Segunda Leitura

A concisão da linguagem jurídica e a sua eficiência

Autor

22 de janeiro de 2012, 7h44

Spacca
Ainda no tempo de estudante ouvi uma preleção informal de Djalma Marinho (parlamentar que gravou com a conduta e com a coragem as mais respeitáveis páginas da Câmara dos Deputados do Brasil), acerca da palavra como ferramenta de trabalho do profissional do Direito. Dizia o experiente advogado e homem público que o manejo correto da palavra definia o sucesso de uma tese, assim como, pelo inverso, o seu mau uso poderia impor o malogro de uma causa.

Durante o exercício da advocacia, da magistratura e do magistério, pude comprovar, na prática, o elevado quilate de acerto daquela recomendação obtida na juventude. A cada dia tento burilar os meus escritos e as minhas locuções, no sentido de tornar mais eficiente essas partículas de comunicação, expondo-as da forma mais pura possível, despindo-as de adereços desnecessários. Quero-as como peças a serviço da veiculação de ideias e não como estrelas que atraiam para si somente as atenções, "esquecidas" do serviço que devem prestar ao texto, isto é, ao conjunto das suas iguais. Posso até não conseguir, mas tento!

Sem a pretensão de deitar lições aos que têm menos tempo de trabalho na área, arrisco algumas sugestões, na procura de estimular a aplicação eficiente da linguagem forense, que deve transitar equilibradamente entre o clássico e o informal, mas sempre distante do pedantismo e da vulgaridade.

Assim, um costume que é adquirido nos bancos acadêmicos e levado ao trabalho é o de inserir expressões ou palavras do latim, como se a falta delas desmerecesse a qualidade de um arrazoado ou de uma decisão. No Brasil, o latim jurídico, de inspiração romana, provém da formação educacional básica de todo o período antes da República, confiada quase integralmente aos colégios católicos. Mas não é exclusividade auriverde, pois em quase todos os ângulos do planeta existe esse hábito de "enfeitar" os textos com palavras ou bordões apanhados do idioma do Lácio.

Indaga-se: uma língua morta (não é mais adotada como idioma em nenhum país, mas somente na Cidade-Estado do Vaticano), necessita mesmo ser usada abundantemente em peças jurídicas escritas em português? A resposta é negativa, muito embora possa, aqui e acolá, oferecer certo charme ou apresentar destaque a uns poucos períodos.

Equívoco também é o uso de palavras arcaicas. Com efeito, não é razoável que um profissional jurídico discorra hoje em dia com expressões que estão muito bem agasalhadas, por exemplo, em "Ateneu", de Raúl Pompéia, publicado em 1888, o último suspiro do barroco, como insinuou Mário de Andrade. Não sabia Mário que desatentos bacharéis não deixariam esse estilo fenecer…

Demonstrar erudição tem plateias e espaços próprios — as tertúlias. Pouco ou nada acresce em termos de objetividade, à atuação de agentes jurídicos do Século 21. Mais atrapalha que ajuda.

Outro pecado fatal é a produção de escritos imensos. Uma sentença que desnecessariamente ocupa laudas e mais laudas de papel está fadada a somente agredir os recursos naturais (papel e tinta), pois só será consultada a partir do "isto posto…". A mesma sorte (o descaso) é reservada a um petitório delongado, maçante, que se põe em lugar de um texto enxuto, que poderia "dar o recado" em breves linhas.

A propósito das longas peças, recorda-se o caso real havido na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Norte, no qual o advogado, em audiência, entregou uma contestação enorme, merecendo do magistrado irreverente, após manuseio rápido, o seguinte ditado ao escrevente, para registro na ata: "O reclamado apresentou uma contestação ‘tamanho família’, com setenta e duas páginas, que o juiz não vai ler…" Assim dito, assim escrito.

Se acima foi criticado o arcaísmo de certos textos, em outro extremo merece censura o uso de palavras chulas ou de expressões bem próprias de ambientes simplórios; nunca da sede das postulações, dos opinamentos ou das decisões forenses. Por vezes, talvez entusiasmados pelo tema posto em análise, até mesmo magistrados — que devem oficiar como guardiões do equilíbrio na utilização do verbo — descambam da compostura e tisnam as suas sentenças com arremedos de gracejos que conduzem o seu decisório ao campo do ridículo. É rigorosamente inadequada a fulanização dos argumentos ou a adjetivização das partes (e mesmo de terceiros alheios à lide), como ocorreu recentemente em caso de repercussão na imprensa especializada, quando um juiz, ao decidir demanda de cunho consumerista envolvendo um aparelho de televisão, ingressou em observações acerca da plástica de mulheres participantes de um reality show. Impertinente em alto grau.

Também risco que não se deve correr é o da adoção desmedida dos formulários, mesmo em nome da celeridade processual. Além de atrofiar a capacidade criativa dos agentes jurídicos, induzem ao pecado da não observância dos fatos e dos argumentos da questão com a detença que merecem. Isto não significa que juízes, advogados e membros do Ministério Público tenham que retornar à era dos manuscritos ou da datilografia. Postula-se, sim, por moderação no uso das praticidades geradas pela informática, em tempos de processo judicial eletrônico.

Não se prega aqui a desvalorização da cultura clássica e nem o desdouro de estilos que fizeram e fazem o prestígio da língua portuguesa. O que se deseja é chamar a atenção para a eficiência que a contextualização das palavras pode e deve gerar no trabalho forense.

Destaque-se: a elegância e a objetividade na aplicação das palavras há que ser o norte para o sucesso da atividade jurídica, independentemente da seara onde seja exercida. Alcançar esse ponto de proporcionalidade não é tarefa indene de esforço; reclama perícia e perseverança, além de razoável dose de humildade para rever os próprios equívocos e para aceitar quando esses lhe são apontados por outrem. Nesse exercício de modéstia, é sempre bom ter em mente a lição de Mário Moacyr Porto: "É fácil escrever difícil; difícil é escrever fácil."

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!