Pan 2007

TCU aprova contas com sobrepreço de R$ 8 milhões

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20 de janeiro de 2012, 21h44

Em acórdão mantido em sigilo desde março do ano passado, o Tribunal de Contas da União aprovou as despesas da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2007, mesmo depois de ter encontrado um sobrepreço de R$ 8 milhões, de um total de R$ 161 milhões gastos com o contrato 25/2007, o que corresponde a 5% do valor analisado.

A explicação oficial é que o sigilo foi decretado em todo o processo “por conter informações sobre sistemas e equipamentos ainda em uso e cuja disponibilização poderia implicar fragilização na segurança dos seus usuários”. Mas a leitura atenta das seis páginas do acórdão, a que a ConJur teve acesso, não apresenta descrição de equipamento ou sistema. Limita-se a comentar os gastos e as justificativas apresentadas.

Como a ConJur noticiou no último dia 13, a mesma prestação de contas da Senasp é contestada na Justiça Federal do Distrito Federal pelo procurador da República Paulo Roberto Galvão, depois que o Instituto Nacional de Criminalística (INC) do Departamento de Polícia Federal constatou sobrepreço de R$ 17,9 milhões.

Por conta disto, o procurador entrou com Ação de Improbidade Administrativa na 8ª Vara Federal, contra o ex-secretário, o delegado de Polícia Federal aposentado Luiz Fernando Correa — hoje diretor de Segurança do Comitê Rio 2016, ligado ao Comitê Olímpico Brasileiro, seu então braço direito na área de tecnologia, o agente de polícia federal Odécio Rodrigues Carneiro e quatro das seis empresas que fizeram parte do Consórcio Integração do Pan, contratado para o serviço.

No dia 12 de janeiro, Carneiro, que era diretor de Logística da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça foi exonerado do cargo a pedido.

O valor do sobrepreço encontrado pelos peritos do INC e relatado pelo procurador na ação — mais do que o dobro do encontrado pelos técnicos do TCU — não foi a única discrepância nos dois processos.

O Tribunal de Contas da União, ao analisar o contrato baseou-se apenas no valor principal, R$ 161.375.491,27. Já Galvão ao analisar a questão incluiu o aditivo do contrato. Este oficialmente foi de R$ 13 milhões, mas, ao contabilizar item por item nele citado, o procurador concluiu que foram pagos mais R$ 13,5 milhões. Com isto, o gasto passou a ser R$ 174,8 milhões.

Curiosamente, apesar de o processo TC-016.616/2007-1 ter sido levado ao plenário em março de 2011, três anos e meio após os Jogos Pan-Americano, o ministro Walton Alencar Rodrigues, relator destas contas, só analisou o contrato principal. Segundo a assessoria da corte, a “análise dos preços dos itens que compuseram o aditivo contratual não fazia parte do escopo original dos trabalhos, sem prejuízo de que o TCU avalie, a qualquer tempo, a questão”. Ou seja, teoricamente, como os gastos são correlatos, pode acabar havendo dois julgamentos sobre as mesmas contas.

Outra diferença entre as duas análises é no percentual que o sobrepreço encontrado significa. Para o Tribunal de Contas, o preço superior ao de mercado foi encontrado em sete itens, e correspondeu a 5% dos R$ 161 milhões analisados. Já o procurador, na ação de improbidade destaca que por dificuldades de comparar determinados preços, só foram analisados gastos referentes a R$ 41 milhões, que correspondem a 23,54% dos R$ 174,8 milhões do total do contrato e seu aditivo. O sobrepreço, portanto, equivale a 77,94% sobre o valor de mercado dos equipamentos periciados. Ou seja, onde se deveria gastar R$ 23 milhões foram despendidos R$ 41 milhões.

Nos dois processos os técnicos esbarraram em dificuldades para comparar os preços. No do TCU, segundo o voto do ministro Rodrigues, a dificuldade levou os técnicos a utilizarem “parâmetros discutíveis”. Ele fala de um “mercado limitado em face da natureza do objeto licitado” e garante que para detectarem o sobrepreço dos sete itens buscou-se valores para fins de comparação “nos termos de doação ou em aquisições governamentais”. Segundo ele, “as inconsistências a que tal metodologia poderia conduzir foram acertadamente conjeturadas”.

Ainda levantou dúvidas “sobre a precisão dos valores apurados como sobrepreço”, uma vez que a comparação foi de equipamentos “aparentemente similares, mas despidos das características específicas que condicionaram as escolhas e que devem necessariamente atender requisitos de mobilidade, robustez, perfeita integração com os sistemas em uso na cidade do Rio de Janeiro”.

Já o procurador elogiou o trabalho dos peritos federais destacando que, no levantamento adotaram “extrema cautela” de tal forma que só atestaram o sobrepreço “nas hipóteses em que era possível discernir, sem deixar dúvidas, que os preços do contrato realmente estavam consideravelmente superiores aos valores encontráveis no mercado”. Galvão esmiuçou em duas das 38 laudas da Ação de Improbidade a metodologia adotada pelos peritos.

Enquanto o relator no TCU acatou a tese de defesa dos gestores da Senasp de que o foco da compra não foi “o menor preço unitário na universalidade dos itens que constituem a solução integrada de Tecnologia de Informação e Comunicação dos jogos, e sim o menor preço global”, o procurador bateu muito na questão da falta de pesquisa de preços.

O menor preço total foi do Consórcio Integração Pan, liderado pela brasileira Motorola Industrial Ltda. e formado pela matriz dela nos Estados Unidos, a Motorola Inc., a israelense ISDS International Security & Defense Systems LTD, as brasileiras Rocha Bressan Engenharia Indústria e Comércio Ltda., Sisgraph Ltda., OLM Representações LTDA, e a Digitron Tecnologia Ltda.

Esta última, empresa de Santa Catarina, sempre teve forte ligação com Corrêa após desenvolver, em parceria com ele, o sistema Guardião. Criado em 1998, este sistema informatizado realiza o monitoramento de interceptações legais — telefônicas e ambientais — e de dados e faz cruzamentos de informações.

Tanto na Senasp como na Polícia Federal, que dirigiu entre 2007 e 2010, Corrêa adotou o Guardião como o preferencial, adquirindo-o tanto para diversos Estados da Federação (enquanto na Senasp), como para as Superintendências do DPF. Este estreito relacionamento com a empresa catarinense provocou suspeitas e, em 2010, levou o procurador da República Marcelo da Mota, atual chefe da Procuradoria da República em Santa Catarina, instaurar um inquérito para investigar as compras do Guardião pelo DPF.

A contratação do consórcio do Pan foi feita sem licitação o que acabou aceito pelo TCU pois, como o ministro Rodrigues descreve no voto, de seis empresas convidadas pela Senasp, “três apresentaram propostas comerciais, mas somente o Consórcio Integração Pan cumpriu todas as exigências estabelecidas na convocação, sendo sua proposta comercial também a de menor valor”. As outras foram desclassificadas.

Mesmo reconhecendo que “contratações sob a modalidade de preço global devem demonstrar compatibilidade dos preços unitários com os correntes no mercado”, o ministro respaldou-se em algumas decisões judiciais, votos do próprio TCU e manifestações doutrinárias que autorizam e justificam preços unitários maiores, quando o preço global é menor, para propor a aprovação das contas, o que aconteceu no plenário. Respaldado nisto, não se apegou a questão do sobrepreço em alguns dos itens.

Comportamento diverso teve o procurador Galvão na Ação de Improbidade Administrativa. Ele afirma, textualmente, que Corrêa e Carneiro “permitiram e facilitaram o superfaturamento dos preços do contrato”.

Isto ocorreu, segundo diz, “a partir da inserção de informações incorretas no procedimento de contratação acerca da apresentação de estimativas de custos”. Ressalta ainda que “os réus recusaram-se a fazer qualquer análise sobre a adequação dos preços aos valores de mercado e a apresentar justificativas consistentes sobre os preços propostos”.

Galvão vai além. Ele destaca que o reconhecimento da dispensa de licitação e a assinatura do contrato foram feitos pelo então coordenador-geral de logística do ministério, Sylvio Rômulo Guimarães de Andrade Júnior. Já o ainda secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, ratificou a dispensa de licitação. Nenhum dos dois, no entanto, foi denunciado por ter o procurador entendido que foram “ludibriados” por falsas afirmações lançadas no procedimento administrativo por Corrêa e Carneiro.

Na Ação de Improbidade — que ainda não foi analisada pelo juiz Antonio Claudio Macedo da Silva por aguardar a citação de Corrêa e Carneiro para apresentarem suas defesas prévias —, o procurador diz que no processo de contratação não foi anexada “a estimativa de custo ou qualquer documento que lhe fizesse as vezes”. Ele explicita: “No Projeto Básico — documento de 95 páginas — foram reservadas duas linhas para tratar do “valor estimado do objeto”.

Em outro trecho, destaca que o Grupo de Trabalho criado na Senasp “expressamente abdicou de qualquer análise quanto ao custo real da contratação, sujeitando-se ao preço fornecido pelo Consórcio Integração Pan” e conclui que “a proposta seria aceita pelos réus quaisquer que fossem os valores apresentados”.

Enquanto o voto do TCU sequer menciona que a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça em seu parecer cobrou uma maior transparência dos preços a serem pagos, o procurador da República enfatiza esta questão e acusa os dois responsáveis pela preparação do contrato de praticarem atos que “impediram a verificação da compatibilidade dos preços propostos e obstaram a atuação dos controles internos do órgão, apondo informações incorretas no procedimento administrativo a respeito da apresentação de estimativas de custos e do cumprimento de recomendações da Consultoria Jurídica acerca da verificação de preços”.

Os peritos da Polícia Federal especificaram no laudo os valores pagos a mais para as três empresas beneficiadas. A Rocha Bressan recebeu a maior diferença: R$ 9,6 milhões acima do preço cobrado pelo mercado para os mesmos equipamentos, ou 131,53% a mais. A Motorola americana levou R$ 7,3 milhões além do preço de referência — 49.42% a mais. Já o pagamento à Sisgraph foi superior em R$ 909 mil, o que correspondeu a 118,93% acima dos valores comparados. Não houve um ganho direto para a Motorola brasileira, mas ela está na ação por ser a líder: “Ela responde em nome de todas, inclusive da matriz americana”, explicou Galvão.

Na ação, que tramitava em segredo até o jornalista Lauro Jardim da coluna Radar da revista Veja noticiar sua existência, Galvão pede a indisponibilidade dos bens dos seis acusados como garantia de ressarcimento ao erário. Pede ainda a condenação de Corrêa, Carneiro e as quatro empresas pelo artigo 12, inciso II da Lei de Improbidade Administrativa.

Caso sejam condenados, terão que devolver os R$ 17,9 milhões pagos a mais, pagar uma multa de R$ 35,8 milhões (duas vezes o valor do dano causado), ter os direitos políticos cassados, além de ficarem proibidos de contratar com o Poder Público. No caso dos servidores federais, Carneiro, que ainda está na Polícia Federal, perderia o cargo no DPF. Corrêa pode ter aposentadoria revogada e ser demitido.

Processo 0031760-98.2011.4.01.3400

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