Parceria Público-Privada

PMI é mecanismo a ser aplicado em concessões comuns

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15 de julho de 2012, 7h00

As Parcerias Público Privadas — PPPs são acordos de natureza contratual firmados entre a Administração Pública e uma pessoa da iniciativa privada, cujo objeto é a consecução de finalidades públicas ou socialmente relevantes. A opção por tais contratos ocorre, normalmente, quando o Poder Público precisa de vultosos investimentos, sem que possua a disponibilidade pecuniária para tanto, necessitando de uma antecipação de investimento pelo particular.

Dessa forma, a iniciativa privada será contratada para, primeiramente, executar uma obra e depois prestar ou não o serviço, mediante um financiamento desse contratado, que terá integralmente ou parcialmente a sua remuneração com uma contraprestação pecuniária do Poder Público. Maria Sylvia di Pietro aduz que:

“No que diz respeito ao conceito, a principal diferença entre a concessão patrocinada e a concessão de serviço público comum é a que diz respeito à forma de remuneração; assim mesmo, essa diferença pode desaparecer se, na concessão tradicional, houver previsão de subsídio pelo poder público, conforme previsto no artigo 17 da Lei 8.987, de 1995. Também existe diferença no que diz respeito (a) aos riscos que, nas parcerias público-privadas, são repartidos com o parceiro público, (b) às garantias que o poder público presta ao parceiro privado e ao financiador do projeto, e (c) ao compartilhamento entre os parceiros de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado”[1].

Conforme a lição de Juarez de Freitas[2], as PPPs são aquelas “concessões”, assim denominadas, por opção política do legislador, possuindo diversas características, dentre as quais:

“(…)

(a) a PPP é um contrato entre parceiros público e privado, no qual necessariamente o último visa a obtenção de lucro, de modo que estão afastadas desse regime as parcerias (em sentido amplo) estabelecidas, por exemplo, com o denominado terceiro setor, tais como os termos celebrados com as organizações da sociedade civil de interesse público;

(b) a PPP supõe riscos compartilháveis;

(…)”.

O compartilhamento de riscos entre as partes é uma novidade oriunda da legislação que instituiu as PPPs, e está claramente previsto no inciso III do artigo 5o da Lei 11.079, de 2004. Assim, a Administração Pública deverá uma contraprestação ao parceiro privado, que consiste no financiamento público do investimento realizado pelo parceiro privado e pode ser feita por diversos modos, estabelecidos no artigo 6o do referido diploma legal. Nos atuais termos da legislação (artigo 7o), apenas pode ocorrer após a disponibilização do serviço objeto do contrato de parceria público-privada. A Administração, portanto, assume a responsabilidade de repartir o risco do investimento com o parceiro privado, porém dentro do limite máximo de 1% (um por cento) de sua receita líquida. Isso ocorre como forma de controlar as despesas públicas, no sentido de evitar qualquer ofensa à lei de responsabilidade fiscal[3].

Quanto ao pagamento de contraprestação pelo Poder Público, cabe uma breve digressão.

O artigo 7o da Lei 11.079, de 2004, de maneira que seja impossibilitado o pagamento, pela Administração Pública, da contraprestação antes da disponibilidade da infraestrutura e/ou do serviço objeto do contrato. Como nas PPPs se busca incentivar o investimento privado nas obras de infraestrutura setorial, com a garantia de repartição objetiva dos riscos entre a Administração e o parceiro privado, que ocorrerá através do oferecimento de uma contraprestação pecuniária pelo Poder Público (artigo 2o, parágrafo 1o da Lei 11.079, de 2004), não haveria óbice à possibilidade legal de o pagamento dessa contraprestação ser anterior à disponibilização do serviço objeto do contrato de parceria público-privada, desde que houvesse condicionantes que o resguardem.

Tal medida possibilitaria a atração de mais investidores (parceiros privados) necessários para que se consiga atingir os objetivos colimados pela legislação, haja vista que, “não havendo possibilidade de instituição de tarifa e a contribuição do poder público só se iniciando quando o serviço se tornar disponível, a figura do financiador e as medidas previstas para garantir o seu investimento, mais uma vez, adquirem importância fundamental para o sucesso da parceria público-privada”[4].

Tecidas essas sucintas considerações acerca das PPPs, adentra-se especificamente à seara do procedimento de manifestação de interesse da iniciativa privada – PMI.

O artigo 31 da Lei 9.074, de 7 de julho de 1995, o artigo 21 da Lei 8.987, de 1995, artigo 3o, caput e parágrafo 1o, da Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, este último regulamentado pelo Decreto 5.977, de 1o de dezembro de 2006, permitem que entes privados solicitem autorização da Administração Pública para realização de projetos, estudos, levantamentos ou investigações a serem utilizados em modelagens de PPPs, já definidas como prioritárias no âmbito da Administração Pública Federal. Essa seria a base legislativa para a implementação do denominado procedimento de manifestação de interesse da iniciativa privada — PMI.

O PMI previsto pelo referido Decreto 5.977, de 2006, expressamente determinou a necessidade de vinculação da manifestação apresentada pelo particular às prioridades já definidas pela Administração, o qual assinala que:

“Artigo 1o  Este Decreto regulamenta o artigo 3o caput e parágrafo 1o da Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, destinado à apresentação de projetos, estudos, levantamentos ou investigações, elaborados por pessoa física ou jurídica da iniciativa privada, a serem utilizados em modelagens de parcerias público-privadas já definidas como prioritárias no âmbito da administração pública federal.

Parágrafo único. A apresentação de projetos, estudos, levantamentos ou investigações elaborados por organismos internacionais dos quais o Brasil faça parte, autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista submete-se a regime próprio”.

Por tal procedimento, o particular (pessoa física ou jurídica) elabora e apresenta, à Administração Pública, projetos, estudos, levantamentos ou investigações relativos a determinado projeto já definido como prioritário pelo Poder Público. Tais estudos podem ou não ser aproveitados em futura licitação para a contratação de PPPs. Se esses estudos não forem aproveitados, o particular não terá qualquer direito ao ressarcimento pelos custos com a sua elaboração (inciso IV do artigo 5o e artigo 7o do mencionado Decreto).

Se, diversamente, tais projetos, estudos, levantamentos ou investigações forem utilizados para a realização de licitação, o licitante vencedor (e não a Administração Pública) deverá ressarcir o seu autor os custos com os quais tiver incorrido (artigo 14 do referido Decreto).

Assim, o Poder Público pode ter acesso a estudos, propostas e levantamentos referentes a projetos dos mais diversos setores de infraestrutura, sem que isso represente qualquer custo direto aos cofres públicos.

Se tal procedimento for utilizado com critérios objetivos e para projetos de efetivo interesse público, afigura-se como um importante meio de a sociedade colaborar com o Poder Público na estruturação de projetos sem que isso represente custo ao erário[5]. Por tal motivo, é de bom alvitre assinalar que, embora o PMI, regulamentado pelo Decreto 5.977, de 2006, esteja voltado às PPPs, não se pode deixar de considerar que este seria um importante mecanismo a ser também aplicado às concessões comuns, cabendo ao legislador promover a alteração do artigo 21 da Lei 8.987, de 1995.

Compete ainda esclarecer que o PMI não se confunde com o diálogo competitivo, não conhecido no ordenamento jurídico pátrio. É instituto previsto pela legislação da União Europeia, e “baseado em duas premissas: um diálogo envolvendo os licitantes e a Administração e a competição a que aqueles serão submetidos no curso do procedimento, visando a obtenção de uma ou mais soluções satisfatórias ao Poder Público”[6]:

“Importa ainda notar que o diálogo competitivo não equivale ao instituto do Procedimento de Manifestação de Interesse — PMI — já citado neste texto, utilizado em alguns estados brasileiros nas contratações de Parcerias Público-Privadas. O PMI é instrumento destinado a divulgar o interesse da Administração em colher informações adicionais para a consolidação de ideias em torno do projeto que se deseja implantar. É uma sondagem prévia ao mercado, com o objetivo de ajustar os interesses públicos aos interesses privados.

Assim, nos PMI, a entidade adjudicante já parte de um objeto contratual e de um modelo contratual por ela determinado, enquanto que no Diálogo, como visto, a Administração só pode, inicialmente, definir seus fins, seus objetivos, e não seus meios. Ela se volta para o mercado justamente para, por meio do debate, chegar ao objeto a ser contratado. Assemelham-se no fato de que em ambos há a possibilidade de a Administração indenizar os particulares interessados em contratar pelos custos tidos com sua participação no processo”[7].

Registre-se, finalmente, que, o artigo 14 da Lei 11.079, de 2004, determinou ao Poder Executivo a criação de um órgão gestor no âmbito federal, o que foi efetivado por meio do Decreto 5.385, de 4 de março de 2005, o qual instituiu o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal – CGP, cujas competências estão traçadas pelo artigo 3o do referido regulamento, expedido pelo presidente da República, com fulcro no inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal:

“Artigo 3o Compete ao CGP:

I – definir os serviços prioritários para execução no regime de parceria público-privada e os critérios para subsidiar a análise sobre a conveniência e oportunidade de contratação sob esse regime;

II – disciplinar os procedimentos para celebração dos contratos de parceria público-privada e aprovar suas alterações, inclusive os relativos à aplicação do artigo 31 da Lei 9.074, de 7 de julho de 1995, e do artigo 21 da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995;

II – disciplinar os procedimentos para celebração dos contratos de parceria público-privada e aprovar suas alterações;

III – autorizar a abertura de procedimentos licitatórios e aprovar os instrumentos convocatórios e de contratos e suas alterações;

IV – apreciar e aprovar os relatórios semestrais de execução de contratos de parceria público-privada, enviados pelos Ministérios e Agências Reguladoras, em suas áreas de competência;

V – elaborar e enviar ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União relatório anual de desempenho de contratos de parceria público-privada e disponibilizar, por meio de sítio na rede mundial de computadores (Internet), as informações nele constantes, ressalvadas aquelas classificadas como sigilosas;

VI – aprovar o Plano de Parcerias Público-Privada — PLP, acompanhar e avaliar a sua execução;

VII – propor a edição de normas sobre a apresentação de projetos de parceria público-privada;

VII – autorizar a apresentação de projetos, estudos, levantamentos ou investigações elaborados por pessoas físicas ou jurídicas não pertencentes à Administração Pública direta ou indireta, que possam ser eventualmente utilizados em licitação de parceria público-privada, desde que a autorização se relacione com projetos já definidos como prioritários pelo CGP, com o intuito de permitir o ressarcimento previsto no artigo 21 da Lei 8.987, de 1995;

VIII – estabelecer os procedimentos e requisitos dos projetos de parceria público-privada e dos respectivos editais de licitação, submetidos à sua análise pelos Ministérios e Agências Reguladoras;

IX – estabelecer modelos de editais de licitação e de contratos de parceria público-privada, bem como os requisitos técnicos mínimos para sua aprovação;

X – estabelecer os procedimentos básicos para acompanhamento e avaliação periódicos dos contratos de parceria público-privada;

XI – elaborar seu regimento interno; e

XII – expedir resoluções necessárias ao exercício de sua competência”.

Observa-se, apenas, que, para a sua efetiva implementação no âmbito do Poder Executivo Federal, a previsão legal precisa de regulamentação, por meio de Decreto, expedido pelo Presidente da República, com fulcro no inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal. Isso para que não sejam extrapolados os limites previstos pelo princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 2o da Constituição Federal.

BIBLIOGRAFIA

Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2005.

Freitas, Juarez de. O NOVO MODELO DE PARCERIAS PUBLICO-PRIVADAS (PPS) NO BRASIL: CARACTERISTICAS E REGULAÇAO. Disponível em http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD-9-21.pdf.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006.

CARVALHO, Raquel Melo Urbano. Curso de Direito Administrativo: parte geral, intervenção do Estado e estrutura da Administração. Salvador: JusPodivm, 2009.

NOTAS

[1] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2005, p.162.

[2] Freitas, Juarez de. O NOVO MODELO DE PARCERIAS PUBLICO-PRIVADAS (PPS) NO BRASIL: CARACTERISTICAS E REGULAÇAO. Disponível em

http://ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2406/1/AD-9-21.pdf. Acesso em 09/03/2012.

[3] Determina o art. 22 da Lei no 11.079, de 2004, que: “Art. 22. A União somente poderá contratar parceria público-privada quando a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas não tiver excedido, no ano anterior, a 1% (um por cento) da receita corrente líquida do exercício, e as despesas anuais dos contratos vigentes, nos 10 (dez) anos subseqüentes, não excedam a 1% (um por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios”.

[4] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit., p. 169/170.

[5] Alguns estados e municípios da Federação, a exemplo do Decreto no 57.289, de 30 de agosto de 2011, do estado de São Paulo, já editaram normas regulamentando o procedimento de manifestação de interesse nas suas esferas políticas de governo, com base em suas próprias legislações, e nas Leis nos 8.987 e 9.074, ambas de 1995, e na Lei no 11.079, de 2004.

[6] MARTINS BOGOSSIAN, Andre. O diálogo concorrencial. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 74, 01/03/2010 [Internet]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7425#_ftnref1#_ftnref1 Acesso em 09/03/2012.

[7] Idem, ibidem.

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