Advocacia Social

Lei exige que defensor público apresente procuração

Autor

  • Andre Luis Alves de Melo

    é promotor em Minas Gerais doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP mestre em Direito pela Unifran e associado do Movimento do Ministério Público Democrático.

29 de julho de 2012, 7h00

O defensor público deve juntar procuração judicial nos casos em que a lei exigir poderes especiais. Tal previsão é expressa nos artigos 44, XI, 89, XI, e 128, XI, da LC 80/1994, Lei da Defensoria. De fato, a assistência jurídica é uma espécie de assessoria jurídica, o que somente pode dar-se na esfera judicial como representante processual do cliente economicamente carente, ainda que seja uma associação ligada aos carentes, sendo a procuração dispensada apenas para casos de poderes gerais.

A Lei Orgânica da Defensoria exige expressamente o instrumento de procuração para poderes especiais. Oportuno transcrever trecho da Lei Orgânica da Defensoria (LC 80, de 12 de janeiro de 1994):

Artigo 44.  São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública :

XI – Representar a parte, em feito administrativo ou judicial,independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exige poderes especiais.

 Logo, a Defensoria exerce advocacia social e somente pode atuar por mandato, ainda que verbal, ou seja, quando a lei dispensa o mandato, refere-se apenas ao instrumento do mandato (procuração) e não ao instituto em si. Isso ocorreu em razão de que  na época da edição da norma da Defensoria ainda tinha que se pagar o reconhecimento de firma nas procurações judiciais. Portanto, o objetivo era reduzir a despesa, mas hoje não se exige mais o reconhecimento da firma na procuração judicial.

Observa-se que apesar de a Lei Orgânica da Defensoria ter sido publicada em janeiro de 1994,  apenas em dezembro de 1994  a Lei 8.952 (quase um ano depois) dispensou implicitamente a necessidade de se reconhecer a firma nas procurações judiciais, pois alterou a redação do artigo 38 do CPC para deixar de exigir este procedimento, pois encarecia o acesso ao Judiciário, como se verifica a seguir: 

Art. 38.  A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso  (Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994)

Assim ressalta-se que quando o legislador dispensou o Defensor Público de juntar procuração para poderes gerais, o fez apenas para evitar despesas com o reconhecimento da firma, e não por outro motivo, nem mesmo para permitir que ajuizasse ações sem cliente de fato, ou seja, em nome próprio.

Nesse sentido transcreve-se o julgado abaixo:

“Dando nova redação ao artigo 38 do CPC, a Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994 deixou muito clara a intenção do legislador de dispensar o reconhecimento de firmas nas procurações ad judicia” (Ac. Un. Da 11ª Câmara do 1º TACivSP de 14 de setembro de 1995, na Ap. 550.968-2.)

A procuração judicial ou ad judicia é o instrumento de autorização do cliente para a propositura da ação judicial. Sua dispensa não quer dizer que não tenha o Defensor que atuar como mandatário. Esta autorização pode ser até mesmo verbal.

Observa-se no julgado abaixo o teor da intenção legislativa:

“Estando a parte representada por advogado incumbido de prestar assistência judiciária, é dispensável o instrumento de procuração, a teor do art. 16, parágrafo único, da Lei 1060/50, resguardados os poderes expressos no digesto processual, em seu art. 38, e os casos de instauração do procedimento criminal.” (Ac. 4ª Câm. Do TAMG na Ap. 134.905-7, rel. Juiz Jarbas Ladeira; DJMG de 30.03.1993)

 “Tratando-se da hipótese de concessão de justiça gratuita, o parágrafo único do artigo 16 da Lei 1.060-50 só dispensa a procuração quando a parte for representada em Juízo por advogado integrante de entidade de direito público incumbido, na forma da lei, de prestações de assistência judiciária gratuita, ressalvados os atos previstos no artigo 38 do CPC e o requerimento de abertura de inquérito por crime de ação privada, a proposição de ação penal privada ou o oferecimento  de representação por crime de ação pública condicionada” (Ac. Un. Da 7ª  Câm.   Do TJSP, de 21.10.1992, no Ag.181.080-1/0 ) 

No caso de defensor público a procuração para poderes especiais será assinada pelo cliente tendo como representante a Defensoria, representada pelo defensor e pode ser revogada a qualquer tempo, bem como substabelecida a um advogado particular. Em razão disso reforça-se o argumento de que não se pode ter um defensor atuando na polaridade da ação e outro na polaridade passiva, pois a Defensoria é una e indivisível. Caso contrário, seria a instituição representando clientes com interesses diversos no mesmo processo. Afinal, os dois defensores públicos representam a mesma instituição, logo é equivocado crer que o fato de serem dois defensores públicos não será a mesma Instituição.

Oportuno destacar que, apesar de dispensado de juntar a procuração com poderes gerais, nada impede de se fazer, pois dá até mesmo mais segurança. Além disso, ressalta-se que é possível que outros entes públicos prestem assistência jurídica, pois como serviço de assistência pública de caráter social não é atividade privativa do Estado, sendo atividade relevante, mas complementar à iniciativa privada.

Contudo, o fato de não se exigir a juntada da procuração para poderes gerais, não coloca o prestador do serviço de assistência jurídica como substituto processual do cliente, ou seja, o cliente continua sendo a parte, mas representado pelo advogado, público ou privado, ainda que advocacia na área social.

São casos em que a lei exige procuração com poderes especiais:

 1) Artigo 39 do CPP (representação em ação pública condicionada)

2)Artigo 44 do CPP (ajuizar ação penal privada,inclusive a subsidiária da pública)

3) Artigo 55 do CPP (aceitar perdão do querelante)

4) Artigo 98 do CPP (suscitar suspeição do juiz)

5) Artigo 146 do CPP (argüir incidente de falsidade)

6) Artigo 38 do CPC (para receber citação inicial)

7) Artigo 38 do CPC (para confessar o fato)

8) Artigo 38 do CPC (para reconhecer procedência do pedido)

9) Artigo 38 do CPC (para transigir, fazer acordos em juízo)

10) Artigo 38 do CPC (para desistir da ação ou do recurso interposto)

11) Artigo 38 do CPC (para renunciar ao direito em demanda)

12) Artigo 38 do CPC (para receber os valores cobrados)

13) Artigo 38 do CPC (para dar quitação de pagamento de dívida)

14) Artigo 38 do CPC (para firmar compromisso em juízo)

15) Artigos 278,  parágrafo 1º e 447 do CPC (audiência de conciliação)

16) Artigo 349, parágrafo único (confissão espontânea)

17) Artigo 991, III, (prestar primeiras e últimas declarações no inventário).

 Tem prevalecido o entendimento de que não se exige procuração com poderes especiais para ser assistente da acusação, embora haja divergências.

Também há julgados exigindo procuração com poderes especiais para se pleitear justiça gratuita, bem como para levantar valores depositados em juízo, assinar auto de penhora e alegar suspeição do juiz no processo civil.

Há casos de se exigir que os poderes especiais sejam expressos e discriminando o ato, não bastando as palavras genéricas que normalmente constam na procuração Ad Judicia.

Além disso, recentemente iniciou-se discussão sobre a necessidade de procuração com poderes especiais para se ajuizar Ação Rescisória Civil, e consequentemente, para a revisão criminal.

Lado outro, não se exige “procuração com poderes especiais” para se recorrer.

Nesse sentido de que a Defensoria exerce advocacia cita-se o artigo 134 da Constituição Federal e o artigo 5º da CF exige que se comprove a carência econômica:

 A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma do artigo 5º, LXXIV, da CF.

Parágrafo 1º vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais".

 Ressalta-se que a Lei 1.060-50 também já dispensava a apresentação do instrumento do mandato, corroborando os julgados alhures:

 Artigo 16. Se o advogado, ao comparecer em juízo, não exibir o instrumento do mandato outorgado pelo assistido, o juiz determinará que se exarem na ata da audiência os termos da referida outorga.

Parágrafo único. O instrumento de mandato não será exigido, quando a parte for representada em juízo por advogado integrante de entidade de direito público incumbido na forma da lei, de prestação de assistência judiciária gratuita, ressalvados: (Incluído pela Lei nº 6.248, de 1975)

a) os atos previstos no art. 38 do Código de Processo Civil; (Incluída pela Lei nº 6.248, de 1975)

O Defensor Público sempre deve juntar declaração de pobreza assinada pelo próprio cliente, na qual assume as conseqüências de eventual falsidade, inclusive deveria o defensor público arquivar ou juntar documentos que comprovem esta carência, pois nos termos do artigo 5º, LXXIV, da CF, deve comprovar a carência e não apenas alegar.

A rigor, no caso da Defensoria não se pode alegar que tem “fé pública” para declarar pobreza, pois seria a figura já rechaçada pelo STF de “Super-advogado” (ADI 230), além disso mesmo que tem poder para definir a renda salarial do seu cliente em ações de alimentos, por exemplo, e sem necessidade de comprovar.

Na atuação extrajudicial ou administrativa haverá casos em que deve apresentar procuração ad negocia, e neste caso segue-se as regras do Código Civil, a qual também exige procuração com poderes especiais em alguns casos.

Em razão disso a maneira tecnicamente correta de o defensor público manifestar nas ações judiciais é “José Roberto representado pela Defensoria Pública”. Caracteriza impropriedade técnica as formas usadas “como Defensoria Pública assistindo José Roberto”, ou “José Roberto assistido pela Defensoria”, ou “Defensoria em nome próprio, ou em nome de.

A rigor, temos três formas de atuação perante a atividade jurisdicional:

1) Representação processual, ou seja, por advogados (públicos ou privados, como é o caso dos defensores). Caracteriza  defender direito alheio em nome alheio. Ex. João Silveira representado por advogado/defensor. O João Silveira é o autor da ação.

2) Substituição processual como é o caso do Ministério Público e outros, em alguns casos específicos permitidos expressamente pela lei federal. Significa defender direito alheio em nome próprio, conforme artigo 6º, do CPC. Ex. O Ministério Público em nome de João Silveira, isto é, João é no máximo um coadjuvante e talvez nem isto, logo deve ser exceção.

3) Auto defesa judicial, jus postulandi, como ocorre quando o cidadão ajuíza uma ação para defender direito próprio no Juizado Especial ou na área trabalhista. Aliás, esse direito deveria ser reconhecido pelo Judiciário em qualquer ação, pois está previsto nos Tratados Internacionais, com natureza de direitos humanos como direito fundamental, da cidadania plena, mas isso ainda não está acontecendo. É defender direito próprio em nome próprio. Ex. João Silveira em nome dele mesmo ajuíza uma ação, sem intermediário.

A atuação por representação processual é uma garantia da cidadania e evita situações como a do direito muçulmano em que qualquer pessoa pode pedir o divórcio de um casal, mesmo contra a vontade do casal (substituição processual). Não se pode confundir substituição processual com substituição das partes, pois este último acontece quando uma parte falece, por exemplo.

Ante o exposto, é de se concluir que, nos casos em que a Lei exigir Procuração com poderes especiais, o defensor público deve juntar a mesma, caso contrário deve ser intimado para regularizar em prazo judicial, sob pena de extinção da ação em alguns casos ou negativa do pedido, ou até mesmo intimação pessoal do cliente pelo juízo para regularizar a pendência processual, conforme artigos 44, XI,  89, XI e 128, XI, da LC 1980/94.

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