Embargos Culturais

Edward Said e a invenção do Oriente

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  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

13 de maio de 2012, 5h26

Caricatura: Arnaldo Godoy - Colunista [Spacca]O intelectual palestino Edward Said morreu de leucemia em 2003 após doze anos de luta contra a medonha doença. Viveu desassossegado com uma identidade palestina que teimava em formatar. Edward Said foi também um dos mais importantes críticos literários do século XX.

Said nasceu em Jerusalém, em 1935, cidade sagrada pelas religiões, profanada pela política, ultrajada pela ganância, símbolo da vastidão e da exiguidade humanas. Said viveu em ambiente pietista anglicano, comprovando que casamentos e adultérios de Henrique VIII propiciaram doutrina que cativou até radicais levantinos.

Said foi criado no Cairo e valendo-se da nacionalidade secundária norte-americana do pai viveu em Boston e estudou em Harvard e em outras universidades norte-americanas. A partir de 1963, lecionou em Nova Iorque, ambiente cosmopolita que o albergou e que presenciou sua morte.

Said sentia-se um errante. Como todas as crianças, inventou e criou seus pais, família, história. A riqueza do pai comerciante propiciou educação primorosa, elegante. Said militou na Organização Pró-Libertação da Palestina, da qual se afastou em oposição a Arafat, decepcionado que ficara com a corrupção das elites árabes.

Crítico da cultura, Said concebeu o oriente como invenção funcional do ocidente. Esse último caricaturou aquele primeiro, opondo progresso e atraso, civilização e barbárie. Romantizado em túnicas, camelos e sabres e sistemáticas orações prostradas para a cidade do Profeta, o oriente protagoniza estereótipos que justificam carnificinas, como recentemente vê-se em Bagdá.

É este o grande mote de seu mais importante livro, Orientalismo, publicado em 1978, e que foi traduzido em várias línguas. A tese consistia na concepção do oriente como uma invenção do ocidente, premissa empiricamente comprovada em farta pesquisa bibliográfica. Trata-se de um livro apaixonante.

Edward Said foi também um ativista de causas nobres e apontou para os enigmas da globalização perversa. Denunciou esse palco sangrento no qual os descontentes com a paz matam em nome de verdades messiânicas, tradutoras da ganância e da miserabilidade de uma existência centrada na burrice destruidora de espaços pluralistas e compreensivos. São esses poderosos que manipulam a cultura, criando uma falsa ética a partir de uma duvidosa estética, dimensionando a gangrena moral de nosso tempo.

Depois da obra de Said, nossa concepção do outro nunca mais foi a mesma. O outro é uma invenção nossa e, portanto, é um pouco de nós mesmos. Na teoria da cultura, que também transita nos valores do justo e do direito, a concepção de Said é comprovada pelas figuras imaginárias que frequentam ambientes que não conhecemos.

Quando Said morreu, ouviu-se um estranho ruído. É que os anjos choraram, enquanto os ainda perversos comemoravam um mundo cada dia mais vazio de idealistas e de humanistas.

Edward Said foi um humanista, porque acreditava em valores permanentes entre os seres humanos. E também foi um idealista, porque acreditava que o combate em frentes culturais substitui a irracionalidade das guerras e a perversidade da exploração humana.

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