Conciliação e SFH

A conciliação é a solução aos litígios do SFH

Autor

  • Marcelo Meireles Lobão

    é Juiz Federal Substituto da 5ª Vara Federal membro titular da Turma Recursal e Coordenador do Núcleo de Conciliação do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania e do Gabinete Integrado de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Seção Judiciária de Goiás.

21 de janeiro de 2012, 8h40

Durante décadas a preocupação dos tribunais esteve centrada na ampliação do acesso ao Poder Judiciário.[2] Resultado: hoje é mais fácil ingressar com uma ação judicial contra o principal ente governamental do país, responsável por um orçamento de um trilhão e meio de reais e pela representação, no plano internacional, da sexta economia do planeta, do que obter uma certidão em um cartório ou a expedição de um passaporte.

A necessidade de se imprimir efetividade e agilidade à solução (definitiva) dos conflitos – não apenas das demandas – não atraiu a mesma atenção daqueles que detinham as chaves de acesso ao Poder Judiciário. Enquanto a porta de entrada da Justiça estava escancarada, nem mesmo os donos da casa sabiam onde ficava a porta de saída. Por isso, em 2010, a taxa de congestionamento[3] do primeiro grau ultrapassou 61%, e do segundo grau, 50%. Isso significa que de cada grupo de 100 processos que tramitaram em 2010 em ambas as instâncias da Justiça, 61 e 50 processos, respectivamente, não foram baixados ou remetidos à fase de execução.

A taxa de congestionamento dos processos de execução torna ainda mais evidente que o modelo tradicional de distribuição de justiça no Brasil está a um passo da falência. De cada grupo de 100 processos de execução que tramitaram em 2010, 88 não foram baixados.

Nesse cenário sombrio, a conciliação surge como uma alternativa alvissareira. A solução imposta (ou “adjudicada”) cumpre um mero ritual de passagem dos autos de um escaninho a outro. Por mais ágil que seja o juiz, por mais elevado que seja o grau de sua intuição jurídica e humana, a técnica adversarial de composição não termina o conflito.[4] O esquizofrênico sistema recursal e de repartição de competências que ainda vigora no país não permite outra conclusão senão a de que as ações judiciais não foram pensadas para ter fim. Esse sistema produz, em um extremo, sentenças de primeiro grau que valem menos do que a tinta da caneta que o juiz usa para escrever o seu nome. Na outra ponta, tribunais superiores que ainda não se deram conta de que não são instâncias ordinárias, teimando em usurpar a competência reservada expressamente pela Constituição Federal aos juízes e tribunais de justiça e regionais federais, quanto à delimitação da matéria de fato.

A via consensual, ao revés, põe termo ao litígio ali mesmo, na mesa de audiência, antes que a controvérsia se torne um tormento ainda maior na vida das pessoas. O instituto não é novo. A Constituição do Império, em seu artigo 161, estabelecia a tentativa de reconciliação das partes como condição para o início de qualquer processo judicial.[5] Entretanto, o movimento só ganhou maior extensão e abrangência com a instituição dos Juizados Especiais Estaduais e Federais, em 1995 e 2001. Mesmo assim, os números estão muito aquém dos de muitos países desenvolvidos, em que a cultura da solução consensual está consolidada. Estima-se que, no Brasil, apenas 30% (trinta por cento) dos litígios são resolvidos por meio de acordo, ao passo que em outros países o índice chega a 82% (oitenta e dois por cento).

Por isso, o Conselho Nacional de Justiça hasteou os instrumentos de solução consensual como uma das principais metas do Poder Judiciário nacional. A Resolução 125, editada pelo Conselho em 2010, instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, dando primazia aos mecanismos de autocomposição, em particular a conciliação e a mediação, como forma de disseminar a cultura da pacificação social.

A solução consensual encerra virtudes que transpõem o mero objetivo pragmático de redução do acervo de autos que povoam as estantes do Poder Judiciário. O convite aos litigantes para que ascendam ao palco das discussões e se tornem coautores do processo de construção da decisão, alinhando suas posições no tabuleiro como se o veredicto fosse escrito a várias mãos, revigora os laços de socialidade, corresponsabilidade e protagonismo tão caros à afirmação da cidadania.

Ada Pellegrini Grinover, reverberando lição de Denti-Vigoriti, também acentua que a justiça conciliativa atinge conflitos sociais ainda inalcançáveis pelo modelo tradicional de composição:

“Todavia, a justiça conciliativa não atende apenas a reclamos de funcionalidade e eficiência do aparelho jurisdicional. E, na verdade, parece impróprio falar-se em racionalização da justiça, pela diminuição da sobrecarga dos tribunais, se o que se pretende, através dos equivalentes jurisdicionais, é também e primordialmente levar à solução controvérsias que freqüentemente não chegam a ser apreciadas pela justiça tradicional. Assim como a jurisdição não tem apenas escopo jurídico (o de atuação do direito objetivo), mas também escopos sociais (como a pacificação) e políticos (como a participação), assim também outros fundamentos podem ser vistos na adoção das vias conciliativas, alternativas ao processo: até porque a mediação e a conciliação, como visto, se inserem no plano da política judiciária e podem ser enquadradas numa acepção mais ampla de jurisdição, vista numa perspectiva funcional e teleológica.

Releva, assim, o fundamento social das vias conciliativas, consistente na sua função de pacificação social. Esta, via de regra, não é alcançada pela sentença, que se limita a ditar autoritativamente a regra para o caso concreto, e que, na grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo vencido, o qual contra ela costuma insurgir-se com todos os meios na execução; e que, de qualquer modo, se limita a solucionar a parcela de lide levada a juízo, sem possibilidade de pacificar a lide sociológica, em geral mais ampla, da qual aquela emergiu, como simples ponta do iceberg. Por isso mesmo, foi salientado que a justiça tradicional se volta para o passado, enquanto a justiça informal se dirige ao futuro. A primeira julga e sentencia; a segunda compõe, concilia, previne situações de tensões e rupturas, exatamente onde a coexistência é um relevante elemento valorativo.

Resulta daí que o método contencioso de solução das controvérsias não é o mais apropriado para certos tipos de conflito, em que se faz necessário atentar para os problemas de relacionamento que estão à base da litigiosidade, mais do que aos meros sintomas que revelam a existência desses problemas.”[6]

O crescente descompasso entre o poder de compra dos salários da classe média e o reajuste das prestações dos financiamentos habitacionais, sobretudo a partir do governo Figueiredo, provocou uma explosão de ações judiciais no país.[7] José Maria Aragão estima que mais de cem mil mutuários, logo nos primeiros anos que se seguiram à crise de 1982, recorreram ao Poder Judiciário contra o aumento exponencial das prestações de amortização dos financiamentos concedidos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação – SFH.[8]

A pressão exercida por setores influentes da sociedade, como sindicatos e associações de mutuários, resultou anos depois na edição de uma série de normas de caráter manifestamente populista que, de modo artificial, atrelaram o reajustamento das prestações à evolução salarial, quer dos mutuários, quer de sua categoria profissional. Acrescente-se a esse contexto um processo inflacionário de mil por cento ao ano e a receita do caos está pronta: contratos com amortização negativa, saldo devedor impagável, desequilíbrio financeiro, instabilidade jurídica, insolvência das famílias, inadimplência generalizada, prejuízo bilionário ao FGTS e ao Tesouro Nacional e centenas de milhares de ações despejadas no Poder Judiciário, em particular na Justiça Federal.


Estima-se que apenas o rombo do FCVS ao Tesouro Nacional alcance a cifra de R$ 200duzentos bilhões de reais.[9] Repito: R$ 200 bilhões de reais, prejuízo esse suportado, em sua maior parte, pelo Tesouro Nacional, que arcou com as principais obrigações do BNH quando de sua extinção. Ou seja, o prejuízo foi transferido integralmente à sociedade brasileira.

A discrepância entre o valor venal dos imóveis e a dívida financeira dos contratos sintetiza bem o pesadelo em que se transformou o sonho da compra da casa própria. Em média, os imóveis valem apenas 46% (quarenta e seis por cento) da dívida residual, mesmo depois de anos de pagamento de prestações.[10]

A quase totalidade dos contratos firmados entre 1984 e 1994 suscitou algum tipo de contestação, grande parte na via judicial. Nenhuma outra tipologia de negócio jurídico provocou tal grau de conflituosidade. Em 2001, ano da criação da Empresa Gestora de Ativos – Emgea[11], e vinte anos depois da propositura das primeiras ações que arguiam a evolução das dívidas dos mutuários, ainda tramitavam no Poder Judiciário aproximadamente 250.000 (duzentos e cinquenta mil) demandas sobre o tema, abrangendo 110.000 (cento e dez mil) contratos.[12]

A Emgea foi instituída como o último suspiro do Governo Federal na ingrata tentativa de encerrar os contratos firmados no âmbito do SFH até 1994 e reduzir os enormes prejuízos causados à União e ao FGTS, sobretudo em relação aos contratos cobertos pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS. A carteira imobiliária de pessoa física do sistema, com mais de 1.190.000 (um milhão cento e noventa mil) contratos, foi transferida à Emgea com a terrível missão de gerir essa que se tornou a maior “massa falida” da história do país.

A atuação da Emgea, contudo, só ganhou escala com a implantação da política de conciliação. Em 2002, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região anulou uma série de sentenças proferidas em processos que versavam sobre contratos de financiamento da casa própria, sob o fundamento de que não havia sido designada a audiência preliminar de que trata o artigo 331, do Código de Processo Civil. É preciso reconhecer que as decisões do tribunal foram orientadas mais por um “fetichismo às formas sacramentais”[13] e menos pela expectativa de utilidade prática das audiências, pois, naquela época, a possibilidade de transação nos processos relacionados ao SFH ainda era uma realidade muito distante.[14]

Entretanto, juízes federais de Maringá, PR, ao receberem os autos desses processos, transformaram o cumprimento de um ato meramente formal e litúrgico no que, mais tarde, tornar-se-ia o mais rápido e eficaz mecanismo de solução das demandas envolvendo o SFH. O espírito resoluto e incansável daqueles magistrados mudou o curso dos acontecimentos. O Juiz Federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, então lotado na 3ª Vara Federal daquela subseção judiciária, liderou um trabalho intenso, presidindo reuniões, audiências e debates com outros magistrados, serventuários da Justiça Federal, Emgea, Caixa Econômica e advogados dos mutuários. No mesmo ano,[15] o Dr. Erivaldo Ribeiro realizou as primeiras audiências de conciliação, lançando a pedra fundamental de um projeto – o PROJECOM – que, mais tarde, seria copiado e replicado em todo o país.[16]

Desde então, nada menos do que 950.774[17] contratos foram liquidados ou novados.[18] Como resultado direto das conciliações, aproximadamente 50.000 (cinquenta mil) processos foram extintos[19][20] e a Emgea recuperou R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais) em créditos.[21]

As conciliações renderam ainda outro relevante dividendo: negócios jurídicos firmados à sombra da lei, nos recônditos da clandestinidade, são retirados das gavetas e postos sobre a mesa durante as negociações, o que permitiu que quase um milhão de imóveis retornassem ao mercado e pudessem receber investimentos – antes raros por efeito do estado de incerteza que imperava no setor – contribuindo para o aquecimento da economia.

Não obstante, os números desse trabalho ainda estão aquém do desejado. Mesmo com a intensa mobilização e catalização de esforços realizados pelo Conselho Nacional de Justiça, a meta estabelecida como possível para o ano de 2011 é de 20.000 audiências. Considerando que ainda restam 217.000 contratos, 65.000 (noventa mil) dos quais sub judice, nesse ritmo, a Justiça Federal e a Emgea precisarão de 4 (quatro) anos para permitir ao menos que mutuários e cessionários ouçam uma proposta de transação.

Mas virar definitivamente essa página da história da vida política, econômico-social e jurídica do país parece um empreendimento insólito. Pouco mais de 30% (trinta por cento) das audiências têm sido encerradas com a assinatura de acordo.[22]

Urge, pois, que o projeto receba reforço de outras frentes. Primeiramente, é mister que se imprima maior velocidade ao julgamento das causas remanescentes e desocupação dos imóveis arrematados ou adjudicados pela Emgea. Muitos mutuários ou cessionários são renitentes às tentativas de conciliação ante a perspectiva de que os processos se arrastarão por anos até que Poder Judiciário seja capaz de lhes dar uma resposta definitiva.

Ademais, afigura-se premente que a Emgea reformule os parâmetros das propostas, quer estendendo prazos para as alternativas de parcelamento, quer elevando o percentual de descontos em determinados tipos de contratos, como os cobertos pelo FCVS e os referentes a empreendimentos ditos “incentivados.” Outra circunstância a merecer a reavaliação da Emgea diz respeito à consideração, na avaliação do imóvel e consequente definição do valor da proposta, de benfeitorias úteis ou voluptuárias realizadas pelo mutuário (as benfeitorias necessárias, evidentemente, devem ser consideradas ante a obrigação a cargo do mutuário de conservação do bem, por constituir a garantia da dívida).

Mais importante que tudo isso, contudo, é a necessidade de uma maior transparência quanto aos critérios e metodologia adotados pela empresa pública no cálculo dos valores propostos.

É importante pontuar que a obsessão pelo encerramento rápido dos processos por meio dos mecanismos consensuais não legitima atropelos e menoscabo a formas e institutos jurídicos. Nesse afã, a Emgea tem submetido à homologação judicial termos de acordo cujas cláusulas não atendem nem sequer aos seus próprios interesses. Um dos equívocos de que se ressente a minuta comumente utilizada reside na desconsideração de que a transação, na hipótese de refinanciamento, implica novação objetiva. E como não há qualquer ressalva, a garantia hipotecária perde eficácia, o que praticamente inviabilizará a recuperação do crédito em caso de descumprimento do acordo.

O refinanciamento, por importar modificação substancial no valor da obrigação principal a cargo do mutuário (pagamento da prestação e, eventualmente, do saldo residual), constitui novação (CC, art. 360). E não há como objetar a essa assertiva. Veja que a transação não incide sobre obrigações acessórias e a nova relação obrigacional instaurada não convive com a anterior. É dizer, há incompatibilidade entre uma e outra, nota marcante do instituto.[23] Celebrado o acordo, o mutuário não está obrigado a pagar ambas as prestações e a quitação se dará com o pagamento da última parcela objeto do acordo.


Não há dúvida, pois, que os refinanciamentos firmados nos mutirões de conciliações encerram animus novandi. Se assim é, aplica-se-lhes o disposto no artigo 364, do Código Civil, segundo o qual “A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação.”

E não aproveitaria à Emgea alegar que a condição resolutiva contida nos termos de acordo teria a virtude de ressuscitar a obrigação originária, com todos os seus acessórios. É que o decaimento das garantias opera ex lege e não ex contractu.

Pode-se observar outro claro equívoco técnico no modelo adotado nos mutirões. Trata-se da pretensão de retomada da tramitação do processo, a partir do estágio em que se encontrava, na hipótese de inadimplemento.

De fato, a condição resolutiva não foi lançada ali a esmo. Descansa nas entrelinhas a inequívoca intenção de que as concessões feitas pela Emgea percam eficácia caso o mutuário decida não cumprir o objeto do acordo. Mas também é igualmente certo que a fórmula acode ao interesse de ambos. Em favor da Emgea, funciona como um instrumento coativo exercido sobre o mutuário: se este não pagar no prazo, perde o direito ao desconto. Por outro lado, favorece o mutuário à medida que sujeita a sorte do processo e da sentença ao seu exclusivo alvedrio: descumprida a transação, a sentença perde o efeito e os autos são desarquivados, retomando o processo a correr a partir de sua última fase, mesmo que estivesse em grau de recurso.

Malgrado se justifique pelo ponto de vista pragmático, a fórmula transforma a sentença homologatória da transação – que é dotada de eficácia resolutiva de mérito (CPC, art. 269, inciso III) – em sentença condicional. Como se sabe, a questão remete ao que dispõe o artigo 460, parágrafo único, do Código de Processo Civil, o qual rechaça a validade da sentença submetida a condição, assinalando que “A sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional.”

Sentença condicional equivale a negação da entrega da prestação jurisdicional.[24] Daí Moacir Lobo da Costa ter destacado que existe uma antítese lógica entre a sentença, cuja função é produzir certeza jurídica, e a condição, que haure da incerteza a sua essência. Por submeter seus próprios efeitos a algum evento futuro e incerto, um provimento jurisdicional com esse traço também esbarraria no princípio do non liquet.

Vale ressaltar, ainda sobre esse tema, que a própria lei processual se ocupou de prevenir eventual confusão entre sentença condicional e sentença que verse sobre relações jurídicas sujeitas a condição, resolutiva ou suspensiva.[25] Esta última é admissível, eis que, conforme lição de Cândido Rangel Dinamarco, tais relações “Manipulam conceitos e disposições inerentes ao direito substancial, propiciando a sua observância.”[26]

Enfrentando o tema sob o enfoque do que estabelece o artigo 893, do CPC, Moacir Lobo, em obra já citada neste escrito, disse o seguinte:

“Como já se apurou, em boa doutrina não se considera condicional a sentença que decide uma relação jurídica sob condição, porque deve-se distinguir condição do direito e condição da sentença.

O artigo 893 diz respeito tão-somente à execução da sentença que teve por objeto direito subordinado a condição, execução que só poderá instaurar-se depois de verificada a condição, sem pressupor, como entendeu o Acórdão, que a própria sentença exeqüenda seja condicional também. Condicional é o direito, não a sentença.”[27]

Assim sendo, se o termo se restringisse a estipular que a inexecução tornará sem efeito apenas o acordo, estaríamos diante da segunda espécie de sentença mencionada. Se parasse por aí, a fórmula seria válida. O problema gravita em torno da previsão de restauração do processo. É que, ao homologar o acordo, a sentença põe termo ao processo, extingue a relação processual e resolve o mérito. De sorte, prever que o processo retoma o seu curso normal, à vista da ocorrência de evento futuro e incerto (inexecução contratual), representa sujeitar a sentença a uma condição resolutiva.

Destarte, a cláusula que assim dispõe é ilegal, cabendo ao magistrado refugar acordos que a contemplem.

Finalmente, não se vislumbra nas cláusulas dos acordos a estipulação de obrigações acessórias que possam coadjuvar o seu cumprimento, como a cláusula penal e juros moratórios. Em verdade, antes de constituir uma falha, o silêncio da Emgea expressa o que já foi dito: a empresa não cogita lançar mão do título executivo judicial, preferindo, ao revés, valer-se da cláusula resolutiva do acordo e executar o contrato originário, com todas as prerrogativas ali previstas, inclusive a de excutir extrajudicialmente o imóvel.

O objetivo, aliás, vai de encontro ao que estabelece o artigo 20, § 5º, da Resolução/PRESI/CENAG 2, de 24/03/2011, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que trata do Sistema de Conciliação da Justiça Federal da Primeira Região: “Descumprido o acordo, o interessado poderá ajuizar a execução do título judicial, a ser distribuída livremente a uma das varas ou juizados competentes, conforme a lei.”

A conciliação se revelou, indubitavelmente, a mais eficaz forma de solução dos litígios envolvendo o SFH. Todavia, o método consensual não esvazia a importância da composição adjudicada. Cumpre aos tribunais e magistrados emprestar maior celeridade ao julgamento das causas remanescentes e à implementação das sentenças, mesmo quanto às que importem na alienação forçada dos imóveis.

A perpetuação desses litígios residuais constitui desestímulo à transação. A omissão do Poder Judiciário cria uma situação de completa injustiça em desfavor de quem, com grande sacrifício, renuncia significa parcela de seus direitos para por fim ao litígio.


[1] Juiz Federal Substituto da 5ª Vara Federal, membro titular da Turma Recursal e Coordenador do Núcleo de Conciliação, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania e do Gabinete Integrado de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Seção Judiciária de Goiás.

[2] Recentemente, o princípio do acesso à justiça assumiu conotação mais abrangente e de caráter substantivo, convolando-se em “acesso à ordem jurídica justa”, a fim de abarcar exatamente a idéia de que a maior facilidade na postulação ao Judiciário seja acompanhada por incursões que tornem céleres, efetivas e socialmente legítimas as respostas às demandas judiciais. Nesse sentido: WATANABE, Kazuo. Política pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/programas/movimento-pela-conciliacao/arquivos/cnj_portal_artigo_%20prof_%20kazuo_politicas_%20publicas.pdf. Acesso em: 28/11/2011

[3] Fonte: Conselho Nacional de Justiça. Departamento de Pesquisas Judiciárias. Justiça em Números. 2010. A Taxa de congestionamento é o indicador utilizado para aferir, em determinado ano, o percentual dos processos em tramitação que ainda não foram baixados definitivamente.

[4] Mauro Cappelletti sustenta que o movimento de ampliação dos mecanismos alternativos de composição marca o início da terceira onda do processo civil. Ao que denominou de justiça coexistencial, Cappelletti atribui o mérito de curar – e não exasperar – o conflito: “Muito importante é a substituição da justiça contenciosa por aquela que denominei de justiça coexistencial, isto é, baseada em forma conciliatórias.”


[5]   “Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum.”

[6] GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao. Acesso em: 25/11/2011.

[7] Segundo levantamento feito pela Emgea a pedido do autor, baseado em estudo da Secretaria da Reforma  do Judiciário de 2006 e estatística pós criação da Emgea, foram ajuizadas 670.000 (seiscentos e setenta mil) ações referentes ao SFH. Aplicando-se uma média histórica de 2,5 processos por contrato, estima-se que 300.000 (trezentos mil) contratos do SFH foram objeto de controvérsia judicial.

5.1) Quantos contratos foram objeto de algum processo judicial? (ABECIP)Tentamos obter esta informação na ABECIP e não conseguimos, mas, considerando a média histórica de 2,5 ações por processo poderíamos dizer que quase 300 mil contratos.

[8] ARAGUÃO, José Maria. Sistema Financeiro da Habitação: uma análise sócio-jurídica da gênese, desenvolvimento e crise do sistema. Juruá: Curitiba, 1999, p. 284 e 321.

[9] Estimativa feita pela Emgea, baseada em dados do Banco Central, a pedido do autor.

[10] Fonte: EMGEA. Emgea – descrição da empresa e números atualizados JUNHO-2011. Disponível em: http://www.emgea.gov.br/Imprensa/Releases/7845b89e-610e-40fc-86da-42090a5ca4fe?mn=Releases. Acesso em: 27/11/2011

[11] A Emgea foi criada pelo Decreto nº 3.848, de 2001, conforme autorização prevista na Medida Provisória nº 2.155, do mesmo ano (atual MP nº 2.196-3, de 2001).

[12] Dados levantados pela Emgea a pedido do autor.

[13] A frase é do então Desembargador do Tribunal de Apelação do Distrito Federal Rocha Lagoa, em acórdão publicado na Revista Forense, vol. CXI, p. 126, ano 1947. Apud COSTA, Moacir Lobo da. Sentença condicional. Revista de Direito Processual Civil, jan./jun. 1960, vol. I, p. 93.

[14] O dogma da indisponibilidade do interesse público era – e ainda o é em quase todos os extratos da Administração Pública – lido de maneira equivocada. A cultura da transação não tinha penetração no setor público, sobretudo considerando as restrições previstas na Lei 9.469, de 1997, em sua redação original.

[15] SANTOS, Erivaldo Ribeiro dos. A conciliação nas causas do sistema financeiro da habitação. Revista CEJ, Brasília, n. 24, p. 9-12, jan./mar. 2004.

[16] “[…] Importante relembrar que inicialmente foi concebido neste TRF o Projeto Conciliação – PROJECON, sendo executado na Presidência do desembargador federal Vladimir Passos de Freitas, disciplinado pelas Resoluções nºs 37/2003 e 10/2004. Iniciativa pioneira, inexistindo parâmetro em outro Tribunal Regional Federal, já que não havia qualquer referencial ou experiência anterior, no âmbito da Justiça Federal.

De 24 a 23 de novembro de 2003, foram realizadas as primeiras audiências (projeto-piloto) em processos do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, sendo solucionados mais de 66% dos processos. Em todos, o grau de satisfação do mutuário foi excelente.

O êxito obtido determinou a prorrogação do Projeto no ano de 2004 (até 10 de julho), por meio da Resolução nº 10/2004.  Neste ano foram convocados para os trabalhos do PROJECON, os juízes federais Erivaldo Ribeiro dos Santos, Taís Schilling Ferraz e Antônio Schenkel do Amaral e Silva, conforme Ato nº 76, da Presidência, de 02 de março de 2004.

Por meio de um trabalho intenso, a meta de submeter 600 contratos nas audiências de conciliação, no período de quatro meses foi alcançada. […]

Os êxitos das conciliações e a repercussão do PROJECON fora do âmbito da 4ª Região serviram de base à implantação de outros programas de conciliação na Justiça Federal.

Em 2004, o Projeto obteve o Prêmio Destaque Institucional, bem como o prêmio especial de projeto de maior potencial de difusão de idéias.

Os juízes federais do PROJECON tiveram intensa participação na divulgação das audiências de conciliação por todas as regiões do país, proferindo diversas palestras nos Estados da Federação e recebendo outros magistrados interessados em conhecer o trabalho aqui desenvolvido no plano conciliatório.

O PROJECON foi ainda apresentado no 4º Congresso Brasileiro de Administração da Justiça, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.

O alcance social foi atestado pela regularização de centenas de financiamentos, seja pelo equacionamento da dívida decorrente dos contratos de Sistema Financeiro da Habitação, seja pela liquidação, eliminando conflitos e proporcionando tranqüilidade às famílias envolvidas, tornando-se uma verdadeira colaboração para a pacificação social em área das mais complexas, qual seja, a da moradia […].

Entre agosto de 2007 e junho de 2009, o Sistema de Conciliação (SISTCON) da Justiça Federal da 4ª Região deu continuidade ao copioso trabalho já realizado no âmbito da conciliação. Os juízes coordenadores Hermes Siedler da Conceição Júnior, João Batista Lazzari, Erivaldo Ribeiro dos Santos, José Antônio Savaris e Eduardo Didonet Teixeira, em conjunto com inúmeros magistrados, servidores e conciliadores voluntários reuniram esforços, idéias e projetos e juntamente com a coordenadoria geral da Conciliação incorporaram novas atividades, estratégias e formas de viabilizar ações coordenadas.” Fonte: TRF – 4ª Região. Histórico das conciliações. Disponível em: www.trf1.jus.br. Acesso em 30/11/2011.

[17] “Na posição de junho de 2011, a EMGEA já havia liquidado ou renegociado 930.678 (novecentos e trinta mil seiscentos e setenta e oito) contratos; restando ainda, em negociação aproximadamente 217.000 (duzentos e dezessete mil) contratos.” (Fonte: EMGEA. Op. cit.).

[18] Segundo levantamento feito pela Emgea a pedido do autor, 900.774 contratos foram encerrados pelo cumprimento do prazo, pagamento total, etc., da seguinte forma: com desconto (673.152), sem desconto (149.863), com parcelamento (51.202), liquidação de parte ou total da dívida pela seguradora em razão de sinistro (26.557).

[19] “No período de 2001 a 2010 ingressou no caixa da EMGEA montante acumulado correspondente a R$ 19,21 bilhões, oriundos da gestão da carteira de crédito imobiliário com pessoas físicas e jurídicas – setor publico e privado. Neste mesmo ciclo, ingressou no caixa da EMGEA montante acumulado de R$ 800,89 milhões, oriundos da alienação de imóveis não de uso. Neste intervalo, de 2001 a 2010, a EMGEA pagou aos fundos a soma de R$31.386,42 milhões de juros e amortizações do capital. Deste montante, cerca de R$30.882,45 milhões retornaram ao FGTS e foram aplicados pelo Governo Federal em novos programas de financiamento para moradia de baixa renda.” (Fonte: EMGEA. Empresa Gestora de Ativos completa 10 anos de atividades. Disponível em: http://www.emgea.gov.br/Home/Noticia/229e5e3a-2057-4674-92eb-9abe911d87a6?mn=Not%C3%ADcias&lang=pt-br) Acesso em: 27/11/2011

[20] Segundo levantamento realizado pela Emgea a pedido do autor, outros 22.000 (vinte e dois mil) processos, aproximadamente, foram extintos por meio de acordos extrajudiciais.

[21] Segundo levantamento feito pela Emgea a pedido do autor.

[22] Cálculo realizado mediante a comparação entre o número de processos submetidos a mutirões de conciliação no TRF 1 desde 2005 e a quantidade de acordos homologados. A discrepância com os números divulgados pelo CNJ e Emgea, que têm estimado o percentual de êxito em 59% (cinquenta e nove por cento) e 53% (cinquenta e três por cento), respectivamente, explica-se pelo fato de que essas instituições excluem do somatório os feitos em que houve redesignação de audiência, suspensão do processo ou devolução ao órgão de origem pelo não comparecimento do mutuário. De qualquer sorte, vide quadro estatístico disponível em http://www.trf1.jus.br/usuario/DIGES/CENAG/PortalConciliacao/Msfh//Quadro%20Demonstrativo%20-%20Meta%20%20CNJ%20-%2020.000%20audi%C3%AAncias//Relat%C3%B3rio%20EMGEA%20-%20posi%C3%A7%C3%A3o%20%2030-09-2011.pdf . Acesso em 27/11/2011

[23] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3º ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 342; GOMES, Orlando. Obrigações. 17ª ed. Forense: Rio de Janeiro, de 2008, p. 166; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. 24ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2011, p. 237. “[…] Mas, se há incompossibilidade das duas relações jurídicas, a que existia e a que se compõe por negócio jurídico, não se pode afastar o animus novandi, pois as circunstâncias o apontam.” MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial, tomo XXV. RT: São Paulo, p. 78.

[24] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3ª ed. Malheiros: São Paulo, p. 214.

[25] MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo V. Forense: Rio de Janeiro, 1974, p. 98.

[26] Op. cit. p. 214.

[27] Op. cit., p. 102.

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    é Juiz Federal Substituto da 5ª Vara Federal, membro titular da Turma Recursal e Coordenador do Núcleo de Conciliação, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania e do Gabinete Integrado de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Seção Judiciária de Goiás.

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