Caso Jirau

Inglaterra permite aplicar duas legislações em contrato

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20 de janeiro de 2012, 15h34

A decisão anunciada pela Inglaterra nesta quinta-feira (19/1) sobre a briga em torno da hidrelétrica de Jirau joga luzes sobre como a Justiça inglesa se posiciona em um ponto crucial para o Direito Comercial: a resolução de conflitos por meio de arbitragem. Entre os posicionamentos adotados pela Corte Superior de Justiça, está o de que, pela jurisprudência inglesa, em disputas internacionais deve ser aplicada a legislação do país onde a arbitragem vai acontecer, ainda que as partes sejam de outro país e o contrato tenha sido assinado também no exterior.

Este foi o principal fundamento para que a corte decidisse que a briga entre as construtoras da obra de Jirau — o consórcio Energia Sustentável do Brasil, a Camargo Corrêa e a Enesa Engenharia — e as seguradoras deve ser arbitrada de acordo com a lei da Inglaterra, e não seguir a legislação brasileira. As construtoras exigem indenização por danos causados por trabalhadores nas obras que podem chegar a R$ 4 bilhões e querem que a disputa se trave na Justiça brasileira. A seguradora levou a briga para ser resolvida em Londres, na corte de arbitragem especializada em seguro e resseguro, a Arias.

A cláusula de arbitragem na apólice do seguro que prevê expressamente Londres como palco da resolução do conflito foi determinante para que a Corte Superior de Justiça decidisse a favor da SulAmérica. Ao analisar a jurisprudência inglesa, o juiz responsável pelo processo, Justice Cooke, reconheceu que, embora as partes sejam brasileiras, o contrato tenha sido assinado no Brasil e as obras estejam em território brasileiro, nada disso obriga que uma eventual arbitragem ocorra no Brasil ou de acordo com regras brasileiras.

Ele considerou que a Inglaterra permite que, no mesmo contrato, possa ser acordada a aplicação da legislação de um Estado para os conflitos comerciais e a de outro para o caso de arbitragem. Este entendimento foi firmado em 2008 pela House of Lords, que até 2009 fazia as vezes de Suprema Corte do Reino Unido. Não é o que acontece no contrato de seguro da obra da hidrelétrica, onde há previsão explícita de que a jurisdição para resolver brigas judiciais é exclusivamente o Brasil e de acordo com a legislação brasileira.

A Corte Superior inglesa, no entanto, considerou que a cláusula de arbitragem prevista no mesmo contrato torna implícita a validade da legislação de dois países diferentes: a do Brasil para desentendimento comerciais e brigas na Justiça e a da Inglaterra para arbitragem. Para concluir isso, o juiz Cooke observou que está escrito expressamente no contrato que as partes podem procurar arbitragem e que esta acontecerá em Londres. Mais uma vez, de acordo com a jurisprudência inglesa, é o palco arbitral que determina a nacionalidade da legislação a ser aplicada.

Alcance da arbitragem
A Corte Superior de Justiça da Inglaterra decidiu ampliar a abrangência da cláusula arbitral contestada pelas construtoras. A corte rechaçou o argumento de que só poderia ser objeto da arbitragem o valor da indenização e autorizou que se discuta também se o seguro deve ou não ser pago.

O juiz Cooke também se deparou com mais um conflito entre cláusulas contratuais. Se o contrato assinado entre seguradora e construtoras estabelece a jurisdição exclusiva do Brasil, como permitir que a arbitragem aconteça em Londres, como o mesmo contrato prevê? Para ele, a solução está em considerar que a jurisdição das cortes brasileiras é exclusiva apenas quando se tratar de resolver o mérito da disputa. Ou seja, se o conflito sobre se e quanto deve ser pago de indenização tiver de ser resolvido pela Justiça, esta tem de ser necessariamente a brasileira.

Não significa, no entanto, que as partes não possam se valer da cláusula de arbitragem em Londres. E aí, continua Cooke, uma vez iniciado o processo de arbitragem (como é o caso), o Judiciário do Brasil tem de sair de cena. Qualquer questão acessória que surja no processo arbitral deve ser tratada na Justiça da Inglaterra, país onde se trava a arbitragem.

Acordos para mediar
O contrato de construção da Jirau prevê também que as partes devem tentar a mediação antes de procurar a via arbitral. A Corte Superior de Justiça na Inglaterra teve de analisar, então, se essa mediação é pré-requisito para a arbitragem. Mais uma vez, Cooke foi buscar na jurisprudência inglesa fundamentos para concluir que a mediação só pode ser considerada pré-requisito quando tiver regras claras e não exigir que as partes cheguem a acordos antes de tentar mediar. Ou seja, devem ser estabelecidas no contrato questões como quem vai ser o mediador, em que lugar essa mediação deve acontecer e quais questões poderão ser objeto de negociação.

Quando tudo isso não está pré-definido, a tentativa de mediação pode se tornar inviável quando as partes não chegam a um acordo sobre como ela deve acontecer. Foi o que aconteceu no caso da Jirau. Nada disso estava no contrato, o que levou o juiz inglês a concluir que seria impraticável exigir a mediação como condição para arbitragem. Documentos comprovam que as partes ensaiaram uma tentativa de buscar a mediação, mas não chegaram a um pré-acordo.

Clique aqui para ler, em inglês, a decisão da Corte Superior de Justiça da Inglaterra.

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