Edward Said e a invenção do Oriente
13 de maio de 2012, 5h26
Said nasceu em Jerusalém, em 1935, cidade sagrada pelas religiões, profanada pela política, ultrajada pela ganância, símbolo da vastidão e da exiguidade humanas. Said viveu em ambiente pietista anglicano, comprovando que casamentos e adultérios de Henrique VIII propiciaram doutrina que cativou até radicais levantinos.
Said foi criado no Cairo e valendo-se da nacionalidade secundária norte-americana do pai viveu em Boston e estudou em Harvard e em outras universidades norte-americanas. A partir de 1963, lecionou em Nova Iorque, ambiente cosmopolita que o albergou e que presenciou sua morte.
Said sentia-se um errante. Como todas as crianças, inventou e criou seus pais, família, história. A riqueza do pai comerciante propiciou educação primorosa, elegante. Said militou na Organização Pró-Libertação da Palestina, da qual se afastou em oposição a Arafat, decepcionado que ficara com a corrupção das elites árabes.
Crítico da cultura, Said concebeu o oriente como invenção funcional do ocidente. Esse último caricaturou aquele primeiro, opondo progresso e atraso, civilização e barbárie. Romantizado em túnicas, camelos e sabres e sistemáticas orações prostradas para a cidade do Profeta, o oriente protagoniza estereótipos que justificam carnificinas, como recentemente vê-se em Bagdá.
É este o grande mote de seu mais importante livro, Orientalismo, publicado em 1978, e que foi traduzido em várias línguas. A tese consistia na concepção do oriente como uma invenção do ocidente, premissa empiricamente comprovada em farta pesquisa bibliográfica. Trata-se de um livro apaixonante.
Edward Said foi também um ativista de causas nobres e apontou para os enigmas da globalização perversa. Denunciou esse palco sangrento no qual os descontentes com a paz matam em nome de verdades messiânicas, tradutoras da ganância e da miserabilidade de uma existência centrada na burrice destruidora de espaços pluralistas e compreensivos. São esses poderosos que manipulam a cultura, criando uma falsa ética a partir de uma duvidosa estética, dimensionando a gangrena moral de nosso tempo.
Depois da obra de Said, nossa concepção do outro nunca mais foi a mesma. O outro é uma invenção nossa e, portanto, é um pouco de nós mesmos. Na teoria da cultura, que também transita nos valores do justo e do direito, a concepção de Said é comprovada pelas figuras imaginárias que frequentam ambientes que não conhecemos.
Quando Said morreu, ouviu-se um estranho ruído. É que os anjos choraram, enquanto os ainda perversos comemoravam um mundo cada dia mais vazio de idealistas e de humanistas.
Edward Said foi um humanista, porque acreditava em valores permanentes entre os seres humanos. E também foi um idealista, porque acreditava que o combate em frentes culturais substitui a irracionalidade das guerras e a perversidade da exploração humana.
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