Matemática da AP 470

Julgamento do Mensalão terá 1.078 decisões no STF

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30 de julho de 2012, 10h37

Em recente entrevista à revista Consultor Jurídico, ao falar sobre a Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão, o diretor da escola de Direito da FGV-Rio, Joaquim Falcão, afirmou que o Supremo Tribunal Federal “nunca encarou um processo com tantos andamentos e com tantos incidentes, alguns até não previstos”. Como registrou o professor, o processo tem “muito de rotina, mas algo de inédito”. Na verdade, tem muito de inédito.

Os números dão conta do ineditismo. O processo é formado por quase 60 mil páginas divididas em 234 volumes e mais de 500 apensos. São 38 réus, denunciados por 98 crimes, defendidos por 33 equipes de advogados ou escritórios. Cada um dos 11 ministros dará seu veredito sobre cada uma das 98 acusações. Para isso os gabinetes mobilizaram, em média, três assessores para estudar o processo. Na prática, serão proferidas em um só julgamento 1.078 decisões.

Nos casos em que houver condenação, ainda será discutida e definida a dosimetria da pena. Ou seja, qual a punição adequada para o crime cometido pelo condenado. O voto do relator da ação, ministro Joaquim Barbosa, tem mais de mil páginas. O do revisor, Ricardo Lewandowski, não deixa por menos: também ultrapassa as mil folhas. A expectativa é que cada um deles leve até quatro sessões para proferir seus votos.

Não há dúvidas de que se trata do mais longo e complexo julgamento já feito pelo Supremo. Até porque a vocação do tribunal é examinar temas e teses jurídicas e não casos concretos. Os 11 ministros que compõem o tribunal nunca foram obrigados a se debruçar sobre um processo tão trabalhoso, complexo e rico em detalhes.

Na lista de acusações, formação de quadrilha ou bando, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira. De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral da República, os réus são peças de um esquema de desvio de recursos públicos para compra de apoio político no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O julgamento começa na próxima quinta-feira (2/8). Não se sabe quando termina. Ministros mais otimistas acreditam que até o meio do mês de setembro a decisão esteja tomada. Outros acham que a decisão pode sair depois das eleições municipais de outubro. Há mais dúvidas que certezas.

Quanto tempo os ministros levarão debatendo questões de ordem e incidentes processuais provocados pelos advogados? Os advogados poderão esclarecer questões de fato a qualquer tempo da tribuna? Haverá tempo hábil para o voto do ministro Cezar Peluso? Ele poderá adiantar o voto? O ministro Dias Toffoli, efetivamente, participará do julgamento? Em caso de empate, qual critério será adotado para resolver o impasse? Como será discutida a dosimetria da pena em caso de condenação?

Rito especial
O Supremo montou um cronograma especial para julgar o processo. Serão oito dias ininterruptos para a sustentação oral dos advogados em defesa de seus clientes, com prazo de até uma hora para cada réu. Cinco advogados falarão por dia. A defesa atuará depois do procurador-geral, Roberto Gurgel, que tem prazo de até cinco horas para sustentar a denúncia apresentada por seu antecessor, Antônio Fernando de Souza. A preliminar colocada pelo ministro Marco Aurélio, de se destinar algumas manhãs para apreciação de pedidos de Habeas Corpus não foi enfrentada. Outra questão, esta colocada pelo ministro Lewandowski — de que a adoção do roteiro proposto pela PGR favorece a acusação — talvez nem seja discutida, por se entender que esta escolha cabe ao relator.

Antes disso, contudo, os ministros deverão enfrentar alguns obstáculos colocados pelas defesas. O primeiro deles, como já demonstrado em reportagem da ConJur publicada na semana passada (clique aqui para ler), diz respeito ao fato de 35 dos 38 réus não terem prerrogativa de foro por função. Ou seja, não deveriam estar sob julgamento no Supremo. A tese é apresentada pelos advogados Márcio Thomaz Bastos e Marcelo Leonardo, que defendem, respectivamente, o ex-executivo do Banco Rural José Roberto Salgado e o publicitário Marcos Valério.

Em resumo, os advogados sustentam que apenas três réus têm prerrogativa de foro por função — os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). E que a decisão de manter no STF o processo contra os outros 35 réus fere ao menos dois princípios fundamentais: o do juiz natural e o direito ao duplo grau de jurisdição — ou seja, de recorrer de uma possível decisão condenatória. Contra as decisões do STF, como se sabe, não há recurso senão ao próprio tribunal.

Outra questão que pode levantar discussões candentes é a recente decisão do Tribunal de Contas da União que julgou regular o contrato de publicidade entre o Banco do Brasil e a empresa DNA Propaganda, de Valério. A decisão foi juntada aos autos a pedido do advogado Marcelo Leonardo depois do fim da instrução penal (leia aqui). O contrato é apontado pela acusação como um dos dutos pelos quais escoava o dinheiro público supostamente desviado para a compra de apoio político.

As decisões do TCU, por óbvio, não vinculam as decisões do Supremo. Mas os ministros costumam dar peso a julgamentos de órgãos técnicos, como TCU, Banco Central e Receita Federal, por exemplo, para encaminhar seus votos.

A depender do encaminhamento do julgamento, o presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, poderá ser lembrado que, em 2001, como advogado, afirmou em uma palestra que “o Judiciário tem a força da revisibilidade das decisões do Tribunal de Contas, porém num plano meramente formal, para saber se o devido processo legal foi observado, se direitos e garantias individuais foram ou não respeitados”. Britto também disse na ocasião que “o mérito da decisão, o controle, que é próprio do Tribunal de Contas, orçamentário, contábil, financeiro, operacional e patrimonial, é insindicável pelo Poder Judiciário”.

Depois das sustentações orais de acusação e defesa, os ministros começarão a votar — ou seja, a efetivamente decidir o destino dos 38 réus. A partir daí, serão feitas sessões às segundas, quartas e quintas-feiras, com cinco horas de duração, em média. O ministro Joaquim Babosa vota a partir o dia 15 de agosto, segunda-feira. A previsão oficial é que termine de votar no dia 22, já que a estimativa é que leve quatro sessões.

Por este cronograma, o ministro Ricardo Lewandowski começa a votar no dia 23, quinta-feira, e deve concluir sua decisão no dia 30 de agosto. Aí, já não haveria mais tempo para o ministro Cezar Peluso votar. Isso porque ele completa 70 anos e é obrigado a se aposentar no dia 3 de setembro, justamente quando seguem os trabalhos depois dos votos do relator e do revisor.

O cálculo ainda não leva em conta um fato comum em processos penais: as questões de fato. Em processos subjetivos como as ações penais, é normal que advogados peçam para usar a tribuna para esclarecer fatos apresentados pelos juízes dos quais discordam. Neste caso, serão nada menos do que 33 advogados, sem contar seus assistentes, atentos à leitura dos votos e sedentos por brechas que ajudem seus clientes a escapar da condenação.

Ordem de votação
De olho nesse script é que já se cogitou a possibilidade de o ministro Cezar Peluso votar antes mesmo do revisor da ação, Ricardo Lewandowski. Há ministros que admitem discutir a hipótese por conta da excepcionalidade que se coloca. Peluso não pedirá para adiantar o voto porque quer sair de férias ou tirar licença. Mas porque é obrigado a se aposentar ao completar 70 anos de idade.

A aposentadoria não provocaria qualquer mudança no rito de votação não se tratasse do processo do mensalão. Mas, neste caso, diante de tantas excepcionalidades já admitidas — como o fato de a Corte Constitucional do país praticamente parar por ao menos dois meses para decidir um só processo — a hipótese de quebrar a ordem é discutida.

Outros ministros, contudo, não admitem isso. Afirmam, inclusive, que a quebra daria margem para que os acusados possam levantar a nulidade da decisão do Supremo. E apontam o artigo 135 do Regimento Interno do tribunal para fundamentar seu receio. De acordo com a regra, “concluído o debate oral, o presidente tomará os votos do relator, do revisor, se houver, e dos outros ministros, na ordem inversa de antiguidade”. O parágrafo 1º da norma dispõe que “os ministros poderão antecipar o voto se o presidente autorizar”.

Ou seja, os ministros podem antecipar seu voto, mas depois do relator e do revisor votarem. Caso contrário, não haveria sequer a necessidade de revisão obrigatória no caso de ações penais. Seria como se o mensalão não tivesse revisor. Esse é o ponto de vista dos que não admitem que Peluso possa antecipar seu voto ao do ministro Lewandowski. De qualquer forma, é mais uma questão que pode inflamar as discussões em plenário.

O simples fato de se cogitar que Peluso adiante o voto já provoca divergências. Ainda que consiga votar depois de Lewandowski, o ministro não estaria em plenário ao final do julgamento para dirimir qualquer questão. Nem poderia ajustar seu voto a depender de novas considerações trazidas pelos colegas. Qualquer que seja a decisão, se Peluso votar antes da ordem habitual, o fato provocará protestos e eventuais incidentes processuais.

Caso Peluso não vote, existe a possibilidade de ocorrer empate, ainda que remota, em alguns casos. Aí se abre um novo leque de hipóteses possíveis para o desempate. No Direito Penal, em regra, o réu se beneficia do empate por conta do princípio in dubio pro reu. Ou seja, para condenar, é necessário ter a certeza do crime. Na dúvida, se absolve. Há quem advogue que o princípio vale para pedidos de Habeas Corpus, mas não se aplicaria no caso — clique aqui para ler reportagem da ConJur sobre a discussão. Existe pelo menos um precedente em que o Plenário adotou o entendimento favorável ao réu, em empate, a um Recurso Extraordinário.

Há, ainda, outro cenário possível no caso de o ministro Dias Toffoli se declarar suspeito para julgar o processo. Toffoli trabalhou com José Dirceu, um dos principais réus do processo, na Casa Civil, durante o primeiro mandato do governo Lula, e já advogou para o PT. Sua companheira, a advogada Roberta Rangel, já advogou para os ex-deputados petistas Paulo Rocha e Professor Luizinho. Alguns colegas de Toffoli acreditam que ele deveria se declarar suspeito. Outros entendem que, levados ao pé da letra os fundamentos do impedimento, verificar-se-ia suspeição sobre quase todos os ministros da Casa. Neste cenário, mesmo sem os votos dos ministros Peluso e Toffoli, não haveria risco de empate, já que o Supremo julgaria o caso com os votos de nove ministros.

Crime e castigo
As discussões mais inflamadas prometem ficar por conta da fixação da pena dos eventuais condenados. Neste ponto do processo, os ministros acostumados com a discussão de princípios constitucionais, se fixarão no artigo 59 do Código Penal.

A norma determina que para a fixação da pena o juiz deve levar em consideração “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima”. O grau de subjetivismo que a regra permite provocará problemas no plenário do Supremo.

Há ministros, por exemplo, que entendem que o fato de o réu responder a outros processos pode ser considerado como antecedente para agravar a pena. Outros não admitem processos em curso. Para estes, antecedente penal ou mesmo civil só com sentença ou condenação transitada em julgado. Ou seja, decisão definitiva.

Alguns ministros mostram-se receosos com a possibilidade de colegas aumentarem as agravantes de crimes para que as penas não caiam na prescrição. Se houver condenação pela pena mínima, muitos casos estão prescritos desde agosto de 2011.

A denúncia do mensalão foi apresentada ao Supremo em abril de 2006. Em agosto de 2007, a denúncia foi recebida pelo plenário do tribunal. O relator, ministro Joaquim Barbosa, trabalhou na instrução da ação penal por quatro anos e meio, até o final do ano passado. No último dia, liberou a ação para o revisor. Lewandowski fez a revisão em tempo recorde, sob pressão até dos próprios colegas.

A partir do dia 2 de agosto, começa o julgamento-espetáculo mais esperado dos últimos tempos, seis anos depois de a denúncia ter chegado ao STF. Sabe-se quando e como começa. Não se tem ideia de quando e como termina. Nem mesmo qual será o Supremo Tribunal Federal que emergirá com a decisão final.

Clique aqui para assistir os vídeos do julgamento do mensalão.

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