos demais tribunais, falta-se ao respeito com o judiciário e perde-se tempo inutilmente. Vejamos o que disse o Min. Marco Aurélio, do STF, recentemente:

“A ausência de respeito às decisões do Supremo revela a quadra do nosso Estado, que talvez não seja, como se diz na nomenclatura, um Estado Democrático de Direito. É inconcebível que o Supremo decida, e decida de forma reiterada, e o Poder Público — gênero, estados, municípios ou a União — ignore a decisão. O que nós precisamos no Brasil é de ética. É de homens, principalmente homens públicos, que observem a ordem jurídica constitucional. Eu sempre digo que se paga um preço, e ele é módico, para se viver em uma democracia. E está ao alcance de todos, mas parece que não está ao alcance dos homens públicos, que é o respeito às regras estabelecidas. (Min. Marco Aurélio, entrevista, Conjur, 08.01.2012)

O mais lamentável disso tudo é que assim agindo os procuradores infringiram o artigo 34, VI, da lei 8906 (Estatuto da OAB), sujeitando-se a processo disciplinar junto ao Tribunal de Ética. E a autoridade que emprega na cobrança de tributo meio vexatório ou gravoso (incluir no Cadin o devedor por exemplo) comete crime sujeito a pena de reclusão de 3 a 8 anos, conforme o artigo 316 § 1º do Código Penal.

Registre-se, no caso do crime de excesso de exação, a pouca ou nenhuma atenção que lhe dá o Ministério Público, tão cioso de suas funções em outras situações que mais atraem os holofotes da mídia. Mas ao que parece ainda existe uma outra notável coincidência ou agravante: dizem que o secretário encarregado do assunto é professor de direito! Esperamos que Themis proteja os estudantes das aulas de tal mestre!

O Judiciário poderia e deveria ocupar-se de coisas mais importantes e úteis do que causas onde se travam batalhas medíocres onde o contribuinte tenta se defender de abusos que não deveriam existir, enquanto advogados pagos com nossos impostos ignoram as leis e a jurisprudência na vã esperança de tentar provar que o poder público, ao cometer abusos e praticar iniqüidades, ainda está certo.

Essa aparente tentativa de uns e outros tentarem provar que estão certos não leva a nada, é ridícula e não se presta nem mesmo à satisfação de vaidades mal resolvidas. O forum não é um circo, um programa de auditório ou uma festa qualquer onde as pessoas vão se divertir. O forum é onde se vai à busca da justiça. A procura pela justiça é que nos distingue dos bárbaros, dos selvagens, dos que não conhecem a civilização e é ela, a justiça, que justifica e explica abrirmos mão de parte de nosso patrimônio e de nossa liberdade em troca de vivermos numa sociedade, num estado democrático de direito. Enquanto isso, o trabalho dos operadores do direito (advogados, promotores, juízes, etc.) só serve para uma coisa: obter justiça. Quem quiser defender teses, que vá à academia. Quem pretende ensinar que o faça na escola, fora do expediente forense.

Enquanto procuradores perdem seu tempo defendendo as asneiras que autoridades criam na sua ensandecida necessidade de gerar factóides politiqueiros ou midiáticos, há muitas coisas que deixam de fazer e que trazem perdas para o erário. Defender o patrimônio público é uma das mais importantes funções desses profissionais. Assim, não podem abandonar o andamento das execuções fiscais (há mais de um milhão de processos parados) para bajular a autoridade de plantão, defendendo suas fantasias de poder.

Infelizmente o poder judiciário permite esse desvio. Bastaria, para início de conversa, que as corregedorias da Justiça Federal e do Tribunal de Justiça determinassem que os juízes cumprissem a lei, decretando de ofício a prescrição de todas as ações de execução fiscal. O reconhecimento da prescrição extinguiria milhões de processos. Quem cobra tributo prescrito também comete o crime de excesso de exação. O Judiciário é incumbido de distribuir Justiça, não uma agência de cobrança de tributos. Vale invocar a lição de Ives Gandra da Silva Martins (Gazeta Mercantil, 30/04/2008):

“A função do Poder Judiciário é fazer justiça, e não assegurar a arrecadação, principalmente quando a qualidade do crédito exigido é contestável.”

Mas não é só no caso de execuções fiscais que o judiciário precisa dar uma resposta efetiva, serena e conforme as normas constitucionais.

Em várias ocasiões autoridades federais, estaduais ou municipais fizeram declarações públicas negativas sobre pessoas físicas ou jurídicas. Num caso de grande repercussão na mídia, afirmou-se que certa empresa seria fechada e que seriam bloqueados os bens de seus sócios, ante um auto de infração de mais de 300 milhões de dólares, relacionado com importações. Ela defendeu-se e o fisco reconheceu na primeira instância que estava errado, que não havia sonegação alguma.

Mas, apesar de tudo, a empresa acabou, pois enquanto os órgãos de julgamento administrativo não decidiam, ela perdeu o crédito, os fornecedores, os clientes, etc. Houve um linchamento moral de uma empresa que tinha cerca de 1.000 empregados, feito por servidores que ignoraram o artigo 198 do CTN. Isso se caracteriza como crime de abuso de autoridade, na modalidade prevista no artigo 4º da lei 4.898/65:

ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

O fisco estadual também tem sido beneficiado pela aplicação equivocada da lei e dos princípios constitucionais em vigor, por parte de magistrados das duas instâncias.

Um exemplo desse equívoco é recente decisão de um juiz da Capital que, ante o pedido de liminar em mandado de segurança para que um advogado pudesse retirar autos de processo administrativo para vistas em seu escritório, prolatou decisão “meia boca”, apenas autorizando a vista na repartição. O advogado depois da vista dos autos desistiu do MS. Seu problema já estava resolvido, mas ficou sem solução o do magistrado que ignorou a lei 8906 e também não aceitou precedente do STF, ambos citados na inicial.

Diz o Estatuto da Advocacia em seu artigo 7º que um dos direitos do advogado é “ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;”

Há dezenas ou centenas de decisões pelo país todo reconhecendo e mandando aplicar essa norma. Um juiz da principal cidade do país não pode ignorar o estatuto da Advocacia e menos ainda a jurisprudência em vigor. Como não é ignorante, decidiu contra a lei, demonstrando seu desprezo pela profissão que um dia abraçou e um dia voltará a abraçar, depois de aboletado em confortáveis proventos da aposentadoria. E nós, advogados, às vezes ainda presenciamos solenidades ridículas e desnecessárias para devolução de carteiras da OAB, não raras vezes a quem passou a maior parte da vida ignorando os nossos direitos e prerrogativas.

Como se vê, a justiça tributária vem sendo castigada em todos os níveis do Judiciário. Ao que parece alguns juízes imaginam-se cobradores de impostos, outros pensam que o judiciário é um órgão revolucionário anti-capitalista onde a “burguesia” deve ser perseguida e finalmente há também quem não pensa nem imagina, pois tem outras atividades mais relevantes como, por exemplo, dirigir academias ou lojas maçônicas.

Mas para aqueles que acreditam na lenda de que os atos administrativos devem gozar da presunção de legitimidade, resta-nos invocar mais uma vez, a sempre atual lição de Rui:

“Essa presunção de terem, de ordinário, razão contra o resto do mundo,nenhuma lei a reconhece à Fazenda, ao Governo ou ao Estado. Antes, se admissível fosse qualquer presunção , havia de ser em sentido contrário. Pois essas entidades são as mais irresponsáveis, as que mais abundam em meios de corromper, as que exercem as perseguições,administrativas, políticas e policiais, as que, demitindo funcionários indemissíveis, rasgando contratos solenes, consumando lesões de toda a ordem (por não serem os perpetradores de tais atentados os que por eles pagam), acumulam, continuadamente sobre o Tesouro Público, terríveis responsabilidades.”

Apesar de tudo, ainda há esperança. O Judiciário vem se renovando e se tornando transparente. Falta muita coisa para mudar, mas já estamos longe do tempo em que as petições suplicavam, não requeriam. Com a informática e o acesso aos meios de comunicação, estamos perto de ver uma justiça verdadeiramente democrática. Os sinais disso ainda são tímidos, mas apontam a mudança. A esperança está na comunicação. Quem encontrar um abuso no judiciário, pode e deve noticiá-lo. Existe sim uma esperança nisso tudo…

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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