Fim dos obstáculos

Norma do TJ-SP outorga direitos que a cidade esqueceu

Autor

  • Fernando Fukassawa

    é advogado promotor de justiça aposentado em São José do Rio Preto (SP) foi secretário de Negócios Jurídicos diretor jurídico da Câmara Municipal secretário de Habitação e professor de Direito Administrativo e Direito Penal em duas Universidades.

11 de julho de 2012, 15h27

A questão dos loteamentos clandestinos e irregulares é amplamente conhecida, por acometer a quase totalidade dos municípios brasileiros. São os mais variados problemas enfrentados pela população desse contexto, desde a falta de infraestrutura básica para regular qualidade de vida, até a privação do direito de propriedade constitucionalmente garantido.

Publicado em 25 de junho, o Provimento 18/2012 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, em boa hora põe fim aos inúmeros obstáculos registrários encontrados nos processos de regularização fundiária daqueles loteamentos. Por isso, deve ser enaltecida a vontade e ousadia do Excelentíssimo Senhor Corregedor, Desembargador José Renato Nalini e toda sua equipe de juízes assessores.

É certo que a Lei 11.977/09, no tocante à questão da regularização fundiária, apresentou significativo avanço; porém, a normatização agora publicada, ao tratar de forma explícita dos loteamentos de interesse social e específico dirime as mais difíceis e outrora intransponíveis questões.

As novas regras são extensas e foram inseridas ao Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Seção VII, com dez subseções. Peço vênia para me ater a algumas delas.

Há mais de três anos de trabalho à frente da Secretaria Municipal de Habitação de São José do Rio Preto e ante a inércia do loteador, verdadeiro ou laranja, já com as burras cheias pela venda ilegal dos lotes, foram feitas incontáveis reuniões visando buscar parceria das associações de moradores (verdadeiros interessados), sempre tomados pela incredulidade no tocante à regularização fundiária, fazendo alusão às promessas políticas. A questão, porém, não é eleitoreira, mas de interesses comunitários.

Já o primeiro item das disposições gerais do Provimento acaba com a celeuma localização/destinação dos imóveis. Preocupado com a garantia do direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, viabilizou-se o registro da regularização fundiária de assentamentos sobre imóveis com destinação urbana, ainda que situados em zona rural. E de outra forma não poderia ser. O interesse social na maioria das vezes classifica os ocupantes dessas áreas distantes, carentes de recursos financeiros para aquisição de moradia em regiões de melhor localização.

A Lei 11.977/09, conquanto inovadora, definira a consolidação urbana tendo como um dos requisitos a densidade demográfica superior a 50 habitantes por hectare. E o avanço do provimento, mais acertadamente, leva em consideração fatores de maior importância e abrangência, como o prazo de ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação ou comunicação, os equipamentos públicos disponíveis, urbanos ou comunitários, dentre outras circunstâncias peculiares que indiquem a irreversibilidade da posse que induza ao domínio. Nesse compasso, visa-se a regularizar o núcleo habitacional enquanto assentado no solo ilegalmente parcelado. Nem clandestina e nem irregular é a população; apenas o loteamento.

Questão de difícil enfrentamento. São José do Rio Preto possui mais de uma centena de loteamentos clandestinos surgidos, em sua maioria, há mais de duas décadas, quando ainda possível o registro na matrícula, de frações ideais, gerando um disfarçado parcelamento do solo. A Secretaria Municipal de Habitação, no concernente à regularização fundiária, sempre esbarrou na questão registral. Isto porque, trabalhando arduamente nesse processo, acaba por colher os frutos: obtém-se a regularização urbanística, inclusive com a Declaração de Conformidade Urbanística e Ambiental emitida pela Secretaria Estadual de Habitação — Programa Cidade Legal e implantam-se infraestruturas que garantam melhoria na qualidade de vida. Porém, na seara jurídica, sequer um passo se avança, ou pelo menos, se avançava em face das dificuldades registrais.

A exemplo disso, existia o entrave quando a matrícula do loteamento era composta por diversas frações ideais registradas. Agora, pelo Provimento, o registro do parcelamento importará na abertura de matrícula para toda a área objeto de regularização e, caso haja frações ideais, as novas matrículas serão abertas mediante requerimento de especialização formulado pelo titular da fração ideal ou seus legítimos sucessores, dispensada a outorga de escritura de rerratificação para indicação da quadra e lote respectivos.

Outros dois motivos de diversas notas devolutivas advindas do Registro de Imóveis foram da mesma forma regulamentados. Quando a área objeto da regularização atingir dois ou mais imóveis, total ou parcialmente, ainda que de proprietários distintos, o oficial de registro procederá à unificação das áreas respectivas, mediante fusão de todas as matrículas ou averbação dos destaques nas matrículas ou transcrições originárias e abertura de nova matrícula para a área resultante, efetivando-se, a seguir, o registro do projeto de regularização. E ainda, a existência de registros de direitos reais ou constrições judiciais sobre os imóveis não obstará a unificação das áreas.

Como dito, as regras que modificaram o capítulo das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça são extensas, não cabendo neste espaço, a exposição detalhada. O importante é salientar a vontade e ousadia de quem não se acomoda no espaldar, detém o poder e o utiliza com responsabilidade e determinação, para outorgar à população direitos básicos que foram esquecidos, servindo de exemplo aos segmentos político e jurídico da nossa sociedade.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!