Direito & Literatura

O livro O Senhor das Moscas, de William Golding

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27 de janeiro de 2012, 6h43

Direito e Literatura: do Fato à Ficção é um programa de televisão apresentado pelo procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e professor da Unisinos Lênio Streck, ondese discute, com convidados, uma obra literária e seu diálogo com o Direito. A obra desta edição, que a ConJur reproduz a seguir, é O Senhor das Moscas, do inglês, William Golding, prêmio Nobel de Literatura de 1983. Participam do debate o professor e juiz de Direito Maurício Ramires e o professor doutor em Letras Dino del Pino. Assista ao vídeo e leia a resenha do programa feita pela jornalista Camila Mendonça.

Direito e Literatura – O senhor das moscas from Unisinos on Vimeo.

O cenário do livro é a Inglaterra pós Segunda Guerra. Um grupo de paz das classes dominantes, temendo um conflito atômico, manda em um avião seus filhos, cerca de 20 meninos, para uma ilha onde podem começar uma nova sociedade. O avião sofre uma pane no meio do caminho e cai. Os dois únicos adultos, o piloto e o professor, morrem, e só ficam os meninos. Em alguns dias, os meninos estão se matando.

Para Dino del Pino, a narrativa trabalha com quatro elementos: o espaço físico (a ilha); o tempo (ambientado durante a Guerra Fria); os personagens (os meninos) e por último as ações, que vão progredindo lentamente até a construção de um duelo entre "civilização e barbárie". Em 1954, época em que o livro foi escrito, a expressão mais utilizada era "natureza e cultura". Esse último é o tema central e tem tudo a ver com a problematização do Direito.

Qual o grau de universalização do Senhor das Moscas para o Direito, pensando no conceito de civilização e barbárie? Para o juiz Ramirez, trata-se do duelo simbólico entre dois personagens centrais do romance, Ralph e Jack. Ralph apresenta o modelo civilizado democrático, enquanto Jack, por questões mais ligadas à força e ao carisma pessoal, representa a falta de estrutura e limites. Este último acaba se legitimando quando propõe aos demais meninos que eles façam o que quiserem fazer. Ralph representa um limite às vontades.

O docente em Letras destaca o processo irônico do livro, onde crianças querem agir como adultos, e acabam provando que os adultos agem como crianças, pois elas reproduzem, no microcosmo da ilha, exatamente alguns modelos políticos. “Quando há um modelo político em que a oposição vai contra a situação e tudo se baseia só nisso, o discurso se esvazia… Por exemplo, no livro, as crianças combinavam de caçar e iam nadar, combinavam de deixar a fogueira acesa e iam brincar… É uma redução de valores”. Na visão do professor, os adultos, a sua maneira, repetem as atitudes infantis, intrinsecamente ligadas à barbárie. O livro traz um modelo dualista, Ralph, o bom menino, pensa em longo prazo. Já Jack, em curto prazo.

Outra ironia apontada por Del Pino no personagem Jack, é que ele é o único que diz: “Nós somos ingleses, somos civilizados, somos o melhor, e no fim, é ele que vai matar dois meninos."

Outra metáfora contida na obra está na morte dos adultos. Se pensarmos que as instituições fazem a intermediação entre o estado e a sociedade, a morte dos adultos é o fim da instituição, de Deus, da moral.

É quando surge a presença de um bicho, o Senhor das Moscas… Para Ramires, a oferenda a esse bicho representa um ritual totêmico com o objetivo de expiação da culpa pela violação à lei do pai, algo bem psicanalítico.

Outra figura importante no livro é a do personagem “Porquinho”. Gordinho, intelectualizado, usava óculos e o único que pensava. “Porquinho é uma figura de Prometeu dentro do livro, pois Prometeu foi das famílias dos titãs, que se opôs a Deus e roubou fogo do céu para trazer aos homens… e o Porquinho no livro é o menino que carrega seus óculos, com os quais eles conseguem acender a fogueira, usando as lentes convexas para focalizar a luz. Ele traz a figura do defensor dos homens que consegue acender a fogueira, e esta irá cozinhar a comida, sinalizar para os navios…”, explica o professor de letras.

Outra menção citada por Ramirez, diz respeito ao livro, Leviatã, de Thomas Hobbes, que no capítulo 13 fala que as próprias paixões humanas têm uma tendência à organização em virtude do medo da morte. Para o juiz, é um livro hobbesiano. “Para Hobbes, o estado moderno, a versão absolutista, nasce a partir do Leviatã, como modo de fugir da barbárie”.

Já Rousseau e sua teoria do bom selvagem não se encaixa no romance, pois pressupõe esse estado de natureza desde o começo e os meninos tiveram uma educação. Os meninos vêm das camadas dominantes da Inglaterra, são civilizados. Como eles retornam esse estado primitivo? Del Pino explica que na época em que o livro foi editado, era o auge do estruturalismo, onde todo mundo acreditava que a natureza tinha morrido e só existia a cultura.

No final do livro eles são salvos pela marinha inglesa, que também está em guerra. Para Ramirez este final “parece uma das extremas ironias do romance, pois quem salva é a marinha, que também está em guerra, vão colocar os meninos em segurança e continuarão a perseguir os inimigos, igual ao que estava fazendo com Ralph no momento do resgate, os meninos estavam a perseguí-lo para matá-lo. Ai fica uma pergunta implícita: quem salva os adultos?”

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