Violência à mulher

Vazamento de fotos deve ser julgado como lesão corporal

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10 de maio de 2012, 7h01

Casos que vêm ganhando grandes proporções e que crescem a cada dia nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher são aqueles em que o ex-namorado ou ex-companheiro, não aceita o fim do relacionamento e, para se vingar, despeja na nternet) todo o acervo íntimo de áudio e vídeo do casal, muita das vezes mantendo relações sexuais ou em momentos de generosa descontração.

Poucos dias depois, tomando conta da indevida exibição feita pelo seu algoz, através de amigos, vizinhos e conhecidos, até mesmo de estranhos, o estado físico e mental da vítima é aflitivo e infeliz.

Nos diversos atendimentos que pude realizar de mulheres vítimas desses agressores, a constatação é inequívoca: a saúde da mulher fora atingida no seu âmago, irradiando-se o ato criminoso por todo o seu corpo, como um câncer agressivo e invasivo.

A totalidade dessas vítimas acaba tendo que se afastar de seus empregos, estudos e ocupações, desenvolvendo diversos tipos de doenças e crises emocionais, vivendo à base de remédios e de visitas a consultórios médicos, além de sessões com psicólogos. Muitas, no começo, mal conseguem sair de suas próprias casas, até mesmo para fazer o Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia.

Ou seja, o ex-companheiro conseguiu seu objetivo: reduziu sua ex a cinzas. Sabe esse carrasco que a mesma nunca mais será a mesma, pelos menos por um futuro razoável, suficiente para saborear sua vingança. Afinal, se “ela não for minha não será mais de ninguém”. É o velho mandamento do homem do paleolítico, que hoje vive disfarçado na sociedade sob o rótulo de machista, trocando o porrete pelo mouse.

Chegando à Delegacia, vítima e seus familiares, todos exaltados e revoltados, vendo o estado de saúde aniquilado da primeira que mal consegue se manter de pé, têm uma triste constatação e frustração. É que, malgrado a tsunami causada na saúde da ofendida pelo agressor, este responderá pelo singelo delito de injúria, punido com detenção, de um a seis meses, ou… multa! Como se apenas a honra da vítima tivesse sido atingida.

Claro, a honra também fora atingida, mas a sua saúde também. Aliás, é mais pela perda da saúde do que qualquer outra coisa que a mulher se encoraja para ir até uma Delegacia. E, mesmo assim, sai daí sabendo que goza de um prazo de seis meses para oferecer uma queixa-crime contra seu ofensor, sob pena de decadência.

É assim que doutrina e jurisprudência ainda se orientam nos dias de hoje, com relação a vídeos de sexo ou íntimos despejados na Internet para se atingir ex-namoradas e ex-companheiras. Ao que parece, a saúde da vítima restaria incólume. Ou, acaso atingida, seria mero incômodo desapartado do ato criminoso perpetrado, sem nenhuma relevância jurídica. Tendo o agente ativo, assim, mirado única e exclusivamente na reputação da mulher, em sua honra.

Mas sabemos que não é isso que acontece. A saúde da mulher encontra-se destruída, arrasada. E foi esse bem jurídico, a saúde, que o agente desejou atingir. O ataque à honra é um dos percursos criminosos para se atingir a valiosa e estimada saúde da vítima.

O Código Penal, para efeito de tipificação, não deixa dúvidas quando o bem jurídico tutelado atingido é a saúde:

“CAPÍTULO II

DAS LESÕES CORPORAIS

Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem [destaquei]:

Pena – detenção, de três meses a um ano”.

Claro, tratando-se de violência doméstica, deve ser aplicado o § 9º do mesmo Artigo, com a redação dada pela Lei Maria da Penha (“Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos”).

Como se vê, o crime de lesões corporais não se resume a ofensa à integridade corporal, temos outra elementar normativa do tipo: a saúde de outrem!

Atingida, pois, a saúde de outrem, o crime é de lesão corporal, jamais de injúria. A aplicação do Princípio da Consunção, conhecido também como Princípio da Absorção, é eloquente. O crime mais grave absorve o crime menos grave.

Sábia foi a Lei Maria da Penha, que soube operar os distintos sofrimentos da mulher:

“CAPÍTULO II

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

(…)

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.

Os ataques consistentes em violência física e violência psicológica são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher absolutamente independentes e distintas da violência moral em Direito Penal. Os bens jurídicos atingidos não se confundem, muito menos se fundem para constituir infração menor, em prestígio do agressor e de sua funesta e detestável empreitada criminosa.

Em última análise, tipificar a conduta de destruir, aniquilar e abater a saúde da mulher como injúria é alterar a segunda parte do caput do Art. 129 do Código Penal. Ou, então, dizer que a mulher, desde sua origem, é desprovida de saúde, tornando o fato crime impossível.

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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo

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