Eleições a vista

“Ação de improbidade não pode ter motivação política"

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10 de junho de 2012, 8h49

Spacca
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) acaba de completar 20 anos e alçou maior importância com a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), já que condenados por improbidade podem ficar fora das eleições se houver decisão colegiada que confirme a condenação. Com isso, aumentou a responsabilidade do Judiciário. “Quanto mais atribuição e competência se dá a juízes e promotores, maior responsabilidade eles terão que ter”, afirma, a propósito, o desembargador Marcelo Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Membro do Ministério Público por quase 20 anos antes de ingressar no Tribunal pelo quinto constitucional, Buhatem foi autor de diversas Ações de Improbidade que chegaram ao Judiciário. Ele enfrentou as polêmicas iniciais da lei, como a discussão se havia foro por prerrogativa de função quando alguma autoridade era processada por ato de improbidade. Hoje, a jurisprudência firmada é de que não há.

Em ano de eleição, chovem ações de improbidade na Justiça. A atuação do MP costuma ser questionada, devido à influência política que esses processos têm no pleito, principalmente no municipal. “Os promotores sempre foram acusados por uma das partes de construírem manobras políticas contra ela”, observa Buhatem. Para ele, a motivação política não deve ser o foco da análise do processo e sim os fatos apresentados nos autos. “O Judiciário existe para podar eventuais excessos, com todos os meios de defesa inerentes ao processo.”

Há dois anos, Buhatem está do outro lado, e justamente em um tribunal apontado pelo Conselho Nacional de Justiça como um dos que menos condena em ações por improbidade. “Acho que a forma de avaliar se está havendo condenação ou não é precipitada se a gente não olhar caso a caso. Há ações que podem efetivamente estar mal instruídas e ações que podem estar bem instruídas e mal julgadas. Mas está o STJ, o duplo grau, exatamente para tentar reverter um erro e assim fazer com que a ação volte ao seu trilho normal”, afirma.

Buhatem é defensor de carteirinha do quinto constitucional. “Há críticos ferrenhos do quinto. Eu os entendo, mas não os compreendo.” Para ele, promotores e advogados que ingressam no tribunal aproximam a corte da realidade e da sociedade. “Hoje, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem inúmeros projetos sociais. No passado, não havia essa preocupação social.”

Abertamente apaixonado pelo Ministério Público, o desembargador reconhece que o órgão enfrentou algumas dificuldades. “Vi alguns excessos e posso até ter cometido alguns também. Faltava um ponto de equilíbrio e esse ponto está chegando. É como a criança que não sabia andar. Ela quer andar na casa toda, o tempo todo, cansa todo mundo, cai e se machuca. Com o decorrer do tempo, ela vai percebendo os perigos de ali ou acolá. Hoje o Ministério Público aprendeu a andar, os excessos são muito menores do que no passado”, avalia.

Maranhense, Marcelo Buhatem é descendente de libanês e está no Rio de Janeiro desde os 16 anos. Uma irmã é promotora de Justiça no Maranhão e o cunhado desembargador do tribunal daquele estado. Botafoguense, Buhatem formou-se em Direito pela Universidade Cândido Mendes em 1982 e é especialista em tutela coletiva.

Leia a entrevista:

ConJur — Há resistência dos juízes com as ações de improbidade administrativa?
Marcelo Buhatem —
Eu passei a manejar a ação de improbidade administrativa quando estava no Ministério Público. Na época, havia uma discussão muito grande se prefeitos tinham foro por prerrogativa de função, entendimento que poderia levar as ações que eu propus no município para o tribunal. Esse era o primeiro entrave, pois havia decisões nos dois sentidos. Os juízes ficavam à mercê dessas decisões; o Ministério Público, na época, com os processos emperrados; e a população a exigir dos promotores uma rápida solução do caso. Até que o Supremo entendeu que não havia prerrogativa de função em ação de improbidade. Hoje, no caso, só o presidente da República, os ministros, o presidente do Banco Central, equiparado a ministro, detêm foro por prerrogativa de função. Outro problema da ação de improbidade são os tipos absolutamente abertos na lei. Eles levam a interpretação de toda sorte.

ConJur — De que maneira?
Marcelo Buhatem —
A Lei 8.429, nos artigos 5º, 6º, 7º, 8º e principalmente o 9º, diz que constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial. “Qualquer tipo de vantagem” é tão aberto que se chegou a pensar que o servidor público que saísse da sua repartição com uma caneta de lá no bolso poderia ser responsabilizado por isso. E a sanção para essas condutas são — e devem ser — muito severas. A maior clientela do Ministério Público, que maneja essas ações, é política, sem embargo do particular também. Elas têm um forte viés político. O corruptor, que geralmente é um grande empresário, também está abrangido pela lei, o que atrai para essas ações uma influência do poder econômico. Isso sempre causava embaraços. Eu percebia a movimentação de grandes escritórios de advocacia, que estão se especializando nessa matéria. Essa lei é importante para a República; não sei como um país pode viver sem uma lei dessa. Mas a sanção é muito forte.

ConJur — E como o Judiciário lidava com essas ações?
Marcelo Buhatem —
Acho que o Judiciário brasileiro não foi forjado para julgar ações coletivas — porque essa é uma ação coletiva também. Ele fica preocupado com a abrangência da decisão. E quanto maior a abrangência, melhor é a ação, pois evita ações individuais sobre o tema. Geralmente, as ações coletivas são longas, volumosas, com inquérito civil. Isso tudo assusta um pouco. Mas quando o Ministério Público faz uma grande investigação, a mais isenta possível, e abstrai a parte política com ações bem instruídas, não há outra solução a não ser a procedência do pedido do MP. Eu confiava piamente nisso. Agora, estou do outro lado.

ConJur — E como o senhor avalia, hoje, a falta de condenação em ações de improbidade apontada pelo CNJ no Tribunal de Justiça fluminense?
Marcelo Buhatem —
Primeiro, desconfio um pouco do banco de dados. Acho que é preciso saber se ele está sendo corretamente alimentado. Também não nego que seja possível que algumas ou muitas dessas ações não estejam suficientemente instruídas. O desembargador sabe das consequências danosas e gravosas de uma ação de improbidade, principalmente com a lei da Ficha Limpa. Um condenado por um colegiado estará impossibilitado de se candidatar nas próximas eleições. O tribunal é um colegiado, logo, está diretamente relacionado às consequências da Lei da Ficha Limpa. Acho que a avaliação sobre as condenações é precipitada se não olharmos caso a caso. Há ações que podem, efetivamente, estar mal instruídas e aquelas que podem estar bem instruídas e mal julgadas. Mas para isso existe o STJ, exatamente para tentar reverter um erro e assim fazer com que a ação volte ao seu trilho normal.

ConJur — A discussão em relação ao dolo, se era necessário ou não comprová-lo para que o réu fosse condenado, pode ter influenciado em decisões que tenham absolvido os acusados?
Marcelo Buhatem —
Surgiu o entendimento de que somente comprovado o dolo para que o administrador, o agente político ou público, fosse condenado nas penas da lei de improbidade. Eu discordo deste posicionamento. A lei é bem clara, refere-se à culpa inclusive. Nós temos que analisar a culpa in eligendo. O administrador sabe de antemão que determinado secretário é um gatuno, logo não pode nomeá-lo para ser secretário de nada. A lei é arrojada e temos que interpretá-la da melhor forma. Há, ainda, a discussão sobre a prescrição dessas ações. Há quem entenda que elas prescrevem em cinco anos. A maioria dos ministros do Supremo já entendeu que essas ações são imprescritíveis se houver condenação de devolução ao erário público. Eu comungo com essa ideia.

ConJur — Quando se fala em improbidade, logo se pensa em licitação. Há algo errado com a Lei das Licitações [Lei 8.666/1993]?
Marcelo Buhatem —
O Brasil acha que a Lei 8.666 deve nortear toda a relação com o empresariado. No entanto, há furos na lei. Uma empresa, que é contratada para construir um prédio de R$ 150 milhões, está isenta de fazer licitação para contratar o quê pelo conjunto da obra? O elevador, que ela não fabrica nem instala, o granito que ela não fabrica e só instala? Acho que só esse exemplo já demonstra que a legislação precisa ser repensada. Se o administrador faz uma licitação com todos os requisitos legais, mas dá a ela a oportunidade de contratar sem licitação todo e qualquer serviço de quem quiser, inclusive de eventuais apaniguados do seu contratante, não funciona. Recentemente, vimos como se dá essa questão da licitação em um hospital público no Rio de Janeiro, em uma reportagem do Fantástico [a notícia mostra representantes de empresas oferecendo propina ao repórter, que se passa por gestor de compras do hospital pediátrico da UFRJ] . Todo investigador sabe da existência desse tipo de complô, de farsa. Mas difícil é pegar. Do jeito que está, não há solução, porque há um furo na lei que precisamos tentar resolver no Legislativo.

ConJur — O senhor citou a Lei da Ficha Limpa que, de certa forma, acelera os efeitos de uma condenação quanto a perda dos direitos políticos. O promotor não corre o risco de se tornar um instrumento de manobra de adversários políticos que queiram tirar um candidato da corrida eleitoral?
Marcelo Buhatem — Os promotores sempre foram acusados por uma das partes de construírem manobras políticas contra ela. Acho que o Judiciário existe para podar eventuais excessos, com todos os meios de defesa inerentes ao processo. É obvio que tanto o promotor quanto os juízes terão, agora, maior responsabilidade. Quanto mais atribuição e competência se dá a essas pessoas, maior responsabilidade elas terão que ter.

ConJur — Em relação às ações civis públicas em geral, que não dizem respeito a improbidade, os juízes também têm mais preconceito?
Marcelo Buhatem — No caso de meio ambiente, um juiz entre 45 a 50 anos de idade não teve, nos bancos escolares, qualquer ensinamento sobre Direito Ambiental. Na época em que estudei, não tive experiência nessa área. Precisei correr atrás, estudar depois. O primeiro preconceito vem da falta de preparo para essas ações. Os que o têm se sobressaem como o ministro Herman Benjamin, um estudioso na matéria. O segundo problema é que o Direito Ambiental deságua no urbanismo e, consequentemente, nas grandes empreiteiras, chegando até a questão do emprego. O maior empregador do Brasil é a construção civil. Esses são elementos muito difíceis de equacionar, porque toda vez que se tenta transformar uma área em não edificante ou paralisar a construção de uma obra, surge a discussão sobre a geração de empregos. Acho que, nos últimos 10 anos, a questão ambiental passou a ser vista de maneira mais responsável e com isso conseguimos formar uma consciência ambiental. Percebo que os juízes, ainda, enxergam apenas a palavra desenvolvimento na expressão “desenvolvimento sustentável”. Embora haja bons juízes com consciência ambiental, penso que é preciso mais.

ConJur — O Rio de Janeiro tem um problema sério quando o assunto é preservação de área ambiental. O próprio poder público é conivente com a ocupação dessas áreas. Estaria o poder público apostando no modo como o Judiciário enxerga a questão?
Marcelo Buhatem — O Judiciário acaba se formando e se formatando diante do meio em que vive. É possível que, no Rio de Janeiro, sejamos mais permissivos nessas chamadas ocupações irregulares. Quando era promotor instaurei vários inquéritos para tentar mapear as áreas de proteção em Niterói. Descobrimos áreas que não dá para ninguém morar, mas onde há vários casebres. A favelização vem desde a década de 50 e ao chegar ao nível que está, o juiz acaba se convencendo de que não é ele que irá resolver. É uma questão mais de política urbanística e ambiental do Executivo, que precisaria ser um pouco mais firme. Não adianta levar tudo para o Judiciário.

ConJur — E quanto a proteção coletiva do direito do consumidor? Não é mais racional ter uma ação civil pública para resolver uma conduta reiterada de uma empresa do que ter várias ações individuais, entupindo o Judiciário de processos?
Marcelo Buhatem — Isso é óbvio. É importante que nós saibamos que esta é uma ação que pode desafogar muito o Judiciário. Eu defendo isso há anos. Quando era promotor, achava que havia preconceito em relação às chamadas ações coletivas na questão do consumidor. O juiz ficava preocupado com o efeito que sua decisão iria produzir. Vejo que há uma evolução muito benéfica. O consumidor brasileiro foi ultrajado, vilipendiado, maltratado durante anos neste país. É uma pena que os tribunais tenham se tornado muito complacentes quanto à indenização por dano material e moral. Se o Judiciário tivesse sido, no momento oportuno, mais rígido, aplicando multas severas, nós teríamos, hoje, uma prestação de serviço muito melhor. A má prestação de serviço compensa. O empresário percebe que, na grande maioria das vezes, a indenização será estipulada entre R$ 4 e 7 mil. Ele coloca isso no seu balanço como prejuízo e pronto. As ações coletivas do consumidor são fundamentais. A magistratura de forma geral tinha que dar mais importância a elas, e o Ministério Público manejá-las mais.

ConJur — Por que é comum ver na Justiça do Trabalho a aplicação de uma indenização por dano moral coletivo enquanto nas ações de consumo elas são raras? O Judiciário não condena ou não há pedido nesse sentido?
Marcelo Buhatem —
A jurisprudência, principalmente do STJ, é muito rígida na aplicação desse conceito. Há o entendimento de que, para configurar dano moral, o nível de chateação, de aborrecimento, de degradação tem que ser de uma monta muito grande, como se fosse um plus. Tem que ser algo capaz de atingir realmente a todos e não só a alguns dentro de um grupo. Acho que a gente precisava avançar nesse conceito. Seria uma forma de condenar a empresa em uma quantia vultosa a ponto de ela não precisar reincidir na prática. Os tribunais brasileiros estão abarrotados de ações individuais de consumidor e com isso perdemos a oportunidade de julgar ações de maior envergadura. Os tribunais estão perdendo essas grandes ações para a arbitragem, que, hoje, é o filé mignon da advocacia. As demandas consumeristas são fundamentais, mas eu acho que ações de até 40 salários poderiam terminar em primeira instância ou ser exclusivas do juizado. Não há necessidade de subirem aos tribunais.

ConJur — Na Justiça Federal é exclusiva.
Marcelo Buhatem —
É. Se isso acontecesse na Justiça estadual, de 35% a 40% das ações consumeristas seriam retiradas do tribunal. Haveria maior efetividade às decisões judiciais de primeira instância, que, hoje, são provisórias. Além disso, haveria maior rapidez no atendimento ao consumidor. Eu batalho, na parte legislativa, para que seja aprovada uma lei em que as ações consumeristas de até 40 salários fiquem na primeira instância. Isso daria tempo aos tribunais para se debruçar sobre as grandes causas.

ConJur — O que o senhor acha em relação a Defensoria Pública ter legitimidade para poder entrar com ação civil pública?
Marcelo Buhatem —
Acho que essa é uma ação de Estado. E o Ministério Público é legitimado constitucionalmente, exerce de forma primorosa esta atribuição e não há reclamações plausíveis das investidas ministeriais nessa área. Portanto, não vejo motivo para a Defensoria Pública ter que ocupar esse espaço. A Defensoria Pública tem que tratar de direito individual, do hipossuficiente sempre. Eu acho que só se ocupa espaço quando há um para ser ocupado. E não há.

ConJur — As ações individuais, aparentemente, não têm grandes consequências. Mas somadas elas podem representar um rombo para um município, por exemplo, quando condenado a fornecer medicamentos ou proceder com internações. O juiz não ter a dimensão da real consequência das decisões somadas justifica a resistência a ações públicas?
Marcelo Buhatem —
O impacto de uma ação coletiva é sempre muito maior. A questão orçamentária é sempre apontada nessas ações que tratam de dar efetividade aos princípios constitucionais da saúde, da vida, etc. Mas eu acho que esses princípios constitucionais não podem ser mitigados por causa de questões orçamentárias. O município sabe que, desde 1988, tem o dever de prestar serviço de saúde. A minha decisão não é nem será pautada no orçamento municipal. Recentemente, obrigamos um município a transferir ou a construir um centro de distribuição de medicamento próximo à população. O município tinha feito um longe do centro da cidade, em um lugar ermo e de difícil acesso. O administrador não pode causar embaraços na aplicação de princípios constitucionais fundamentais. Neste caso, princípios de conveniência e oportunidade têm que ser afastados. Esse é o Direito moderno. O juiz precisa ter em mente essa função social do Judiciário. Quando promotor, sempre via a magistratura muito distante do lado social, do necessitado, do descalço.

ConJur — E qual é o limite para o Judiciário intervir em uma política pública?
Marcelo Buhatem —
O limite é a legalidade, a boa fé, a percepção do bem comum, a necessidade de aproximar o administrador do administrado. O limite está na lei e nos conceitos que a Constituição trouxe. O Brasil é um país carente que só começou a ser respeitado e invejado depois que esses conceitos começaram a ficar mais patentes. Não há mais como a Europa crescer, os Estados Unidos vivem em guerra com o mundo inteiro e sobra o Brasil para ser a grande potência. Não tenho dúvida de que a gente vai chegar lá. Mas vai fazer isso passando pelo social. Percebo que o Judiciário está se voltando ao social.

ConJur — O senhor veio do Ministério Público, que adquiriu poderes muito grandes depois da Constituição. Como o senhor avalia o uso desses poderes nos últimos anos?
Marcelo Buhatem —
Qualquer excesso que houve — e houve — é perdoado diante dos efeitos e das grandes conquistas que o Ministério Público trouxe para a população. “Promotor holofote”, “promotorite” ou exação durante atividade tem que ser, senão perdoado, sopesado. Hoje vemos muito menos um Luiz Francisco da vida [o procurador Luiz Francisco de Souza se tornou conhecido durante o governo FHC pelas denúncias midiáticas contra autoridades]. Eu sou da geração logo após a Constituição. Vi alguns excessos e posso até ter cometido alguns também. Faltava um ponto de equilíbrio e esse ponto está chegando. É como a criança que não sabe andar. Ela quer andar na casa toda, o tempo todo, cansa todo mundo, cai e se machuca. Com o decorrer do tempo, ela vai percebendo os perigos de ali ou acolá. Hoje, o Ministério Público aprendeu a andar e os excessos são muito menores do que no passado.

ConJur — O Judiciário foi um dos responsáveis por fazer com que o MP aprendesse a andar, colocando limites?
Marcelo Buhatem —
O Ministério Público está encontrando o seu próprio limite, porque cresceu, evoluiu, amadureceu. Eu não nego que o Judiciário tenha contribuído para isso, mas não de forma decisiva. A própria legislação também colocou alguns freios. Há muita gente boa dentro do Ministério Público.

ConJur — O CNJ está fazendo a inspeção no TJ do Rio. Assusta ver o tribunal sendo inspecionado?
Marcelo Buhatem —
Não assusta. Quando os conselhos estavam sendo discutidos durante a tramitação da emenda constitucional que os criou, os membros do Ministério Público foram favoráveis desde o primeiro dia. O Conselho Nacional de Justiça é necessário, benvindo, fundamental. Acho que ele transforma a magistratura efetivamente em uma instituição nacional. Há muita informação sobre o trabalho que o CNJ está fazendo. E o conselho pode e deve continuar a fazer. É que todo mundo quer. Há muita gente séria na magistratura. Só acho que a exposição não é boa para ninguém. Não é boa para o conselho, para o juiz ou desembargador que eventualmente está sendo investigado, e para a sociedade, que fica desacreditada. É possível atuar da mesma maneira com pouco mais de respeito à instituição. Quando as notícias são diariamente ruins, fico preocupado com o imaginário popular sobre o juiz brasileiro, que, bem ou mal, é a última fronteira de Justiça. Não vejo motivo para essa exposição. Mas não tenho dúvida de que o CNJ está agindo assim porque realmente as corregedorias nos estados ao longo dos 50 últimos anos colaboraram para isso. A ausência das corregedorias estaduais acabou desaguando no que está acontecendo hoje. Eu espero que os acontecimentos sirvam para que possamos evoluir.

ConJur — O Ministério Público corre o risco de passar por uma situação semelhante?
Marcelo Buhatem —
O Ministério Público tem outra estrutura, não é poder, apesar de alguns dizer que é o quarto poder. O magistrado nada pode fazer, a não ser dar aula. A rigor, nem síndico ele pode ser. O CNJ sempre teve um foco maior, melhor orçamento, melhor sede. Oo conselho do MP preserva mais o membro. As notícias sobre promotores afastados acabam não sendo divulgadas ou são de forma muito tênue. Mas o CNMP está trabalhando, sem esses holofotes todos. Talvez porque a imprensa não cubra de forma adequada, prefira cobrir o CNJ.

ConJur — Órgãos administrativos, como fisco, CNJ e Coaf podem quebrar sigilo?
Marcelo Buhatem —
Quando estava no Ministério Público, a discussão era se o MP podia ou não quebrar o sigilo. O MP queria quebrar o sigilo dentro de uma investigação dando às partes o direito de defesa e, em diversas decisões, isso foi negado. O Ministério Público tinha que requerer a quebra de sigilo bancário e fiscal. Diante disso, não posso achar que, hoje, a quebra de sigilo possa ser feita sem decisão judicial. Vivemos em um regime democrático, mas não podemos esquecer o nosso passado. Hoje, temos garantias. Então que se passe pelo Judiciário.

ConJur — A partir do momento em que os juízes passam a se ver na iminência de ter seus sigilos quebrados, eles terão mais preocupação em relação às garantias que todo cidadão tem?
Marcelo Buhatem — Nós sempre tivemos a preocupação de promover e de deferir a quebra lastreada em fortes argumentos. O juiz brasileiro está preparado para ser investigado, não tem o que temer. A gente trabalha muito, há um crescimento exponencial da distribuição dos processos. Em um tribunal grande como o do Rio de Janeiro — somos 180 desembargadores — há uma diluição do poder. O tribunal está muito mais aberto do que no passado. O que mais nos preocupa no CNJ não é a investigação e nem a exposição. Grave é tocar em ato judicial. Isso a Constituição proíbe.

ConJur — O CNJ andou suspendendo algumas execuções…
Marcelo Buhatem
No meu entender, isso é inconstitucional. Eu fazia parte da comissão do Ministério Público que acompanhava a reforma constitucional e as emendas; participei das conversas com os deputados. Na primeira minuta de criação dos conselhos, havia a possibilidade de eles interferirem em decisões judiciais, o que foi retirado. O Ministério Público, que era a favor dos conselhos, sustentou que o item feria a autonomia e a independência do membro do Ministério Público e do Judiciário. Eu acho que o conselho teria condições de atuar nessa seara de outra maneira.

ConJur — Como?
Marcelo Buhatem
Dar à parte a oportunidade de recorrer ao Judiciário para cassar uma decisão. O Conselho podia ingressar como terceiro interessado e ir ao Supremo pedir uma liminar imediata ou ir ao juízo da causa pedir a suspensão. Mas não suspender administrativamente. Nunca. Dar cunho judicial a ato administrativo, no meu entender, não é conveniente.

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