Justiça Tributária

O sobrevoo de helicóptero do fisco sobre a serra

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

23 de julho de 2012, 5h02

Spacca
Notícia divulgada neste sábado (21/7) diz que fiscais federais vão cruzar imagens aéreas obtidas por um helicóptero com as informações da Prefeitura de Campos do Jordão para verificar se as contribuições previdenciárias sobre a mão de obra usada nas construções estão sendo corretamente pagas. Haveria, segundo a notícia, indícios de sonegação.

Campos do Jordão tem menos de 50 mil habitantes, com uma área de cerca de 300 km2. Ou seja, sua densidade demográfica é de pouco mais de 150 habitantes por quilômetro quadrado. Seu PIB anual per capita é de pouco mais de 10 mil reais. A maior parte dos bairros da capital apresenta índices mais robustos.

Claro que o fisco deve fiscalizar todo mundo. Mas usar helicóptero para uma ação desse tipo parece negar a observância de um princípio básico em fiscalização, que é direcionar os esforços onde forem maiores as possibilidades de resultado. No caso pretende o fisco cuidar da arrecadação de contribuições previdenciárias. Beleza! Mas há uma pergunta que não quer calar: a Prefeitura de alguma cidade do país não exige tal comprovação para emitir o habite-se? E uma cidade turística como Campos do Jordão por acaso está invadida por construções clandestinas?

Essa notícia parece inspirada pelo mesmo planejador que pretendeu um dia abordar consumidores às vésperas do Natal quando saiam com sacolas carregadas dos shoppings aqui na capital paulista. Tratava-se de algo inútil e desagradável. Tal condição agora se repete.

Em se tratando de construções regulares (que são as que empregam mais mão de obra) basta ao fisco federal requisitar as plantas da prefeitura e, com base nelas, intimar o proprietário da obra para apresentar as guias do INSS. Se não houver apresentação ou se houver inconsistência na informação, poderá ser aplicado o artigo 148 do CTN, com o lançamento por arbitramento. Até fiscal em fase de estágio consegue fazer isso.

Numa cidade com menos de 50 mil habitantes, as construções podem e devem ser fiscalizadas no próprio local. Não há necessidade de custosas pesquisas com o uso de helicópteros. Por outro lado, a partir do momento em que o fisco direcionar sua atuação para determinado contribuinte, deve-se obedecer ao artigo 196 do CTN. Ou seja, o proprietário da obra deve ser notificado para acompanhar as diligências que possam resultar em lançamento.

Torna-se evidente o objetivo da notícia: induzir recolhimentos por parte de pessoas que estejam promovendo sonegação no local. Diz a notícia no final que se o contribuinte fizer o recolhimento antes da ação fiscal, ficará livre da multa que pode variar de 75% a 225%. Esses percentuais são por si só vergonhosos. A multa não pode ter efeito confiscatório. Isso já foi aqui demonstrado diversas vezes neste espaço, como em 19 de setembro do ano passado.

E não me venham com essa conversa mole de que a lei prevê a multa, porque qualquer lei que negue a constituição não vale nada. Basta dar uma olhada nos artigos 37 e 150, inciso IV, da Constituição Federal. Multa de 75% a 225% não obedece o princípio da moral (artigo 37) e viola o do não confisco (artigo 150, inciso IV).

Não parece razoável a preocupação do superintendente da Receita Federal em São Paulo com a possível sonegação em construção numa cidade de menos de 50 mil habitantes distribuídos em menos de 300 km2. Parece-nos que os esforços do fisco (mesmo sem helicópteros) dariam mais resultados práticos se direcionados para locais mais amplos e mais habitados.

Por exemplo: muitas incorporadoras cobram dos clientes nos lançamentos de imóveis novos um valor que chega a 5% do preço do negócio, a título de comissão de corretagem. Esses 5% podem ir para os cofres da incorporadora sem contabilização, até porque o recibo do suposto corretor quase sempre está em branco. Um prédio que tenha 20 pavimentos e seis apartamentos por andar representa 120 unidades. Se cada unidade for vendida a 500 mil reais, teremos 25 mil reais de “comissão” para cada unidade, o que dá um total de 3 milhões de reais de faturamento sonegado! Não precisa de helicóptero e talvez o fiscal possa ir a pé, pois o prédio é ali na esquina.

Outro exemplo: uma grande rede varejista vende um eletrodoméstico por R$ 1,5 mil , mas fatura apenas R$ 1,2 mil como mercadoria, pois os R$ 300 restantes são uma tal garantia estendida. Não precisa fazer contas para ver o tamanho do assalto que se faz ao erário.

Grandes incorporadoras e grandes redes varejistas podem tudo???

Em entrevista que o superintendente deu à revista da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) logo após sua posse, fiquei muito bem impressionado com sua disposição de trabalho. Não vejo razão para mudar de opinião. A não ser que se gaste dinheiro do contribuinte para passear de helicóptero em Campos do Jordão.

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    é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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