Versões dos fatos

"Estado deve reconhecer causas de mortes na Ditadura"

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19 de julho de 2012, 14h45

O Estado precisa modificar todos os assentamos civis dos tempos da ditadura militar nos quais constem, como causa mortis, o suicídio. Quem afirma é o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, que comentou artigo publicado, nesta quinta-feira (19/7), pelo criminalista José Roberto Batochio no jornal Folha de S.Paulo. O advogado comenta episódio do programa de TV Dossiê Globo News, no qual o governador na época, Paulo Egydio Martins afirmou: “Não houve suicídio, Herzog foi assassinado”.

Toron afirma: "O belo e instigante artigo de José Roberto Batochio em boa hora relembra a corajosa conduta do rabino Henry Sobel que recusou a impostura da Ditadura e, diferentemente do que mandam os preceitos judaicos, não o enterrou em ala separada, onde são sepultados os suicidas. A prática de Sobel ilumina o texto e nos dá a chave para a resposta, ainda que parcial. O Estado, a despeito das controvérsias e das respeitáveis opiniões em contrário, não pode mais punir criminalmente os algozes de Herzog; quando menos, abstraída a própria Lei da Anistia, porque os crimes estão prescritos. Todavia, o Estado Democrático de Direito pode e deve refazer todos os assentamentos civis onde consta o suicídio. Deve mais: na Comissão da Verdade o fato deve ser reavivado e desfeita oficialmente a mentira. É pouco, mas é uma boa medida, uma vez que nada o trará de volta para os seus e para a cidadania!

Como narra Batochio no texto, “falsificar atestado médico ou certidão de óbito é crime contra a fé pública, com previsão legal específica (artigo 302 do Código Penal), assim como o é a falsidade ideológica, (artigo 299), de conceituação genérica. Essas condutas delituosas praticou-as o Estado brasileiro — ou, em direito penal, seus agentes — ao atestar que Vladimir Herzog suicidou-se no Doi-Codi de São Paulo, em 1975. Até as pedras sabem que sua morte decorreu das torturas que ali lhe foram infligidas”.

Para ele, “na Comissão da Verdade o fato deve ser reavivado e desfeita oficialmente a mentira. É pouco, mas é uma boa medida, uma vez que nada o trará de volta para os seus e para a cidadania”.

Pierpaolo Cruz Bottini, também criminalista, acredita que o debate sobre a Lei da Anistia e suas repercussões “está longe de ser encerrado”. “Ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha fixado a validade da norma, inclusive para os agentes da repressão — decisão que não me parece a mais correta — há pontas ainda não cobertas, como a responsabilidade civil e o direito a verdade. Cabe ao Estado, ao Executivo e ao Judiciário a tarefa de trabalhar com firmeza para desconstruir mentiras e falsidades que ainda compõem a história oficial”.

Já a criminalista Kátia Tavares, do Rio de Janeiro, explica que diante da constatação de violações dos direitos humanos, “deveria ser revista a decisão do Supremo Tribunal Federal que, em abril de 2010, rejeitou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, questionando a concessão da anistia aos agentes do Estado pelos crimes cometidos nos anos ditatoriais”.

O grande equívoco da decisão, aponta, é seu caráter político, não jurídico. “O Estado tem uma dívida com a sociedade e com a história. O Brasil tem um dever de reparar os danos. É uma imposição”, argumenta. E acrescenta: “A decisão do Supremo não tem critério de Justiça, porque os ministros não analisaram os aspectos jurídicos do problema”.

“No Brasil, muitos militantes de esquerda passaram por torturas desumanas, sequer se submeteram a processo com direito de defesa e, ainda, foram condenados à morte sumariamente ou desapareceram. Os que sobreviveram ficaram encarcerados durante anos. Sem falar dos que tiveram de se exilar do país. Já os torturadores, quem são eles?”, indaga.

O criminalista Thiago Anastácio

diz que “o caso Herzog tem particularidades políticas e demonstra a bonita faceta de nossos homens religiosos, ao passo que revela a terrível faceta dos agentes públicos de então”. “Infelizmente gozamos e louvamos gozar da democracia, mas ainda nos manifestamos com as mesmas idéias daqueles vilões, o mesmo pensar”.

"Tenho uma posição muito particular sobre a Comissão. Não creio que, em Estado de Direito como o nosso, possamos dizer que a verdade nascerá com os trabalhos e debates apenas das personalidades, que evidentemente de um só pólo de nossa história. Verdade, para nós, deve nascer da dialética. Mas confesso que sei ser ‘voto vencido’ nessa matéria", diz.

“Prendam! Aumentem as penas! Vagabundo bom é vagabundo morto! Advogado que defende é co-autor do crime! Mais do que a verdade, precisamos aprender com ela. Mais do que democracia, precisamos entender seus valores e a história de sangue para conseguirmos chegar até ela".

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