Pulso feminino

Chefia de chinesas em escritórios vira exemplo nos EUA

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1 de julho de 2012, 12h31

Em 2002, apenas 14% das advogadas americanas ocupavam a posição de sócia nas 200 maiores firmas de advocacia do país. Em 2012, esse percentual subiu para 16%. Os números não são precisos, mas acenderam o sinal de alerta para a presidente eleita da American Bar Association (ABA), a Ordem dos Advogados dos Estados Unidos. "Um progresso de apenas 2% em uma década é inaceitável", proclamou Laurel Bellows, que assume o cargo em agosto, ao final do encontro anual da entidade, para o biênio 2012/2013. Em um encontro com advogados jovens, ela pediu ajuda das mulheres e dos homens para promover a igualdade de gêneros na advocacia americana, segundo notícia publicada no site da ABA. 

Coisa semelhante só foi vista em Hong Kong há cerca de duas décadas, segundo o The Asian Lawyer. Em 1992, quando Chun Wei se tornou sócia do escritório da Sullivan & Cromwell em Hong Kong, a faixa demográfica da profissão refletia o status de colônia britânica do território à época: quase todos os advogados eram homens brancos britânicos. Havia apenas uma pequena quantidade de mulheres asiáticas atuando. 

Depois que Hong Kong foi devolvida à China, no início do milênio, um pequeno grupo de sócias de firmas de advocacia diferentes se reuniu para discutir e executar uma estratégia de promoção da mulher na comunidade jurídica. Com ventos a favor das mulheres, trazidos pela cultura da China socialista, elas mudaram radicalmente a história. Uma década depois, elas não são mais minoria nos escritórios de Hong Kong e não são apenas contratadas. Hoje, de acordo com a Sociedade Jurídica de Hong Kong, 46% do universo de advogados em todo o território são mulheres e elas também ocupam 24% das posições de sócia de firmas de advocacia. Em contraste, no Japão, apenas 18% do universo de advogados são mulheres, de acordo com a Federação de Associações de Advogados do Japão. Hoje, as chinesas são observadas pelas americanas. 

Os "hábitos sociais" da China, segundo o The Asian Lawyer, favoreceram a busca de igualdade de gêneros em todas as áreas. Um estudo recente da firma americana Grant Thornton revelou que 35% dos cargos de alta direção de empresas em Hong Kong são ocupadas por mulheres, enquanto no Reino Unido as mulheres ocupam 23% desses cargos e, nos Estados Unidos, apenas 15%. Na China, que é o foco da maioria das práticas de Hong Kong atualmente, cerca de 19% dos cargos de CEO (chief executive officer) é ocupado por mulheres, contra 5% nos Estados Unidos, diz a publicação. Algumas mulheres ocupam posições invejáveis, como a vice-presidente sênior e diretora executiva do Banco Industrial e Comercial da China, Wang Lili, e a empreendedora bilionária por trás do grupo SOHO China Limited, de Pequim, Zhang Xin. 

"Se você quer fazer negócios na China, é melhor se acostumar a negociar com mulheres", diz a advogada Jeanette Chan. "A China é um país socialista, de forma que você vai encontrar muitas mulheres em posições de liderança. Hoje em dia, isso nem chega a ser uma grande coisa. É normal ver as mulheres aproveitando as oportunidades que lhes são dadas", ela afirma. 

Talvez nenhuma mulher na China tenha sido mais invejada do que a imperatriz Wu Zetian, a única mulher que ocupou o cargo de soberana no país, no século VII, e tinha o seu próprio harém de homens. Mas isso é outra história. O fato é que as mulheres chegam ao poder na China, apesar de uma formação que aponta na direção contrária. As mulheres mais apreciadas pelos chineses são as que sabem cozinhar, cuidar dos maridos, dar-lhes filhos (do sexo masculino) e engolir as amarguras da vida calada, pensam os homens chineses, de acordo com um estudo da Federação das Mulheres de Toda a China. Uma mulher é linda quando é doce. 

Mas "muitas mulheres chinesas podem parecer tímidas, submissas, reservadas, inocentes e doces quando são jovens. Podem se tornar mais duronas depois do casamento", diz um outro estudo sobre "Mulheres na China". Foi o caso da mulher de Mao Tsé-tung, Jiang Qing. Ela liderou a "Gangue dos Quatro" do Partido Comunista Chinês, que promoveu a Revolução Cultural – revolução que, para muitos, foi arquitetada por ela. 

O fortalecimento dos direitos da mulher foi uma estratégia bastante explorada – e com sucesso – pelo regime comunista no início do século XX, diz o estudo. Casamentos de crianças, casamentos arranjados, concubinatos e prostituição foram banidos. Esforços foram feitos para melhorar a educação das mulheres, e o acesso delas à saúde. Elas entraram na força de trabalho em diversas áreas, como operárias nas fábricas e operadoras de máquinas agrícolas e como pilotas e médicas. 

As mulheres chinesas fizeram então sua parte na luta dos comunistas contra o Kuomintang (o Partido Nacionalista Chinês, que dominou a China até a revolução). Uma unidade de mulheres foi imortalizada no filme (e balé) "Destacamento Vermelho de Mulheres" (Red Detachment of Women). O destacamento se integrou ao esforço de guerra com a missão de remendar uniformes. Mas as mulheres reclamaram que poderiam pegar em armas, tanto quanto os homens, e acabaram participando de batalhas sangrentas, algumas vezes lutando com as próprias mãos. 

O "destacamento" de advogadas de Hong Kong que começaram como "acessórios" das firmas inglesas e lutaram para promover as mulheres na comunidade jurídica chegou ao poder como começou: em grupo. Chun Wei chefia os escritórios de Hong Kong e Pequim da Sullivan & Cromwell, de Nova York; Teresa Ko chefia o escritório da Freshfields Bruckhaus Deringer na China; Celia Lam lidera o escritório da Simpson Thacher & Bartlett em Hong Kong; Benita Yu está no topo entre os sócios da Slaughter and May

Novas líderes surgiram: Elaine Lo chefia a maior firma de Hong Kong, a Mayer Brown JSM; Poh Lee Tan chefia os escritórios em Hong Kong da Baker & McKenzie; Akiko Mikumo, o escritório da Weil, Gotshal & Manges; e Jeanette Chan, o escritório da Paul, Weiss, Rifkind, Wharton & Garrison na China. Algumas estão entre os principais sócios dos escritórios. É o caso de Z. Julie Gao, da Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom, de Constance Choy da Sidley Austin; de Bonnie Chan, da Davis Polk & Wardwell; de Amy Lo, da Clifford Chance; e de Anna Howell, da Herbert Smith, entre outras, segundo o The Asian Lawyer

A presidente eleita da ABA declarou, no encontro com os advogados jovens, que se as mulheres e outras minorias não lutarem pela igualdade de gêneros e de raça nos EUA, as coisas tendem a piorar. "Em dez anos, teremos um ambiente jurídico formado por homens brancos, se não tomarmos uma atitude agora", ela disse. Laurel Bellows citou um estudo da Fundação da ABA, no qual um advogado com filhos é descrito como "um homem de família, confiável e comprometido", enquanto as advogadas com filhos são qualificadas com as palavras "estressadas" e "em conflito". De fato, um dos fatores que prejudica a carreira das mulheres, segundo ela, é a necessidade da mulher administrar os choques entre suas obrigações familiares e as profissionais. 

As mulheres chinesas aprenderam a enfrentar essa situação com muito sacrifício, segundo o estudo da Federação das Mulheres. Quando o regime comunista abriu o mercado de trabalho para as mulheres, isso só dobrou a carga de trabalho delas. Elas foram trabalhar fora, mas não se livraram das tarefas de casa e dos trabalhos de cuidar do marido e dos filhos. Tipicamente, uma mulher da era Maoista levantava às 5h para preparar o café da manhã para marido, filhos e pais, levava os filhos à escola e pegava um ônibus lotado para o trabalho. Saía do trabalho às 14h e corria ao açougue, onde enfrentava uma fila, com um cartão na mão para a ração de carne. Depois, corria a um mercadinho para enfrentar outra fila e pegar sua ração de vegetais. Ia para casa, subia as escadas do apartamento a pé, porque os elevadores nunca funcionavam, preparava o jantar e lavava os pratos, antes de cair exausta na cama. 

Até que a China descobriu as babás. Hoje, as advogadas de Hong Kong não têm problemas culturais com a ajuda de babás para cuidar de seus filhos. "Eu fui criada por uma babá durante todo o tempo em que minha mãe trabalhava na indústria de confecções da família", conta a advogada Jeanette Chan. "E sempre quis ser igual a minha mãe, ter uma carreira e depender apenas de mim mesma", ela diz. A administração de Hong Kong coopera: abriu as portas para trabalhadoras domésticas das Filipinas e Indonésia, para que suas profissionais e empresárias pudessem tocar suas carreiras. Nos Estados Unidos, as profissionais vivem sob a pressão de ter de enfrentar a lei – e pagar multas pesadas – por contratar babás sem autorização de trabalho no país. 

No entanto, todas as chinesas bem-sucedidas ainda lutam por uma causa: convencer a sociedade chinesa de que as filhas devem ser tão bem recebidas quanto ter filhos.

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