Compartilhamento de dados

Fim da privacidade na internet contraria Carta brasileira

Autores

  • Higor Vinicius Nogueira Jorge

    é delegado de Polícia e professor da Academia de Polícia de São Paulo.

  • Emerson Wendt

    é mestre e doutorando em Direito e Sociedade pela Universidade La Salle (Canoas-RS) delegado de Polícia Civil no RS membro do Conselho Superior de Polícia (PCRS) e ex-secretário municipal de Segurança Pública do município de Canoas-RS.

18 de junho de 2012, 12h58

Recentemente foi aprovado, nos Estados Unidos, o projeto de lei conhecido como Cispa (Cyber Intelligence Sharing and Protect Act ou, em tradução livre, Ato de Proteção e Compartilhamento de Inteligência Cibernética), com o objetivo de compartilhar conhecimento sobre usuários da internet entre os órgãos que promovem a segurança cibernética.

Essa lei causou celeuma entre os usuários da web por permitir que governo e empresas coletem informações particulares dos seus usuários e, no caso destas, enviem para o governo americano e suas agências de segurança, além de também poderem trocar esses mesmos dados entre si.

A grande preocupação, que gerou até ciberataques na web, é que a privacidade dos usuários de computadores seja violada por ocorrer a distribuição indiscriminada das informações dos usuários de computadores sem que haja sequer uma determinação judicial e, inclusive, ferindo outras leis que tratem do tema.

Assim, se o governo americano identificasse uma pessoa como suspeita, poderia requerer as informações para órgãos privados. Por exemplo, no caso de um usuário de internet, de qualquer país do mundo, postar ameaças contra a segurança nacional dos Estados Unidos em uma rede social (Facebook, Orkut, Twitter etc), este estaria legitimado a monitorar e solicitar os dados aos provedores de conteúdo mencionados. Além disso, estas empresas também poderiam, voluntariamente, informar comportamentos suspeitos.

Um dos (tantos) aspectos que foram criticados diz respeito aos termos muito genéricos apresentados na lei, como no trecho que prevê que as informações serão remetidas para agências do governo e não delimita quais seriam essas agências. Ou seja, o governo americano estaria apto a disciplinar tal circunstância, certamente em seu interesse!Por outro lado, cabe considerar que essa lei não vincula apenas cidadãos americanos e sim de todos os países, pois todos os usuários de computadores que tenham alguma relação com empresas norte-americanas, usando seus serviços, gratuitos ou pagos, poderão ter seus dados privados coletados.

Segundo divulgado, em inúmeros meios de comunicação, a Casa Branca iria vetar o projeto, porém se comenta muito que esse veto não ocorrerá e que o posicionamento do governo dos Estados Unidos tem se mantido unicamente para fins eleitorais.

E no Brasil? O Cispa teria algum reflexo? A legislação brasileira protege a privacidade dos cidadãos que utilizam a internet?O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal assegura a privacidade ao dispor que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas…”.

O artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da mesma Carta Magna veda qualquer emenda constitucional que promova a abolição de direitos e garantias individuais e a privacidade pode ser vislumbrada como pertencente a essa natureza resguardada pelo referido artigo.

Outra hipótese de respeito à privacidade pode ser vista ao analisar o conteúdo do artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, que trata do sigilo da correspondência e dispõe: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Visando a compreensão no seu aspecto prático, esta violação já ocorre hoje, de maneira indireta, nos serviços de e-mail gratuitos: basta o usuário ler os termos de uso de serviços de e-mail como GMail, Yahoo!, dentre outros

Desta forma, apesar do Brasil assegurar a privacidade em seu diploma constitucional, as empresas cujos servidores estejam localizados nos Estados Unidos não respeitarão a Constituição brasileira, como já vem ocorrendo e passarão as informações de interesse do governo dos EUA, mesmo sem uma determinação judicial ou se ferir outras leis do país, intensificando a imagem de um estado exacerbadamente vigilante e autoritário, que não respeita garantias individuais dos seres humanos, nem os seus limites territoriais, ainda mais se considerarmos que boa parte da internet possui vínculos com os EUA e poderão ser submetidos ao Cispa.

Finalizando, o Cispa dos EUA vai no caminho contrário ao projeto de Lei que discute o Marco Civil no Brasil, que pretende respeitar privacidade e preservar direitos e garantias fundamentais na internet. Por isso, importante que o usuário possa ficar atento e acompanhar os debates que ainda virão. 

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