Segunda Leitura

Julgamento do mensalão atrai atenção de todo o Brasil

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

1 de julho de 2012, 8h00

Spacca
Dia 1º de agosto próximo é a data marcada para o início do julgamento da ação penal movida pela Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal, contra 38 pessoas, acusadas da prática de diversos crimes, como corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, gestão fraudulenta e evasão de divisas.

A questão de fato envolve uma suposta mesada para deputados votarem de forma a aprovar projetos de lei do interesse do Poder Executivo. No caldeirão de interesses econômicos e políticos, bancos teriam sido a principal fonte de recursos, empresas de telefonia e de propaganda estariam envolvidas. Os fatos resultaram em CPI na Câmara dos Deputados e na cassação de vários de seus integrantes.

A ação penal tramita no STF porque entre os denunciados estão deputados federais, que possuem o direito de responder na Corte Suprema, uma prerrogativa da função que exercem (Constituição, art. 102, I, “b”). São cerca de 147 volumes, 69.000 folhas e 173 apensos.

Para os que não atuam na área penal, no sistema processual brasileiro todo processo tem um relator (no caso, ministro Joaquim Barbosa), que elabora o relatório (que será lido no dia do julgamento) e o seu voto (que manterá em segredo até aquela data). Em seguida, encaminha o processo ao revisor (no caso, ministro Ricardo Lewandowski). A revisão é uma cautela da lei, exigida apenas nos julgamento de crimes mais graves. O revisor analisa o caso e pede data para julgamento ao presidente do tribunal, da turma ou câmara.

O “caso Mensalão”, evidentemente, não é uma ação penal comum. E a diferença não está apenas no tamanho do processo ou no número de réus, mas sim nos efeitos políticos que a decisão judicial pode gerar. Em outubro o Brasil terá eleição para prefeitos. A maioria dos denunciados pertence a um partido político e a grande repercussão do julgamento pode influenciar os resultados.

Em tais condições, nada mais natural do que tentar adiá-lo por todas as formas. No entanto, a posição firme do presidente da Corte, ministro Ayres Brito, não permitiu que as tentativas tivessem sucesso. O estilo firme e delicado simultaneamente serve de exemplo à magistratura do país. Exerce o primeiro magistrado a liderança pela conquista, de que fala James Hunter em O Monge e o Executivo, Editora Sextante, e não pela imposição da autoridade.

Se muitos são os réus e de quase todos o interesse em adiar o julgamento, evidentemente virão tentativas de criar obstáculos processuais que levem à sua suspensão. Mas, neste particular, durante a tramitação o ministro Joaquim Barbosa, relator, agiu com prudência. Cada arguição de nulidade ou outro incidente eram submetidos ao colegiado, não decididos individualmente (p. ex., 13 requerimentos de Roberto Jeferson, abril de 2012). Desta forma, não serão novamente discutidos, porque ocorreu a preclusão.

Mesmo assim, não se pode ingenuamente supor que o julgamento transcorrerá em meio a um clima de suave tranquilidade. Os advogados mais conhecidos e famosos, sem dúvida, serão técnicos e respeitosos. Porém outros, quiçá contratados na véspera e que nem atuam no STF, poderão tentar por todos os modos tumultuar o julgamento.

Como? Por todas as formas que a criatividade humana possa conceber. Por exemplo, levantando uma suspeição, mesmo sabendo-a inexistente. Ela pode suspender ou não o julgamento. Para não suspender, será preciso que o arguido como suspeito a rejeite no ato, sem valer-se do prazo legal de três dias e que o tribunal a rejeite liminarmente (CPP, art. 100, § 2º). Terá o STF agilidade para decidir tal incidente na hora? E se em vez de um incidente forem dez?

E se 15 denunciados pedirem para três testemunhas deporem em Plenário, como prevê o artigo 244 do Regimento Interno do STF? Ficarão 11 ministros ouvindo 45 testemunhas durante alguns dias?

Para o caso de um ou mais advogados não comparecerem, poderá a Defensoria Pública assumir a defesa (RI, art. 244, VII, § 2º). Mas, e se um advogado constituído renunciar 12 dias antes do julgamento, com ciência do seu cliente, como prevê o CPC no artigo 45, que pode ser aplicado por analogia? Um dia antes do julgamento o denunciado constitui outro procurador e este pede adiamento para poder estudar o processo. Será deferido?

Estes exemplos são uma mera suposição. Talvez não aconteçam. E talvez aconteçam outras situações de difícil previsão. A questão é: estará o Plenário do STF habilitado a decidi-las na hora? Ou haverá pedidos de vista que, por vias oblíquas, levarão o julgamento para o fim do ano ou para 2013?

As consequências do adiamento não são abstratas tertúlias jurídicas. Ao inverso, elas têm efeito prático. Em setembro e novembro aposentam-se dois ministros do STF, Cezar Peluso e Ayres Britto, reconhecidamente independentes. Terão os que vierem a substituí-los esta característica?

Fala-se, ainda, na proximidade da prescrição. Supondo-se que haja condenação e que ela seja à pena mínima, como é praxe na Justiça brasileira, contando-se a prescrição pela pena aplicada (CP, art. 110), a prescrição de alguns crimes já terá ocorrido. Suponha-se alguém condenado a um ano por formação de quadrilha (CP, art. 288), contada a prescrição a partir de 27 de agosto de 2007; em 27 de agosto de 2011 passado consumou-se a extinção da punibilidade (CP, art. 109, IV). O que quero dizer é que, para algumas acusações (formação de quadrilha e corrupção ativa) não faz diferença, para fins de prescrição, o julgamento ser agora ou daqui a um ano.

Como se vê, múltiplos são os aspectos em discussão. Polêmicos e complexos, tornam este o julgamento de maior responsabilidade da história do STF. E vem em uma fase de profundo desgaste da Corte, hoje criticada com veemência jamais vista (p. ex., “Supremo Tribunal Federal, supremos problemas”, Marco Antonio Villa, Folha de São Paulo 17.6.2012, A3).

O desafio da STF é enorme: concretizar o julgamento, assegurando o direito à ampla defesa. É isto o que a sociedade espera de seu Tribunal maior.

Mas atenção, julgamento não significa “justiçamento”, condenação automática. A decisão de mérito fica por conta do convencimento de cada ministro, diante das provas dos autos. Neste mister, com certeza, serão eles independentes e neutros, indiferentes às lutas políticas em jogo ou aos apelos midiáticos.

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