Abertura de mercado

OAB discute associação com bancas estrangeiras

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8 de maio de 2012, 9h40

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil promoveu, na tarde desta segunda-feira (7/5), em Brasília, audiência pública para debater as regras para atuação de escritórios estrangeiros no país e a possibilidade de associação entre bancas brasileiras e de fora. Os conselheiros ouviram defensores e opositores da flexibilização das restrições durante sessão que tomou toda a tarde e início da noite.

As principais preocupações manifestadas são a reciprocidade entre os países, a livre concorrência, a vulnerabilidade do mercado local, o protecionismo e até mesmo a cultura brasileira de advocacia. A única certeza entre os conselheiros foi de que o discutido Provimento 91, que estabeleceu as normas que disciplina a atividade de sociedades e consultores estrangeiros no Brasil, não abrange a complexidade contemporânea da advocacia no contexto internacional — muito embora o exercício profissional em território nacional seja matéria de reserva legal. Ou seja, qualquer mudança depende do Congresso e não da OAB.

“O Provimento 91 não regulamenta toda a questão internacional”, afirmou Cezar Britto, presidente da Comissão de Relações Internacionais do Conselho Federal da OAB e principal defensor da presença estrangeira. “A advocacia internacional é muito maior do que o tema do consultor estrangeiro”, disse, resumindo o espírito de apreensão entre os conselheiros de que a Ordem terá se posicionar prospectivamente sobre fenômenos novos, advindos do fenômeno da globalização.

No início da audiência foi firmada um protocolo de ações entre o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a e a Comissão Jurídica da Câmara de Comércio Francesa. A intenção é incentivar propostas de colaboração institucional e de promoção do acesso recíproco a informações comuns entre advogados brasileiros e franceses.

O ex-conselheiro federal  da OAB Sérgio Ferraz, que integrou a comissão que redigiu o Provimento 91/2000, abriu a audiência explicando que a norma nasceu há 12 anos em decorrência do fenômeno da afluência de bancas internacionais que chegavam ao Brasil, um fenômeno sem precedentes que precisava ser devidamente enfrentado. De acordo com Ferraz, o Itamaraty, à época, era sensível demais aos apelos das bancas estrangeiras. O marco regulatório surgiu justamente da mudança de cultura do Itamaraty ao entender que cabia à Ordem responder ao fenômeno.

“O Provimento 91 não é uma rejeição xenófoba, suas disposições estão abrigadas na Constituição”, disse Ferraz, que considera seu conteúdo “cauteloso” , ponderando que “o mercado de advocacia integra o patrimônio nacional”.  “O Provimento é um documento de época, para a realidade de 12 anos atrás, agora cabe ao Conselho concluir se está datado ou não”, avaliou.

José Luiz Freire, representante do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA),  também fez duras considerações à insistência das bancas estrangeiras atuarem mesmo que de forma ilegal no país. Para ele, “o que está em debate é a estrita observância das leis”. Freire observou que a lei federal brasileira que rege a profissão de advogado “tem caráter essencialmente liberal”. E reforçou: “Globalização nao é falta de regulamentação”, disse Freire ao criticar os grupos estrangeiros que insistem em entrar no país “pela porta de trás”.

“Nas últimas semanas, diversos argumentos têm sido feitos por um grupo pequeno de pessoas a serviço dos interesses particulares de um grupo também muito pequeno de sociedades de advogados estrangeiros sobre supostas benesses relacionadas à associação com sociedades de advogados brasileiros. Muitos desses argumentos, gratuitos, inverídicos e falaciosos, desviam a atenção da questão principal, que é a estrita observância da lei, disse Freire. “Os argumentos procuram, sem sucesso, demonstrar que o Brasil é um país atrasado, não inserido na globalização. Uma jornalista estrangeira chegou a comparar as normas da OAB com as normas fixadas em elevadores e padarias, em reportagem publicada no site da revista Latin Lawyer”, disse Freire.

A posição contrária sustenta que se na Europa e Estados Unidos exige-se a validação do diploma e teste de proficiência profissional, aqui não pode ser diferente. Tanto mais quando a estagnação da economia levou ao esgotamento o mercado da advocacia desses países, que hoje tentam manter seus clientes estrategicamente deslocados para economias mais aquecidas, como a brasileira.

“Não estamos aqui para estabelecer o debate, o contraditório, nem para discutir a atuação da advocacia estrangeira no país, mas para colher subsídios para termos tranquilidade e segurança de decidir da melhor forma”, advertiu o presidente do Conselho  Federal, Ophir Cavalcante logo no início da audiência. “Não estamos aqui para contrapor a soberania do plenário,  apenas para angariar elementos para debate futuro”, disse.

Em defesa do estreitamento das relações entre a advocacia espanhola e brasileira, o vice-presidente do Conselho Geral da Advocacia Espanhola, Joaquim Garcia-Romanillos, louvou a predisposição da OAB em discutir o assunto democraticamente, observando que desconhecia o precedente de qualquer ordem ou associação de advocacia no mundo de se dispor a debater o assunto em uma audiência pública.

“Na regulamentação espanhola não existe obstáculo à colaboração entre as sociedades de advogados. Isso não resultou, contudo,  no desaparecimento dos escritórios de pequeno, médio e grande porte”, disse Romanillos, que afirmou que, apesar da abertura do mercado à iniciativa estrangeira, as quatro maiores bancas do país ainda são espanholas.

O presidente da Federação Interamericana de Advogados (FIA), André de Almeida, foi quem defendeu com mais ênfase a abertura do Brasil aos escritórios estrangeiros. Segundo ele, a entidade que dirige representa 44 organizações profissionais da advocacia. Ele criticou o que classifica de estereótipo da “invasão das bancas estrangeiras”, afirmando que o tema em questão não era defender a advocacia nacional, mas transformar “a forma como os advogados podem exercer sua profissão no Brasil”. “A discussão é econômica”, ponderou André de Almeida.

Almeida observou ainda que, em países que abriram o mercado, como a Espanha e a França, as grandes bancas ainda são as locais, pois as firmas “estão ombreadas em um mercado competitivo”. Fez uma analogia com o mercado indiano de advocacia que, segundo ele, “tem um passado colonial recente e trágico e, sob o pretexto de proteger a prática do Direito local, perpetua sociedades de advocacia organizadas sob sistema patriarcal".

Outro advogado brasileiro que participa de organização internacional na audiência foi menos otimista que Almeida. Paulo Lins e Silva, da União Internacional dos Advogados (UIA), disse que embora a entidade, oficialmente, preferiu não se posicionar sobre a matéria, ele, pessoalmente, afirma que sua experiência à frente da presidência da UIA o ensinou a ver com ressalvas a flexibilização das normas que restringem a atuação de bancas e advogados estrangeiros. Lins lembrou que a UIA equivale à “A Ordem dos Advogados Mundial”, e é porta-voz de 5 milhões de advogados, congregando mais de 200 ordens e colégios  em todo o planeta. Lins foi o segundo brasileiro a presidir a instituição em 85 anos de existência e compareceu na audiência a pedido da atual gestão.

Paulo Lins e Silva afirmou ter testemunhado a deterioração de escritórios locais frente à chegada de bancas estrangeiras, mencionando casos na China, em que bancas nacionais e jovens advogados  chineses foram perseguidos por se opor a interesses de firmas americanas e inglesas. Citou ainda episódio ocorrido na República Tcheca, onde a Ordem de Advogados local chegou a ser fechada por divergir da proposta do poder Executivo do país de abrir o mercado para bancas estrangeiras. Lins falou também do caso do México que, segundo ele, foi entregue à advocacia americana e onde “só é possível exercer a advocacia para bancas que exibam a sigla de alguma firma dos Estados Unidos”.

“A arte de advogar, sob a nossa concepção, deve ser a de receber o cliente pelo nome, conhecendo a sua vida ou a vida de sua empresa, e não tratá-lo como um número. Essa é a política adotada no Brasil”, disse ao defender a advocacia como “artesania”.

Representando o Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, Alfredo de Assis Gonçalves Neto, também apontou riscos de flexibilizar normas que restringem a atuação de bancas estrangeiras no Brasil. Para ele, a recíproca esperada pelo lado brasileiro não é factual, uma vez que as bancas com interesse em expansões internacionais são de países em que o Brasil não tem condições de ingressar.

“Na medida em que admitamos um sociedade de advocacia estrangeira fazer associação com uma sociedade de advogados brasileiros estaremos contrariando o Provimento 112, que só permite associação entre sociedade de advogados”, disse Alfredo de Assis, se referindo ao fato de que, em alguns países, sócios de bancas podem ser meros prestadores de capital, apenas investidores interessados no lucro e não no mérito do negócio. “Sabemos hoje que, em países que seguem o sistema europeu continental, é permitida a criação de sociedades anônimas, sociedades ilimitadas, com sócios simplesmente prestadores de capital, ou seja, pessoas que investem na sociedade pouco importando a atividade, se é fábrica de linguiça ou o exercício da advocacia”, disse.

O membro da Comissão Nacional de Direitos Difusos e Coletivos da OAB Nacional, Augusto Aras, equilibrou sua apresentação sem tomar partido em quaisquer um dos lados. Aras chamou a atenção para a dificuldade que o Conselho tem pela frente uma vez que sua decisão tem de contemplar a realidade de não se fechar simplesmente para a “ pressão que o capital  internacional exerce no país”, nem consentir com a entrada de grupos de fora sem estar amparado em uma rigorosa legislação e fiscalização. “Temos um capital internacional imenso presente no país, que é de interesse dos brasileiros,  disse.

“Temos que decidir o que queremos, se a realidade brasileira como tal ou o estrago que aconteceu no México, avaliou. “‘Apenas um sim’ ou um ‘não’ não irão resolver o problema da advocacia”, disse.

Aras afirmou que leu detalhadamente o parecer do conselheiro da OAB do Rio, Carlos Roberto Siqueira Castro, recomendando mais restrições, bem como os pareceres do constitucionalista Luís Roberto Barroso e do professor Miguel Reale Jr., e disse estar convencido de que a situação não se resume meramente a resistir a um apelo econômico em favor da ética na advocacia. O que cabe, segundo ele, é repensar “um novo caminho que preserve a independência e a autonomia dos advogados”.

“Esse é o grande desafio. Em um regime democrático e num sistema capitalista de mercado, o que nos cabe é o caminho do meio: preservar a atividade fim da advocacia e facultar a atividade meio naquilo em que for possível, com a compreensão de que nada é melhor do que o princípio da razão para evitar que a advocacia brasileira seja usada para associações embusteiras”, disse Aras.

Antes que os conselheiros começassem a inquirir os participantes, o advogado Tulio Freitas do Egito Coelho, sócio da banca Trench, Rossi e Watanabe em Brasília, teve três minutos concedidos pelo presidente Ophir Cavalcante para se pronunciar.  Em seu apelo, o advogado prestou um depoimento pessoal sobre sua experiência como sócio de uma banca brasileira que é associada a uma firma internacional. A Trench, Rossi e Watanabe é associada à banca norte-americana Baker & McKenzie.

“Sou um advogado brasiliense, filho de um advogado maranhense e de uma advogada piauiense e ex-funcionário público aqui em Brasília”, contou. De acordo com Túlio Freitas, a oportunidade de atuar numa banca com vínculos internacionais foi o que tornou possível a ele deixar o funcionalismo público há 19 anos. “Tive oportunidade de assessorar meus clientes fora do Brasil em conjunto com clientes de outras jurisdições, de criar times de advogados multijurisdicionais para assessorar nossos clientes e de participar de grupos de táticas internacionais”, relatou.

Em seguida, os conselheiros então passaram às perguntas, questionando os participantes acerca de seus pontos de vista. Ainda não há previsão de data para a análise da matéria, que está sob a relatoria do conselheiro federal Marcelo Zarif.

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