Atualização de código

Projeto do novo CDC é criticado por especialistas

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14 de junho de 2012, 6h11

O seminário sobre o Código de Defesa do Consumidor, organizado pelo Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) na última quarta-feira (13/6), colocou de um lado os professores Kazuo Watanabe e Roberto Augusto Pfeiffer, que ajudaram na elaboração do anteprojeto que atualiza o CDC, e, do outro, o professor Luiz Rodrigues Wambier e o advogado Nelson Nery Jr.

O termo “atualiza” é utilizado no lugar de “reforma” porque, nas palavras de Pfeiffer, a comissão do CDC, capitaneada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin, ponderou que não havia a necessidade de promover extensas alterações. Ela, então, se ateve a três aspectos: comércio eletrônico, superendividamento e ações coletivas.

“Comércio eletrônico por razões óbvias: ele não existia quando da promulgação do CDC, em 1990”, afirmou. “Também por causa de sua intensa adoção, com crescimento médio de 30% ao ano. Não por coincidência, as reclamações avançam a taxas ainda maiores”. No Procon de São Paulo, por exemplo, aumentaram 80% em 2011.

O superendividamento tampouco é abordada pelo atual Código. Como explica Pfeiffer, até a década de 90 o acesso ao crédito era restrito às classes A e B e havia o problema da hiperinflação. “Hoje vivemos outra situação e há uma relação direta entre acesso o crédito e o fenômeno do superendividamento”, acusou. Segundo o professor, o fenômeno é observado nos Estados Unidos e na Europa, onde não foi evitado apesar de sua população ter uma educação financeira superior ao da brasileira. “Por isso é necessária uma preparação para esse tema no CDC.”

Por fim, as ações coletivas foram revisadas por uma questão instrumental. De acordo com o professor, a modificação visa impedir a proliferação de ações individuais sobre um mesmo tema, dado o esgotamento da capacidade do Poder Judiciário em enfrentá-los. Se “substituídas” pelas coletivas, contribuiriam para uma melhor prestação jurisdicional.

Houve um intenso debate sobre a conveniência ou não da atualização, admitiu Pfeiffer, sobre o temor de que, durante a tramitação no Congresso Nacional, emendas parlamentares poderiam desfigurar o conteúdo inicial, retroagindo seu sentido. No entanto, insistiu que havia a necessidade de se avançar principalmente na questão do Direito Material. “O ministro Herman tem uma frase bastante feliz. Ele diz que, se não regulássemos o comércio eletrônico e o superendividamento, correríamos o risco de ficar daqui a alguns anos regulando apenas a periferia do mercado de consumo.”

Arbítrio institucionalizado
Embora Pfeiffer tenha se encarregado de apresentar o anteprojeto, os primeiros a falar foram Wambier e Nery Jr., que não se furtaram de criticar severamente as alterações propostas. Wambier iniciou seu discurso tratando da interpretação do CDC sobre o superendividamento, que não inclui, por exemplo, os pequenos agricultores, pois os empréstimos seriam para atividade profissional, e que não cita em nenhum momento o Estado.

“Nada há nos projetos que penaliza o Poder Público, sabidamente o grande credor de todos nós”, observou. “Terá a comissão ouvido a sociedade que se endivida porque gasta com funções que não são suas? Com despesas que não teria se não precisasse recorrer a creches e escolas privadas, a transporte escolar privado, a planos de saúde privado? Isso tudo não foi levado em conta no conceito de superendividamento.”

Em seguida, o professor apontou para os artigos 27, 81 e 90 do projeto, que falam da prescrição da pretensão para demandas individuais e coletivas. “A razão de ser da prescrição, por mais que a odiemos, é a estabilização das relações sociais”, afirmou. “Limitá-la no tempo é contribuir para que os litígios se extingam. Assim todos ganham, a sociedade ganha com a estabilização.”

“A prescrição é uma situação absolutamente necessária em um Estado de Direito”, concorda Nery Jr. “A tendência de tudo que existe no mundo é diminuir os prazos de prescrição e nós vemos agora aqui uma tendência contrária, de aumentá-los. Estamos na contramão da história”, disse, atribuindo tal movimento a uma visão exagerada de proteção ao consumidor e ao levante de bandeira ideológica.

O último artigo questionado por Wambier, o 90-G, é a seu ver tão “aberrante”, que só pode ter surgido por “equívoco”. Ele versa sobre a ação reparatória a direitos difusos e coletivos, em que a condenação poderá ocorrer independentemente do pedido do autor.

“Permitir que o Estado, na pessoa do juiz ou de qualquer outro agente, decida o que lhe convier contra as garantias individuais do cidadão, ainda que imbuído das melhores intenções, é institucionalizar o arbítrio”, destacou. “Acredito que o dispositivo com esse teor jamais será aprovado pelo Congresso Nacional e, se for, ficará sujeito tanto ao veto presidencial quanto ao controle de constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal.”

O professor Watanabe, no entanto, defendeu a proposta, criada por razões de interesse social. “Há conflitos de tal forma insignificantes, irrelevantes no plano individual, mas extremamente importantes no plano coletivo”, justificou. “Nesses casos, é importante que o Estado atue.”

Watanabe deu o exemplo de uma fabricante de óleo combustível que lance no mercado latas que tenham uma quantidade mínima do líquido faltando, que corresponda a, no máximo, R$ 0,20. “Nenhum consumidor irá ao tribunal para reclamar de seu dano individual”, observou. “Tanto é que lei diz que, se não houver habilitação dos indivíduos afetados após a condenação, a indenização irá para um fundo. É uma preocupação social”, argumentou.

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