Direito dos Tratados

TPI não pode julgar ex-presidente da Costa do Marfim

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16 de junho de 2012, 4h11

Reprodução/TPI
Laurent Gbagbo - 15/06/2012 [Reprodução/TPI]A defesa do antigo presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, de 67 anos, está tentando provar que o Tribunal Penal Internacional, em Haia, não é competente para processar e julgar crimes cometidos por ele. Embora a defesa apresentada agora tenha apenas caráter preliminar, não entrando no mérito das acusações, traz pontos relevantes sobre o direito dos tratados. A primeira audiência de instrução do caso aconteceria na segunda-feira (18/6), mas foi adiada.

Para a Promotoria, há indícios de que Gbagbo tenha responsabilidade individual criminal. Com o pedido dos advogados — eles querem mais tempo para se debruçar sobre a defesa —, a sessão acontecerá somente em 13 de agosto. Gbagbo está preso desde novembro de 2011, em Haia. Ele gerou uma crise ao não reconhecer a sua derrota nas eleições presidenciais de novembro de 2010.

A peça de defesa tem 79 páginas — contra as 47 de acusação (leia aqui e aqui, em francês). De acordo com a Promotoria, as ações foram cometidas ao longo da uma onda de violência pós-eleitoral no país, ocorrida entre dezembro de 2010 e abril de 2011. O ex-presidente, mesmo não eleito, manteve-se no poder, onde chegou em 2000.

A guerra civil dividiu a Costa do Marfim em dois países. Nesse meio tempo, em 2007, um governo de coalizão foi criado. Um dos resultados desse processo foi a eleição de 2010. Tanto Laurent Gbagbo como seu oponente, Alassane Ouattara, proclamaram-se vencedores. Oficialmente, o segundo obteve 54,1% dos votos.

O promotor do caso no TPI, Luis Moreno-Ocampo, conta que os crimes foram cometidos pelas “forças” do ex-presidente, como assassinato, estupro e perseguições. Segundo o promotor, Gbagbo desenvolveu uma política nesse sentido, tendo “planejado, organizado, ordenado, incentivado, autorizado e permitido que várias medidas e ações específicas fossem tomadas como parte de sua implementação”.

“Centenas de civis opositores foram atacados, mortos, feridos ou vítimas de estupro como parte desta política. Gbagbo é responsável por crimes de forma co-indireta, conforme previsto no artigo 25-3-a do Estatuto de Roma [tratado que estabeleceu o TPI] ”, diz o promotor.

Segundo os advogados, o estado do ex-presidente na prisão é repleto de abusos “intoleráveis”. “Deve-se notar que em nenhum tempo, nem os líderes da Costa do Marfim, nem o Procurador do TPI, não parecem ter agido para impedir estas graves violações dos direitos humanos do presidente Gbagbo”, alegam. A defesa se apoia em entendimento de um médico, nomeado pelo TPI, que declarou que as condições a que ele foi submetido antes da remessa para Haia eram equivalentes a tortura.

Ser ou não ser parte
Mas a principal tese levantada pelos advogados, ainda, é a de que o TPI não é competente para decidir o caso, uma vez que a Costa do Marfim não é parte no Tratado de Roma — a única sinalização no sentido de ratificar o tratado seria uma declaração unilateral, de 2003. Assim, o estatuto só poderia ser aplicado aos atos anteriores, "sendo desprovido de valor jurídico”.

Apesar disso, a Promotoria lembra que, em setembro de 2002, o país aceitou a jurisdição do TPI sobre os crimes cometidos dentro do território. “Esta declaração autoriza que o tribunal exerça a sua jurisdição nos termos do artigo 12-3 do Estatuto de Roma”, alega o promotor.

Ainda de acordo com a defesa, as declarações de 2010 e de 2011, ambas feitas por Ouattara, o atual presidente, não seriam válidas, já que eles não tinham tomado posse. Além disso, elas apenas ratificam a de 2003, sujeitando-se aos mesmos limites temporais daquela. “O tribunal não pode exercer o julgamento nessas condições”, alega a defesa.

Foi em 14 de dezembro de 2010 que o presidente confirmou a continuidade da validade da declaração de abril de 2003. Uma segunda carta, no mesmo sentido, foi enviada em maio de 2011.

“A Justiça internacional não pode ter credibilidade e legitimidade, ou seja, ser eficaz, se o próprio TPI não garantir o cumprimento das regras do julgamento justo”, diz a defesa, lembrando que não é possível existir “a barbárie pela barbárie”, além de ser “uma vitória e um presente aos acusados também negar os direitos que eles tinham negado a milhões”.

Caso emblemático
Como noticiou a revista Consultor Jurídico, o caso de Gbagbo é emblemático. Um dos motivos é político. É a primeira vez que um ex-chefe de Estado é preso pela corte. O tribunal já mandou prender outros dois presidentes, mas não teve sucesso em nenhum deles: o presidente do Sudão, Omar Al Bashir, que continua ignorando a corte e governando o país; e Muammar Kadafi, ex-presidente da Líbia, que foi morto antes de ser preso.

O segundo motivo é mais importante para o fortalecimento do tribunal. É a primeira vez que a corte vai julgar, por iniciativa própria, crimes cometidos em um país que não é signatário do Estatuto de Roma, que criou o TPI. O tribunal já tem nas suas prateleiras casos como o do Sudão e da Líbia, que não assinaram o tratado, mas a diferença é que, nesses dois, foi o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas que determinou a abertura do processo. O Conselho tem poder para mandar o TPI investigar qualquer país, seja ele signatário do Estatuto ou não.

A sala onde o ex-presidente está em Haia é uma cela individual de dez metros quadrados, com cama, escrivaninha, televisão, banheiro e com acesso a computador, revistas e livros. Se condenado, Gbagbo deve deixar Haia e cumprir a pena fora da Holanda, em algum dos países que assinaram termo de cooperação com a corte.

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