Nova PEC

Juízes repudiam interferência do Legislativo na Justiça

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4 de maio de 2012, 17h41

Enquanto o Supremo Tribunal Federal se adianta ao Legislativo e aprova a constitucionalidade de questões como a interrupção de gravidez de fetos anencefálicos e a união estável de casais homossexuais, uma Proposta de Emenda à Constituição com a suposta intenção de inibir o ativismo judicial tem preocupado juízes e parlamentares. Aprovada no último dia 25 de abril pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara por unanimidade, a PEC 3 de 2011 estabelece a competência do Congresso Nacional para sustar os atos normativos dos outros poderes. O alcance desse poder, se jurisdicional ou administrativo, ainda é obscuro, mas a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho já se adiantou e aprovou, nesta sexta-feira (4/5), uma nota contra a aprovação da proposta.

Segundo o documento, a medida tem a "real e verdadeira intenção de cassar decisões judiciais que desagradem segmentos políticos hegemônicos contrariados em seus interesses". A nota foi aprovada em votação de juízes de Trabalho reunidos no XVI Congresso Nacional dos Magistrados do Trabalho, em João Pessoa (PB).

No evento voltado a juízes, o senador Paulo Paim (PT/RS), que foi convidado a falar, disse que tal PEC é “antidemocrática, sendo uma afronta à tripartição dos Poderes, feita por aqueles que querem estar acima do Judiciário”. Com discurso inflamado, o senador disse que a proposta foi criada por causa do posicionamento progressista do Judiciário, frente a um “Congresso que é comandado pelo poder econômico”.

“Caso essa PEC seja aprovada pelo Congresso, nós vamos entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para derrubá-la”, garante o diretor de assuntos legislativos da Anamatra, Germano Siqueira. Ele diz que cabe ao Poder Legislativo criar as leis, mas, enquanto leis específicas não são criadas, o Judiciário precisa se adiantar para não deixar a população sem resposta às suas perguntas.

O que o Supremo tem feito, defende Siqueira, citando o recente caso do reconhecimento da constitucionalidade de cotas raciais para ingresso em universidades públicas, é extrair normas da Constituição para determinar parâmetros para a sociedade.

Relação desigual
A aprovação da PEC pela CCJ não significa certeza de que a norma será promulgada, uma vez que a comissão, que deveria agir como filtro para analisar a constitucionalidade das leis na Câmara, tem aprovado praticamente todas as propostas que por ela passam.

Na justificativa da PEC 3, de autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT/PI), ele afirma que a Constituição Federal prevê expressamente em seu artigo 49 “a competência do Poder Legislativo de sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do Poder Regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.

O deputado afirma que há uma desigualdade nas relações do Poder Legislativo com os outros Poderes, uma vez que, atualmente, o Legislativo pode sustar atos do Poder Executivo, mas não pode fazer o mesmo em relação aos atos do Judiciário. 

Leia, abaixo, a nota aprovada pela Anamatra.

Nota Pública 

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, por ocasião  da plenária final do seu XVI CONAMAT , vêm a público expressar suas preocupações a respeito do teor da PEC n.03 de 2011, cujo parecer de admissibilidade foi votado e acolhido no último dia  25 de abril de 2012 na  Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos  Deputados, o que faz nos seguintes termos: 

1) A sociedade brasileira, fruto de incansável luta, construiu e consolidou com a promulgação da Constituição de 1988 o sentimento e a cultura democrática que permitiu, em definitivo, repudiar qualquer tentativa de supressão das liberdades ou de desequilíbrio do funcionamento das instituições. 

2) De lá até aqui são quase vinte e cinco anos de aprimoramento constante das funções do Executivo, do Parlamento e do Judiciário, como Poderes harmônicos e independentes entre si, o que constitui cláusula pétrea constitucional (art.60,§ 4º, III), insuscetível de alteração. 

3) A Constituição , Lei Maior , a qual todos estão submetidos, confere ao Poder Judiciário, sem exclusão, o monopólio das decisões judiciais sobre todas as lesões ou ameaças a direito que aflijam qualquer pessoa ou instituição (art.5º , XXXV). Essas decisões , quando não há mais recursos pendentes no próprio Judiciário (trânsito em julgado), tornam-se imodificáveis (art.5º, XXXVI ). Tais garantias integram o núcleo irremovível da Constituição (art.60,§ 4º, IV) e não podem ser objeto de Emenda Constitucional. 

4) São das mesma forma as normas administrativas que expressam o autogoverno dos tribunais e as decisões do Conselho Nacional de Justiça, sob pena de o Poder Legislativo não  respeitar a autonomia política a administrativa do Poder Judiciário.

5) Em sendo assim, a PEC 03/2011, que tem o objetivo aparente de apenas "sustar" (sic) atos normativos dos outros poderes" , inclusive do Poder Judiciário, politicamente tem a real e verdadeira intenção de cassar decisões judiciais que desagradem segmentos político-hegemônicos contrariados em seus interesses econômicos, filosóficos, religiosos ou tendências morais apoiadas no Poder Legislativo (como noticiado pela imprensa), e representaria, ao fim e ao cabo, dura e inadmissível quebra dos valores democráticos tão caros à sociedade, bem como do próprio sistema de tripartição de Poder e autonomia do Judiciário, com ferimento ao próprio regime de liberdades,

6) É importante lembrar que o poder emana do povo do dever ser exercido nos termos da Constituição ( parágrafo único do art.1º da CF) , não sendo admissível que o Parlamento acolha proposição tendente a suprimir prerrogativa e função inalienável e insubstituível de outro Poder. 

7) Esperam os juízes do Trabalho brasileiros, representados pela Anamatra, portanto, que a PEC 03/2011, cuja proposição foi infeliz, seja reavaliada e definitivamente arquivada, ante sua evidente inconstitucionalidade.

João Pessoa, 4 de maio de 2012

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