Credor fantasma

Dívida de R$ 21 milhões levou à venda da sala da Ajufer

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27 de janeiro de 2012, 20h27

As denúncias do Ministério Público Federal contra três ex-presidentes da Associação de Juízes Federais da 1ª Região (Ajufer) acusados de usar para fins pessoais o dinheiro da venda de uma sala da associação no valor de R$ 115 mil é apenas a ponta do iceberg de uma fraude de R$ 21 milhões. Os juízes federais Moacir Ferreira Ramos, Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos e Charles Renaud Frazão de Moraes são investigados pela corregedoria do Tribunal Regional Federal da 1ª Região por participarem de um esquema de empréstimos em convênio da Ajufer e a venda da sala da associação seria uma das formas de amortizar dívidas criadas.

Em duas denúncias datadas de 10 de novembro de 2011, o MPF pede que os três juízes sejam afastados de suas funções (Moacir Ramos já está afastado pelo tribunal), percam seus cargos de juízes e sejam punidos com reclusão de um a quatro anos e multa por apropriação indébita — para Ramos e Solange Salgado — e por receptação — para Charles Renaud. O afastamento já havia sido pedido em 2010 pela corregedoria do tribunal, mas apenas aceito no caso de Ramos.

Além das penas, o MPF pede que o caso seja levado para o Supremo Tribunal Federal, alegando que os desembargadores do TRF-1 são partes interessadas no processo, pois 17 dos 27 desembargadores são filiados à Ajufer. Com isso, o TRF-1 estaria impedido de julgar o caso.

Um quarto nome, que não consta nas denúncias do MPF, apesar de ser um dos investigados pela corregedoria, é o do juiz federal Hamilton de Sá Dantas. O juiz também é acusado de pegar empréstimos em nome de terceiros para amortizar dívidas em seu nome. Dantas, porém, não aparece como beneficiado pela venda do imóvel.

Duas assinaturas
O dinheiro obtido com a venda da sala da Ajufer, de acordo com o MPF, foi usado em esquema de empréstimos em um convênio firmado entre a associação e a Fundação Habitacional do Exército/Poupex no ano 2000 e suspenso apenas em dezembro de 2010. Pelas regras do convênio, bastava a assinatura do presidente e do diretor financeiro da Ajufer para que fosse concedido empréstimo em nome de terceiros. Todo o dinheiro passava pelo caixa da Ajufer antes de ir para o destinatário do empréstimo.

De 2000 a 2009, os quatro juízes em questão presidiram ou ocuparam o cargo de diretor financeiro da associação, período em que centenas de pedidos empréstimos foram feitos, em nome de 182 pessoas (a maioria juízes), sem que estas tivessem pedido ou recebido as quantias em questão.

A Ajufer ficava como mutuária dos empréstimos e, para que um novo fosse concedido, era necessário pagar uma antiga parcela, explica o atual presidente da associação, o juiz federal Roberto Carvalho Veloso. Com isso, criou-se uma bola de neve de dívidas, com empréstimos cada vez maiores para o pagamento de parcelas de empréstimos anteriores e o desvio do restante.

Um dos nomes que constam nos empréstimos é o de José Henrique Guaracy Rebelo, juiz federal da 9ª Vara de Minas Gerais, que classifica o episódio como "lamentável". Rebelo parece pessoalmente ofendido com o ex-presidente Moacir Ramos. "Todo mundo gostava do Moacir, que é meu colega de concurso. Fiquei extremamente chocado e magoado com ele, pois o tinha em alta conta."

Para Rebelo, o problema criado pelos empréstimos traz uma fama ruim para os juízes. "A população não sabe exatamente do que se trata e muita gente acha que todos os juízes estão envolvidos", reclama.

Auditoria interna
No fim de 2009, quando, após uma auditoria, a FHE/Poupex descobriu a fraude (internamente eram dadas como quitadas as dívidas para o fornecimento de novo empréstimo em nome da Ajufer) entrou com uma ação de cobrança, pedindo o pagamento dos R$ 21 milhões. Como novos empréstimos não poderiam ser feitos para amortizar dívidas, poucos meses depois, a sala da associação foi vendida por R$ 115 mil. Segundo denúncia do MPF, o imóvel teria valor estimado de R$ 350 mil.

Parte do dinheiro da venda, segundo a denúncia, foi utilizado para amortizar R$ 40 mil de um empréstimo em nome da juíza Solange Salgado e R$ 40 mil em nome do juiz Charles Renaud. A juíza, porém, afirma que nenhum dos dois soube de tal destino, que haveria sido ordenado por Moacir Ramos, responsável pela venda da sala. O corretor responsável pela venda do imóvel foi um sobrinho de Solange.

"O Moacir [Ramos] sabia que a casa estava caindo, quando teve a auditoria da FHE/Poupex. Por isso, tentou colocar meu nome e o do juiz Charles Renaud nos empréstimos, incluindo ainda o meu sobrinho na transação", afirma Solange. Ela afirma que o pagamento dos empréstimos pessoais dela foi feito, apesar de não constar no extrato pedido por ela à FHE/Poupex. "Resta apurar se o dinheiro nunca foi repassado pela Ajufer ou se foi passado e nunca foi amortizado."

Quanto à necessidade apontada pelo MPF de que o julgamento dos juízes seja feito pelo STF, Solange diz não ver motivo para isso. "De forma alguma há interesse pessoal dos desembargadores, sejam associados ou não à Ajufer."

Em ano de eleição da Associação Nacional de Juízes Federais (Ajufe) a volta do caso de empréstimos fraudulentos à mídia pode ter influência nas votações, visto a influência dos envolvidos no cenário nacional. Solange refuta a hipótese e o atual presidente da Ajufer diz não saber qual seria a possível repercussão do caso.

Clique aqui para ler a denúncia do MPF contra Moacir Ramos e Solange Salgado.
E aqui para ler a denúncia do MPF contra Charles Renaud.
E aqui para ler o relatório do corregedor do TRF-1.

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