Rito excepcional

Ministros do STF já planejam julgamento do mensalão

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3 de maio de 2012, 6h50

Uma Questão de Ordem na Ação Penal 470, o processo do mensalão, levada à pauta do Plenário do Supremo Tribunal Federal pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, abriu a temporada de discussões sobre como será o procedimento do que deve se tornar o mais longo julgamento ininterrupto da história da corte. Ministros desconhecem o conteúdo da discussão que Barbosa quer submeter aos colegas e não é improvável que nem mesmo se refira aos procedimentos de como se desenrolará o julgamento do caso, mas o fato é que os próprios ministros passaram a discutir o formato das sessões nas quais se decidirá o destino dos 38 acusados pela Procuradoria-Geral da República.

“Eu também estou curioso”, afirmou o ministro Marco Aurélio nesta quarta-feira (2/5), indagado sobre o teor da Questão de Ordem. De acordo com o presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, a questão não é ampla. Se a intenção fosse discutir o script do julgamento, isso seria feito, provavelmente, em sessão administrativa. O teor do debate, contudo, será feito apenas na semana que vem, já que o revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, está fora do país em viagem institucional.

Segundo Marco Aurélio, o processo do mensalão tem de ser tratado como qualquer outro julgado pelo tribunal. “Não deve ser colocado em julgamento sob qualquer tipo de pressão, nem popular, nem de segmentos políticos que querem adiar seu desfecho”, afirmou. De acordo com ele, o Supremo não pode se transformar em um “órgão excepcional” para julgar o mensalão, atropelando ritos e até fazendo uma reforma informal de seu Regimento Interno.

Diversas questões se colocam para o julgamento do caso. Desde o tempo que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, terá para acusar os réus até a quantidade de sessões extraordinárias necessárias para que o caso seja solucionado com celeridade depois de iniciado o julgamento. São várias as hipóteses e formatos pensados pelos ministros.

A primeira questão que deverá ser definida é o tempo da acusação. De acordo com a Lei 8.038/1990, acusação e defesa têm, cada uma, prazo de uma hora para sustentação oral. Quando há assistentes de acusação, é assegurado a eles um quarto do tempo da acusação. Mas a lei foi pensada para processos em que há um réu, ou dois, no máximo. Em nome da paridade de armas, os ministros concordam em aumentar o prazo de Gurgel. A defesa de cada um dos 38 réus terá uma hora para a sustentação oral. Ou seja, serão 38 horas dedicadas apenas para que os advogados ocupem a tribuna.

Por óbvio, a PGR não falará por outras 38 horas na acusação. O próprio Roberto Gurgel já disse que não seria efetivo sequer usar um dia todo para falar. Mas o prazo de uma hora lhe daria um minuto e meio para cada acusado. Por isso, os ministros estudam um prazo que varie entre três e cinco horas para a acusação. Este ponto é pacífico no Supremo.

Sessões especiais
Polêmica é a discussão de como deverão ser feitas as sessões. Muitos defendem o julgamento ininterrupto do processo. Outros acreditam que não se deve privilegiar o mensalão, que seria um processo como os demais.

Até a posse do ministro Britto na Presidência do Supremo, os casos penais eram reservados para as sessões de quinta-feira. Com o novo presidente, a pauta deve se tornar temática e não seguir, necessariamente, a segmentação de julgar ações de controle de constitucionalidade e recursos extraordinários às quartas, e os casos penais às quintas. Se fosse seguida, as sessões do mensalão se dariam sempre às quintas-feiras.

Isso faria com que o processo levasse ainda mais tempo para ser julgado. Para o ministro Luiz Fux, por exemplo, o Supremo “tem de começar e terminar esse processo de uma vez”. A importância do caso, em sua concepção, justifica a formatação especial para o julgamento.

A suspensão do recesso de julho para julgar o mensalão não é considerada, ao menos por enquanto, uma hipótese viável. Isso porque não há risco de prescrição próxima. Se os réus forem condenados às penas mínimas em determinados crimes, a punibilidade já está prescrita desde agosto de 2011, quando foram entregues as alegações finais ao Supremo.

Se a pena for maior do que a mínima, a prescrição só ocorre em agosto de 2015 na maioria dos casos. Assim, não faria diferença o julgamento ser feito neste ano ou até o primeiro semestre de 2015. Isso porque a denúncia foi recebida pelo Supremo em agosto de 2007. Como as penas mínimas variam entre um e dois anos e a prescrição se dá no dobro desse prazo, ou seja, em quatro anos, a prescrição, neste caso, já teria ocorrido.

Ou seja, não haveria motivos para a suspensão do recesso. Um ministro chegou a fazer uma analogia com as hipóteses de suspensão de recesso do Congresso Nacional previstas na Constituição Federal, apenas para os casos de estado de defesa e estado de sítio.

Por este motivo, alguns ministros criticam a pressão para que o processo seja julgado logo. E até mesmo a possibilidade de se marcarem muitas sessões extraordinárias. Uma das hipóteses já consideradas é fazer sessões durante todo o dia, começando às 9h, em vez de 14h, como é normalmente. Outra seria a de suspender as sessões das duas turmas do Supremo às terças-feiras e convocar sessões extras em plenário.

Essa última hipótese é muito criticada por advogados. Às terças-feiras são julgados, nas turmas, dezenas de pedidos de Habeas Corpus — em muitos casos, com réus presos. Caso as sessões sejam suspensas, o STF estará dando prioridade ao julgamento de um processo com os réus em liberdade em detrimento de ações com réus presos. Sobre essa possibilidade, o ministro Marco Aurélio questionou: “Como faremos com os Habeas? E Habeas não é para prender, como sabemos”.

Para o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, isso não seria aceitável. “Acho correto o tribunal se preocupar com a metodologia do julgamento, mas é preciso tomar alguns cuidados para não fazer um julgamento especial, de alguma forma”, afirma. “O que mais me preocupa é essa hipótese de suspender as sessões de terça e não acredito que isso esteja sendo levado a sério”, diz o criminalista.

De acordo com Kakay, “em qualquer tribunal, a prioridade absoluta é o julgamento do processo com réu preso. O Supremo ficar três ou quatro semanas sem julgar pedidos de HC de réu preso para julgar um processo em que todos estão em liberdade seria uma teratologia”.

Pena individual
Outro ponto que deve ser discutido pelos ministros é se os casos serão analisados individualmente, por crimes cometidos ou por núcleo. Quando o Supremo recebeu a denúncia em 2007, a análise foi feita por núcleos: o núcleo político que operava o mensalão e o núcleo financeiro. Para o julgamento do caso, há dúvidas sobre esse formato.

Ministros afirmam que o princípio da individualização da pena obriga o tribunal a julgar cada um dos réus. Outros acreditam que basta os papéis serem individualizados para se estabelecer as penas e que o julgamento pode ser feito por núcleos ou por crimes. De qualquer forma, essa sinalização depende do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, a depender da forma como ele encaminhou seu voto.

O ministro Luiz Fux, por exemplo, já afirmou que será necessário observar o encaminhamento dado por Barbosa. De acordo com Fux, é necessário estabelecer inclusive a metodologia para fixar a dosimetria da penas, para que a proclamação do resultado seja clara, sem o risco de ruídos de comunicação. Todas essas hipóteses são estudadas com atenção pelos ministros. A preocupação é tornar ágil o julgamento pelo Plenário sem ferir direitos dos réus ou permitir que, mais tarde, o resultado possa vir a ser questionado.

Mais uma discussão que deve ser travada é o desmembramento do processo. Hoje, apenas dois dos 38 réus têm foro por prerrogativa de função: os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP) e Valdemar da Costa Neto (PR-SP). Advogados de outros acusados sustentam que os outros 36 réus poderiam ser julgados pela Justiça comum. Mas a possibilidade, a esta altura do processo, é descartada pelos ministros.

Outras questões laterais também são propostas. Para o ministro Luiz Fux, por exemplo, é preciso atentar inclusive para a segurança do Plenário. O ministro disse que o caso recente de um índio que interrompeu seu voto sobre a constitucionalidade do sistema de cotas raciais em universidades públicas abre um precedente. Enquanto Fux votava, foi interrompido pelo índio, que reclamou do fato de os ministros se referirem aos negros e não citarem os índios. Depois de o presidente, Ayres Britto, pedir por algumas vezes silêncio em plenário, sem sucesso, a sessão foi suspensa para que o homem fosse retirado do plenário. O índio disse chamar-se Araju Sepeti e ser da etnia Guarani.

As manifestações cada vez mais frequentes no STF corroboram a preocupação do ministro. Em março de 2010, por exemplo, um homem chamado Rana Iaube Alexandre entrou no plenário, dirigiu-se à tribuna dos advogados e registrou, com o tom de voz alterado, que queria fazer um protesto. O julgamento foi interrompido e o homem foi levado para fora do plenário pelos seguranças. O ministro Marco Aurélio, que teve o voto interrompido pelo manifestante, comentou irônico no plenário: “Eu fico sem saber se a denúncia seria contra mim ou não”.

No julgamento sobre a extradição do italiano Cesare Battisti também houve manifestações de pessoas que entraram no plenário com faixas escondidas sob as roupas. No início da sessão, tiraram as faixas e gritaram: “Liberdade para Cesare”. Para Luiz Fux, os casos justificam que fiquem em plenário os ministros, o staff do Supremo e os interessados diretamente no julgamento. Os demais poderiam ficar no prédio, mas acompanhar o julgamento a partir de telões colocados no tribunal.

Para colocar esse cronograma em prática, os ministros aguardam o revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, liberá-lo para a pauta de julgamentos. O ministro já informou que pretende fazer isso ainda este semestre e mobilizou boa parte do gabinete para trabalhar no caso. A expectativa é a de que o processo seja liberado em junho.

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