Prisão sem júri

Chacina de Unaí completa oito anos sem julgamento

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28 de janeiro de 2012, 10h40

Há oito anos, na quarta-feira 28 de janeiro de 2004, três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho foram assassinados no município de Unaí, noroeste de Minas Gerais, quando iam fiscalizar denúncias de irregularidades em uma fazenda dos irmãos Norberto e Antério Mânica, atual prefeito da cidade. Eles estão entre os maiores produtores de feijão na região.

Apesar de toda a agilidade ocorrida no início da investigação e da Ação Penal, ao se completar oito anos dos assassinatos neste sábado (28/1), o caso continua sem julgamento de qualquer dos nove denunciados, o que vem mobilizando os auditores do trabalho e movimentos sociais em busca da realização do júri popular dos réus.

O crime, que ficou conhecido como Chacina de Unaí, mobilizou o governo federal e fez com que a Polícia Federal em tempo considerado célere apresentasse as provas necessárias para, em julho do mesmo ano, dar por solucionado o caso conseguindo a prisão de sete acusados.

Em agosto, o Ministério Público Federal denunciou por homicídio triplamente qualificado, quatro vezes, o fazendeiro Norberto Mânica, como mandante; os cerealistas Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro, como intermediários; Francisco Elder Pinheiro por arregimentar os pistoleiros; Erinaldo de Vasconcelos Silva e Rogério Alan Rocha Rios como autores dos assassinatos; e Willian Gomes de Miranda que dirigia um carro que só não serviu aos dois pistoleiros porque enguiçou, de acordo com a denúncia.

Humberto Ribeiro dos Santos foi acusado de favorecimento pessoal, uma vez que após a chacina, tentou esconder provas rasgando o livro de registros de hospedes do hotel onde os pistoleiros pernoitaram. Foi no mesmo hotel onde dormiram três de suas vítimas: os auditores fiscais João Batista Lages e Erastótenes de Almeida Gonçalves, além do motorista Ailton Pereira de Oliveira. A quarta vítima, o também auditor Nelson José da Silva morava em Unaí.

A denúncia do MPF foi acatada ainda em agosto pelo então juiz da 9ª Vara da Justiça Federal de Belo Horizonte, Francisco de Assis Betti. Em setembro, um aditamento incluiu no processo como mandante o fazendeiro Antério Mânica, que elegeu-se pelo PSDB prefeito da cidade no mês seguinte e foi reeleito para um segundo mandato que termina em dezembro deste ano.

Numa agilidade pouco vista em processos com nove réus, em dezembro o juiz Assis Betti proferiu a sentença de pronúncia, inclusive contra Antério que, apesar de eleito, ainda não tomara posse. Depois seu processo foi desmembrado para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ali, a pedido da Procuradoria Regional da República, o caso aguarda o primeiro julgamento no Tribunal do Júri para então ser apreciado pelos desembargadores. Mas, nãa havendo julgamento até o final do ano, ele passará o mandato ao sucessor em janeiro e com isto perde o foro especial, voltando o processo para a primeira instância.

Decorridos sete anos da sentença de pronúncia, o processo não conseguiu ir a julgamento popular. Foram inúmeros os recursos interpostos pelos advogados dos réus. Discutiu-se de tudo: desde as qualificadoras do crime, até a tentativa de desaforamento do caso do Fórum Federal de Belo Horizonte, para o recém-criado fórum federal em Unaí.

Através de Habeas Corpus concedidos ora pelo TRF-1, ora pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), os quatro acusados de serem os mandantes do crime ganharam a liberdade. Apenas os réus Pinheiro, Vasconcelos Silva, Rocha Rios e Miranda continuam presos até hoje. Ribeiro Santos ficou na cadeira até novembro de 2010, mais tempo do que a duração da pena máxima prevista para o crime de favorecimento pessoal do qual é acusado: de um a seis meses de detenção.

Em decisão no ano passado, o STJ, ao analisar Habeas Corpus em favor de Rocha Rios, negou-lhe a ordem para conceder sua liberdade, mas determinou o desmembramento do processo para que ele, preso desde 2004, pudesse logo ser julgado. Em novembro, a pedido do próprio Ministério Público Federal, a 5ª Turma daquele tribunal superior estendeu a decisão para os demais réus presos: Pinheiro, Vasconcelos Silva Miranda e Castro. Assim o julgamento daqueles que são considerados os executores do assassinato deverá ocorrer primeiro, deixando para outro júri os chamados mandantes.

Mas não foi só o STJ que recusou soltá-los através de Habeas Corpus. No Supremo, o recurso da defesa de Rocha Rios contra a negativa do STJ, mereceu um parecer da subprocuradora-geral da República, Claudia Marques, em que ela aponta que a “demora do julgamento do processo não pode ser atribuída ao juízo competente, o juízo da 9ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de Minas Gerais, vez que, tendo pronunciado o paciente em tempo exíguo (menos de 12 meses entre o fato e a decisão), não levou adiante o feito em razão de recursos e ações ajuizados pela defesa. Como causa da demora não uma falha da justiça, mas o excessivo número de recursos da defesa”.

Ao apreciar o caso, em outubro, a 2ª Turma do STF, por maioria, decidiu denegar “a ordem com determinação expressa para que o juiz de 1º grau adote todas as providências necessárias para marcação da sessão do júri para julgamento do ora paciente”.

A medida desagradou aqueles que acompanham o caso desde o início como o frei carmelita Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra. Na sua página na internet (www.gilvander.org.br), ele vem se manifestando pela cobrança de um julgamento célere. Para ele, o desmembramento do processo é perigoso: “separar os jagunços dos mandantes pode ser uma manobra que dificultará mais ainda a condenação dos mandantes”. Também a viúva do auditor Nelson Silva, Helba Soares da Silva, em entrevista no dia 2 de janeiro ao frei, estranhou o desmembramento: “eles fizeram junto, cometeram juntos os crimes, deveriam ser julgados juntos. Porque são todos bandidos, todos criminosos (…) isso aí está me cheirando a coisas deles mesmos, a dinheiro, para serem julgados os pobres longe dos ricos (…) o meu medo é que isso aí possa auxiliar eles em uma absolvição”.

Na mesma página o frei entrevista o atual superintendente do Incra em Minas, Carlos Calazans, à época da chacina Superintendente do Ministério do Trabalho no estado. Ele defende “que este episódio, esta página ainda aberta seja fechada para as famílias dos réus, para os fiscais do trabalho do Brasil todo. A Justiça precisa resolver isto”.

Lembra que são comuns pressões junto ao Executivo e ao Legislativo, e questiona: “Por que a gente não pode pressionar o Judiciário. Por que não pode cobrar de um juiz? Eles são acima da lei? Acima de tudo? Poxa, o Judiciário não resolve as coisas no Brasil! É uma morosidade, uma merda — desculpem por falar assim — mas a sociedade tem que pressionar o Judiciário que precisa dar uma resposta”.

Nas suas acusações, o frei avança mais. Diz que a impunidade deste caso tem contribuído para que os fazendeiros daquela região continuem suas práticas ilegais. Segundo seu artigo, houve o agravamento do trabalho escravo: “No final de setembro de 2010, uma Operação coordenada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG) libertou 131 pessoas escravizadas em lavouras de feijão na Fazenda São Miguel e na Fazenda Gado Bravo, localizadas respectivamente em Unaí (MG) e Buriti (MG). Nenhum dos libertados tinha a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada. A jornada da capina e colheita do feijão começava as 4h30 e se estendia até as 14h30, sem que fosse respeitado o intervalo para repouso e alimentação”.

Ele diz ainda que outra consequência é o agravamento da saúde da população por conta do uso de agrotóxicos nas plantações de feijão: “O município de Unaí se transformou em campeão na produção de feijão, no uso de agrotóxico e no número de pessoas com câncer. Relatório do deputado Padre João (PT) demonstra que o número de pessoas com câncer, em Unaí, é cinco vezes maior do que a média mundial. A cada ano, 1.260 pessoas contraem câncer na cidade. Aliás, um hospital do câncer já está sendo construído na cidade, pois ficará menos oneroso do que levar toda semana vários ônibus lotados de pessoas para se tratarem de câncer no estado de São Paulo”.

Apesar da decisão do STJ e da recomendação do STF para que apresse o julgamento, a juíza titular da 9ª Vara, Raquel Vasconcelos Alves de Lima, nada pode fazer e encontra-se de mãos atadas, impedida de marcar a data do Tribunal do Júri. Como explicou a sua assessoria à ConJur, até hoje o processo original não desceu do Supremo Tribunal Federal onde, em agosto passado, foi negado um outro Recurso Extraordinário impetrado pela defesa de Pimenta, contra decisão do STJ que manteve as “qualificadoras indicadas na sentença de pronúncia”, promulgada em dezembro de 2004. Os autos continuam tramitando no STF.

Estes recursos, segundo a procuradora da República de Minas Gerais, Miriam Moreira Lima, que estão impedindo o julgamento. “Este caso não é uma exceção. A demora é provocada justamente pela defesa, através de sucessivos recursos que perdem e geram outros recursos, até chegar à ultima instância.” Os recursos, na maioria das vezes, foram impetrados por aqueles que são considerados mandantes.

Tanto as defesas como o Ministério Público defenderam junto à juíza que o julgamento seja feito com o processo original. Segundo a procuradora Miriam, isto poderá tornar para os jurados as provas mais nítidas, principalmente as fotografias e os documentos originais. Mas, falando à ConJur, ela já admite que se até os próximos dias os autos não baixarem, irá defender que o Tribunal do Júri seja convocado mesmo utilizando-se cópia o do processo. Miriam garante que o esforço do Ministério Público em manter os acusados na cadeira é que tem dado certo consolo às famílias das vítimas. “Se os mandantes estão soltos, não foi por falta de tentativa nossa. Fizemos o que podíamos”, explica.

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