Segunda Leitura

Situações inusitadas surpreendem o mundo jurídico

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

13 de maio de 2012, 11h10

O Direito é rico em situações que nos levam à perplexidade. Vai-se do absurdo ao cômico em poucos minutos. Tal qual os fatos da vida, os fatos jurídicos, suas consequências e soluções deixam-nos perplexos. Na simplicidade da linguagem popular, cabe aqui o ditado “a gente morre e não vê tudo”.

No Brasil Colonial vigiam as Ordenações Filipinas, ordem jurídica que alcançava desde possessões espanholas no Caribe até as Filipinas, na Ásia. Nos seus cinco Livros, as Ordenações tinham dispositivos que hoje soam literalmente incompreensíveis, no conteúdo e na forma. Vale registrar algumas de suas penas.

Para os que se vestiam de mulher ou usavam máscaras, salvo para jogos fora da Igreja ou de procissões, a punição era serem chicoteados ou enviados para a África como degredados (Livro V, Título XXXIV). Já os mexeriqueiros eram penalizados civil e penalmente. Tudo o que atribuíssem a um terceiro – ou seja, as fofocas – era considerado como se eles mesmo tivessem falado para a vítima. E assim as suas inconvenientes mentiras seriam sancionadas. (Livro V, Título LXXXV).

O bestianismo, ou seja, as relações sexuais entre o homem e um animal, não tinham previsão legal. Dele não falava o Código Criminal do Império (1830) nem o Código Penal da República (1890). Este, é verdade, previa o ultraje público ao pudor (artigo 282), mas o tipo exigia local público. Sucede que as relações entre um homem e um animal sempre foram feitas em áreas rurais ou locais reservados, pois o agente não faz questão de mostrar suas habilidades. O Código Penal de 1940 também não dispôs a respeito e, por isso, não há jurisprudência.

Todavia, recordo-me de um crime em que o bestianismo foi a causa, ainda que não tenha sido o fato delituoso. Em outras palavras, uma égua teve participação indireta. Na comarca de Miracatú, em São Paulo, no ano de 1971, com base em inquérito policial, na qualidade de Promotor de Justiça denunciei um cidadão que se dirigiu a uma escola pública à noite, onde, de surpresa, desferiu um soco no rosto de um jovem estudante, ferindo-a levemente. O motivo da agressão, declarado nos autos, era o de que a vítima tinha mantido relações sexuais com a égua do agressor que, enciumado, partiu para a vingança. Seria um caso de “ciúme bestiânico”.

Curiosa, também, denúncia ofertada pelo Ministério Público na comarca de Mairiporã (SP) contra um grupo de pessoas que elaboravam e vendiam filmes eróticos. Além de vários tipos penais, a acusação atribuiu aos acusados, também, o crime ambiental de maus-tratos a animais (artigo 2 da Lei 9.605/98). Tudo porque “estimulavam cães e cavalos a manterem relações sexuais com seres humanos, abusando deles, vez que os desviavam de seus instintos naturais de procriação. Outrossim, restou comprovado que eram injetadas altas doses de hormônio nos equinos, para que estes pudessem ter ereções e, consequentemente, manter atos sexuais diversos com mulheres…” (proc. 338.01.2005.00049-0, denúncia do MP, 29.4.2005, 2ª. Vara de Mairiporã, SP).

Uma dúvida, porém, assalta o espírito do estudioso. Como saber se a vítima (os animais) sofreram maus tratos ao praticar os atos sexuais?

Em 22 de julho de 2010, em Tebeswet, no distrito de Narok Sul, Quênia, Stephen Kipkemoi Rono, com 30 anos, foi condenado a 12 anos de prisão por ter mantido relações sexuais com um burro. Sua justificativa de que tinha sido abandonado pela mulher e se achava carente não sensibilizou a rigorosa corte queniana.

Outro fato inusitado ocorreu na cidade de Tuxtla, Estado de Chiapas, México, em 18 de maio de 2008. Um burro, sem que se saiba o motivo, mordeu Genaro Vazquez e Andrés Hernandez e ainda desferiu-lhes coices, causando-lhes lesões corporais. Face à reclamação das vítimas, o policial Sinar Gomes deu voz de prisão ao equino, colocando-o na cela da delegacia local. O proprietário Mauro Gutierrez comprometeu-se a indenizar os feridos. Tudo indicava que, tomada a providência, o burro seria libertado. Seria uma inusitada causa extra-penal de extinção da punibilidade.

Do exterior vem-nos outro estranho caso de prisão. No sul da Venezuela, tempos atrás, um cidadão caminhava por uma estrada rural, quando tropeçou em uma pedra, caiu em cima dela, sofreu traumatismo craniano e morreu. A população não se conformou e a pedra foi submetida a julgamento. Condenada, foi colocada em uma pequena casinha, com porta de grade trancada, especialmente construída para ela. Ali se encontrava detida, segundo relato de quem a visitou no fim de 2008. E mesmo quando abrem a porta, ela de lá não sai.

De Burjassot, provincia de Valencia, Espanha, vem-nos algo bizarro. Um homem se encontrava praticando um furto na funerária J. A.. Crespo. Com a chegada da polícia, deitou-se dentro de um local em que estavam expostos alguns cadáveres, fingindo-se de morto. Sua estratégia não convenceu os policiais, pois era o único que respirava. Foi preso e pouco tempo depois o Tribunal Superior de Justiça condenou-o por roubo tentado a 4 meses de reclusão e 944,41 euros de multa.

A encerrar, um julgamento do Tribunal de Justiça de Goiás em recurso de apelação. Sintetizando o ocorrido, José Roberto de Oliveira, vulgo “Preguinho”, aos 11 de agosto de 2003, em uma construção do Parque Las Vegas, em Bela Vista de Goiás, constrangeu Luziano C. Silva a, com ele, praticar ato sexual diverso da conjunção carnal. José Roberto teria oferecido bebida à vítima, embriagando-o, além de um cigarro de maconha, levando-o a uma construção.

Lá ofertou sua amásia Ednair Assis a Luziano e enquanto ele tentava possuí-la, “Preguinho” agarrou-o por trás e consumou a conjunção carnal. Registre-se que Ednair fugiu do local, portanto a vítima não a possuiu. Mas, por sua vez, foi possuído pelo denunciado. A Corte Estadual, contudo, absolveu José Roberto porque, em se tratando de sexo grupal, a vítima sujeitou-se aos riscos da empreitada.

Como se vê, a vida supera a imaginação.

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